O JOVEM DANIEL

O JOVEM DANIEL – 6 MAIO 2018

Glosa de WILLIAM LAGOS sobre o texto bíblico)

Afresco do Profeta Daniel, na Elmali Kilise (Igreja da Maçã), em Göreme, Turquia, Século 11 d.C.

O JOVEM DANIEL I

Talvez o deus de Israel os castigasse,

Talvez da história tão só por contingência,

Talvez mais a geografia o provocasse,

A uma opondo o interesse outra potência,

Que no Crescente Fértil se encontrasse,

Da civilização no início em aparência:

De um lado o Egito, ao longo de seu rio,

A Mesopotâmia do outro, em vasto brio,

Sumérios e Acadianos misteriosos,

Caldeus e Assírios, Babilônios portentosos!

Bem poucos lembram que a civilização

Nove mil anos atrás surgiu entre os Sumérios,

Provavelmente foi sua colonização

Que reuniu inicialmente em seus impérios

Os nomos dispersos da egípcia nação, (*)

Há seis mil anos, afirmam os cálculos mais sérios,

Embora cidades de também certo valor

Tenham surgido na Síria e Ásia Menor,

Onde hoje localiza-se a Turquia,

Antes da história, consoante a arqueologia.

(*) Feudos independentes ao longo do Nilo.

Há mais ou menos uns cinco mil anos,

Abraão, o Sírio, cuja língua era o aramaico,

De Paddam-Aram partiu, sem sofrer danos,

Para rebanhos apascentar no solo arcaico,

Em que habitavam outros povos soberanos,

(Não existem provas de que falasse hebraico),

Acompanhado de seu sobrinho Lot,

Foi pai de Isaac e avô desse Jacob,

Cuja potência fez crescer seu povo,

Doze filhos e uma filha o seu renovo.

Aqui narramos outra história, no entretanto;

Eventualmente, o Testamento nos relata

Seiscentos anos incluídos nesse canto,

Em que o reino de Israel surge e dilata,

Um episódio a dividi-lo em desencanto,

De Judá o reino surgindo nessa data;

Quando os Assírios conquistaram Israel,

Permaneceu Judá sob o burel

Dos sacerdotes que serviam Jehovah,

Que o reino de Israel já então não honrará.

Mas também, ao praticarem idolatria,

A Judá os Babilônios conquistaram;

Este motivo à religião satisfazia,

Mas história e geografia aqui se acharam;

A terra sáfara que a eles pertencia,

Egípcios e Babilônios disputaram

E se do Deus Jehovah se comprova a proteção

Foi do pequeno reino de Judá a duração,

Enquanto de outros mais fortes, bem depressa,

A independência antes tais impérios cessa.

O JOVEM DANIEL II

Mas o rei Jeoiaquim teve o reinado

Interrompido em seu terceiro ano:

Nabucodonosor, por grande exército apoiado,

Sitiou Jerusalém com certo afano

até tomá-la, depois de haver derrotado

as poucas tropas desse fraco soberano,

do Templo os tesouros a levar

até sua terra natal e em Sinear

entronizando no templo de seu deus

vasos e alfaias que tomara dos Judeus.

Bem diversos dos Assírios sanguinários,

Os Babilônios só queriam dominar

E assim o rei ordenou que jovens vários

Fossem trazidos da nobreza do lugar,

Para adotarem seus costumes ordinários

E sua língua aprenderem a falar,

Seu objetivo a ser, naturalmente,

Criar um grupo de dóceis governantes,

Tranquilidade a manter entre sua gente,

Sem rebelar-se, como haviam feito dantes.

Embora a Bíblia isto de fato não mencione,

Queria o apoio judaico contra o Egito,

Sem massacres que a esse povo dome,

Sem guerrilhas de coração aflito,

Insurgidos por vergonha e pela fome,

Que aos ocupantes mantivessem num conflito,

Suas políticas em tudo semelhantes

Às executadas sobre terras mais distantes,

As províncias pagando seus tributos,

Consolidadas sem empregar meios mais brutos.

Entre estes jovens nobres dos Judeus

Estavam Ananias, Azarias e Misael,

Acompanhados por muitos Arameus,

Porém leais apenas a Daniel,

Mas Ashpenaz, chefe dos eunucos seus,

Ao recebê-los do palácio no quartel,

Mudou seus nomes: para Shadrak o de Ananias,

Abed-Nego o novo nome de Azarias,

Meshek sendo conferido a Misael,

Para Belteshazzar trocando o de Daniel.

Ora, o rei Nabucodonosor determinara

Que lhes servissem as mais finas iguarias

E o próprio vinho que em seu lagar guardara,

Indumentárias das mais finas que verias;

Mas Jehovah a Daniel iluminara:

Eram as carnes para os deuses serventias,

Tais sacrifícios elas assim contaminando

E Daniel as foi depressa recusando;

Shadrak, Meshek e Abed-Nego o obederam,

Frutas, cereais e hortaliças só comeram!

O JOVEM DANIEL III

Mas Ashpenaz demonstrou-se insatisfeito:

“A sua saúde pode ser prejudicada,

Meu rei dirá que eu não agi direito,

Minha cabeça pode mesmo ser cortada!”

Mas Daniel argumentou que fosse aceito

Só por dez dias, em experiência realizada,

Com ele e seus quatro companheiros;

Se, por acaso, definhassem mais ligeiros

Que os demais jovens, então aceitariam

As carnes e os alimentos que serviam...

Assim comeram vegetais e água beberam

E examinados no undécimo dia,

Melhor que os outros, que tudo obedeceram,

O seu aspecto mais saudável parecia

E os cozinheiros lhes não mais ofereceram

Iguais alimentos aos que o rei comia...

Mas a estes quatro dera Deus conhecimento;

Logo da língua dos Caldeus o entendimento

Foi alcançado e aprenderam sua cultura,

A sua história e a informação mais pura.

E não somente tinha Daniel inteligência,

Mas os sonhos interpretava e as visões;

Passado o tempo, alimentados com leniência,

Foram do rei levados aos salões;

Melhor que as dos demais a sua aparência,

A língua dominando e as informações...

Bem satisfeito ficou Nabucodonosor,

Logo os quatro a alcançar real favor,

Lugar tomando entre seus cortesãos,

A proteção usufruindo de suas mãos.

Porém o rei elevou Belteshazzar,

Que era Daniel, à mais alta condição

(Chamado ainda de Nebuchadnezzar

Este rei de orgulhosa situação),

Mais do que os magos e doutores a encontrar

O prisioneiro sua real aceitação;

Por cinco reinos Daniel vizir permaneceu,

Até que o império babilônio se perdeu,

Perante os Persas, em longa governança,

Conquistado por Ciro em sua pujança!

Mas no segundo ano do reinado,

Nabucodonosor teve um estranho sonho,

Cada mago e adivinho convocado,

De cada qual o conselho mais bisonho,

Ficando o rei cada vez mais perturbado,

Que na visão percebia algo medonho;

Pedira a todos dar a interpretação,

Contudo eles contestaram, com razão:

Sem lhes contar esse sonho que tivera,

Como fariam, se o rei nada lhes dissera?

O JOVEM DANIEL IV

“Como iremos interpretar, se não sabemos

Qual foi o sonho que o grande rei sonhou?”

Tornou o rei: “Adivinhos sois pequenos,

Nenhum de vós meu sonho adivinhou,

Como quereis que acredite? Não diremos!

Fraco poder esse que nada revelou!

Grandes prêmios vos darei se adivinhardes,

Mas a morte será o prêmio dos covardes:

Todos se portam como veros charlatães,

A trapacear até suas próprias mães!”

“Majestade, não é possível o que pedis!

Contai-nos o sonho e o interpretaremos!...”

“Estais de novo com artimanhas vís!

Se não souberdes, a todos mataremos!”

“Majestade, só os deuses que servís

Poderão vos responder, nós não podemos!”

Então o rei se irou e enfureceu:

“Pois muito bem, o destino é que escolheu!”

E disse a Arioch, das tropas general:

“Tortura e enforca a todos esses por seu mal!...”

Enquanto os outros, prostrados, imploravam,

Com malícia falou o mais corajoso:

“E esses quatro que vos aconselhavam,

Por que não lhes indagais, rei poderoso?

Onde estão esses que sempre lhe falavam?

Enforcai-os também!” E mesmo pesaroso,

Nabucodonosor falou ao general:

“Também de nada saberão, que é natural,

Mal aprenderam a conhecer nossa cultura!

Que sejam mortos, contudo sem tortura...”

Foi Arioch aos quatro procurar,

Que a fazer estavam as orações.

Disse Daniel: “Aonde queres nos levar?”

“Ordena o rei vossas execuções!”

“Mas por que? Qual a culpa a imputar?”

“Mandou matar todos os “adivinhões”,

Pois não souberam seu sonho interpretar!”

“Então permita que eu possa me avistar

Primeiro com o rei e caso ele insistir,

Para a morte eu marcharei sem resistir.”

“Pois então vamos, mas será inútil!

Mesmo sabendo que do rei tens o ouvido,

Essa entrevista será somente fútil...”

Pediu Daniel aos que o haviam seguido:

“Orai a Jeovah, deus inconsútil,

Que na Sua sabedoria temos crido!”

Diante do rei ele se apresentou:

“Majestade, por que motivo nos mandou

Enforcar junto com os encantadores,

Sem nem a culpa saber de tais senhores?”

O JOVEM DANIEL V

“Será que podes interpretar o sonho

Que tive nesta noite e que me assombra?

“Sentença igual para ti me faz tristonho,

Mas não direi o que sonhei na minha alfombra!

Foi por isso que ordenei um fim medonho

Para esses magos de pretensiosa sombra

E devo agir de modo igual contigo...

Poderás te libertar desse perigo?”

E respondeu Daniel: “Senhor, meu rei,

Isso que pedes de mim não saberei...”

“Porém existe poderoso deus no céu

E esse Deus me dará a inspiração;

Não cabe a mim rasgar o escuro véu

Que permitirá vos dar a interpretação

Desse enigma que causou tanto escarcéu,

Mas Deus Jehovah nos dará a salvação.

Para que saibas que isso que digo é sério,

Deus Jehovah revelou-me esse mistério:

Grande rei, em pé te vistes sobre pradaria;

No centro dela, imensa estátua se erigia!...

“É bem verdade!” – disse o rei, ligeiro,

“Mas o que mais no sonho aparecia?

Mesmo que sejas de todos o primeiro

Que alguma coisa de concreto me dizia,

Quero saber do meu sonho por inteiro

E se teu deus interpretá-lo poderia!...”

“Majestade, tinha de homem a aparência,

Extraordinário e terrível de potência,

A sua cabeça era composta de ouro fino,

De prata o peito e os braços como em sino.”

“Ventre e quadris em bronze eram fundidos

E as duas pernas de poderoso ferro,

Porém nos pés ferro e barro confundidos;

Mas uma pedra foi cortada de um aterro,

Sem mãos humanas e os pés foram feridos;

Soltou a estátua um estentóreo berro,

Mas num instante os pés se desmancharam

E os metais da estátua inteira se quebraram,

Mil fragmentos transportados pelo vento,

Por um poder inimaginável de portento!”

“A estátua inteira assim se esmiuçou,

Sem nada dela mais ali permanecer,

Contudo a pedra depressa se ampliou,

Em imenso monte para enfim se converter.”

Nabucodonosor assombrou-se, mas falou:

“Daniel, meu sonho perfeitamente descreveu,

Mas falta ainda a sua interpretação,

Desse mistério qual será a solução...?”

Disse Daniel: “De uma tal sabedoria

Eu não disponho, mas Jehovah nô-la traria!”

O JOVEM DANIEL VI

‘Tu, ó rei, és rei dos reis, a quem Jehovah

Conferiu reino e poder e força e glória;

Tudo o Senhor te deu e te dará

Poder maior de forma peremptória;

Sobre a Terra e os animais concederá

Igual poder ao longo de tua história.

És tu, meu rei, essa cabeça de ouro;

Depois de ti, sem sofrer grande desdouro,

Virá teu filho, representado pela prata,

Teu reino ainda a manter de forma grata!...”

“Mas depois dele, surgirá terceiro rei,

Esse de bronze, a dominar por toda a terra,

Ainda o reino conservado sob a lei,

Mas obrigado pela força de uma guerra;

O quarto reino, conforme te direi,

Terá do ferro a força que ele encerra;

Mas muita coisa ele destruirá

E o reino, aos poucos, se desagregará;

E o quinto rei, lamento, meu senhor,

Será de barro e fraco o seu pendor!...”

“Sob ele será o reino dividido,

Em parte unido pela força férrea,

Mas pelo barro em parte corrompido,

Muito mais frágil a substância térrea

E pela pedra será, enfim, vencido,

Assim cortada por potência etérea

E o novo reino substituirá o teu,

Muito mais forte o poderio seu

E o que reuniram esses cinco reis

Será espalhado por suas novas leis.”

“Este é o sonho que sonhastes, meu senhor,

Sendo esta sua completa explicação.”

“Daniel, Daniel, é imenso o teu favor!”

“Não, Majestade, foi só de Deus a proteção,

A Deus Jehovah dá inteiro o teu louvor!”

Então o rei prostrou-se sobre o chão:

“Certamente o deus dos deuses reconheço,

Contudo a ti demonstrarei o meu apreço,

Um palácio te darei, grande riqueza,

Poder e títulos imensos de nobreza!”

“E mais que isso! Pede o que quiseres!

Somente a ti e aos teus eu pouparei;

Dos charlatães te darei os seus haveres,

Serás o meu vizir, que o ordenarei!”

“Senhor, meu rei, agradeço, se me deres

Uma só coisa que de ti suplicarei:

É que não mates os sábios e adivinhos,

Seguem somente por tolos descaminhos...”

“Daniel, irei satisfazer o teu pedido,

Mas te darei também todo o prometido.”

O JOVEM DANIEL VII

Assim Daniel se tornou o governador

Sobre toda a Babilônia e deu missões

Aos outros três para expandirem o pendor

Das reais ordens e suas tributações;

Ficou Daniel sobre os sábios superior,

Cheios de inveja nos seus corações,

Ao invés da gratidão que lhe deviam,

Que uns aos outros, conspirando, jurariam

Que ainda haviam de se livrar desse judeu

Que usurpara todo o prestígio seu...

E ao rei manipularam seu orgulho,

Que afinal, ele de ouro era a cabeça,

Que erguesse estátua de ouro sem esbulho,

Do metal nobre inteiramente, em grande pressa,

Sem uma grama de barro como entulho,

Da cabeça até os pés numa só peça!...

E que ordenasse a sua consagração,

A realizar-se com grande ostentação,

Todos os sátrapas e as demais autoridades

Convocando para tais solenidades!...

Assim o arauto a todos ordenou:

“Quando ouvirdes o toque do saltério,

Da trombeta, flauta e cítara,” ajuntou,

“do pífaro e cornamusa em megatério.

Das gaitas de foles que o rei convocou,

Curvar-vos-ei como perante um eremitério,

Perante essa, que é a imagem mais sagrada:

No seu semblante a deidade está espelhada,

Que seu imenso reino lhe entregou,

A governar pelo poder que lhe outorgou!”

“Se, por acaso, alguém não obedecer

Será lançado no fragor de uma fornalha!

Que ali irá em queimaduras perecer,

Reduzido a se tornar em simples palha,

Por ter ousado opor-se a tal poder,

Que a retribuição do castigo nunca falha!”

E assim foi feita a inauguração,

Porém Daniel pôs a seu lado em posição

E igual que o rei nem um momento se curvou,

Nabucodonosor de bom grado isso aceitou.

Mas os sábios e os antigos curandeiros,

Que o rei perdoara, a pedido de Daniel,

Os quais se haviam curvado, interesseiros,

Sem terem crença nessa imagem de ouropel,

Já ocasião encontraram, zombeteiros,

Contra o vizir de poderoso anel,

Com que lacrava os documentos pelo rei,

Com sua anuência impondo cada lei;

Covarde sendo essa perversa gente,

Não o ousavam atacar diretamente!...

O JOVEM DANIEL VIII

Então ao rei solicitaram uma audiência,

Denúncia grave tendo a apresentar:

“Majestade, com empenho, sua potência

Determinou dever-se castigar

Quem a ordem proclamada em excelência

Se atrevesse neste dia a desafiar.”

O rei anuiu e disse: “Daniel decidirá!”

“Não, meu senhor, pois suspeito ele será:

Desobedientes foram os seus amigos

E os absolverá então desses perigos!”

“Que seja seu conselho posto à parte,

Porque a ofensa foi direta à Majestade;

Três homens há dessa judaica arte

Que quebrantaram a vossa autoridade;

Não se curvaram e, pela lei, destarte,

Lançados devem ser na intensidade

Dessa fornalha de teu fogo ardente,

Caso contrário, se tornará desobediente,

Boa parte da nação e do país!...”

Nabucodonosor crédito lhes dar não quis.

Mandou Daniel convocar os três judeus,

O que ele fez, mesmo cheio de tristeza.

“Shadrak, Meshek e Abed-Nego, meus caldeus

Os acusaram, afirmando ter certeza

Que quebrantastes os mandamentos meus;

Sua acusação foi, decerto, uma vileza,

Pois sabeis ter inteira minha confiança,

Deste modo, nutro inteira a esperança

De que tal acusação desmentireis,

Os meus decretos jamais quebrantareis!”

“Majestade, somos servos bem fiéis,

Em que momento contra vós pecamos?”

“Sabeis muito bem das novas leis

Que por arautos pelo reino proclamamos

E que negardes escutar não podereis:

Tereis quebrado meus decretos soberanos?

Pois ordenei que todos se curvassem,

Perante a estátua que fiz me levantassem,

Mas me afirmaram que não obedecestes...

É bem verdade que assim vós procedestes?”

De interferir Daniel foi proibido,

Mas então responderam os três mancebos:

“Majestade, vosso decreto foi ouvido

E respeitamos seus ditames ledos,

Porém jamais a nós é concedido

Que nos curvemos por prazer ou medos

Ante qualquer imagem de escultura,

Na adoração de desenho ou de pintura:

Este é o nosso Segundo Mandamento,

Cada um de nós a ele sempre atento.”

O JOVEM DANIEL IX

“Contudo,” obtemperou Nabucodonosor,

“Esta figura representa o vosso deus,

Que reconheço como meu senhor,

Acima de qualquer deus dos Caldeus;

E certamente lhe prestareis louvor,

Por ser o próprio deus de vós, judeus!

Assim a música eu mandarei tocar

E aos três espero ver então curvar,

Perante a vossa sagrada divindade,

Mesmo com os traços de Minha Majestade!”

Porém Shadrak, Meshek e Abed-Nego responderam:

“Não, Majestade, em tudo obedecemos

Ao Mandamento em que nossos pais viveram:

Mesmo morrendo, não o quebrantaremos!”

“Minha proteção assim vocês perderam;

Com grande lástima os condenaremos;

Mas lhes darei uma oportunidade,

Em atenção à sua constante lealdade;

Vamos ao campo em que a estátua se erigiu:

Curvar-se deve quem quer que o som ouviu!...”

Daniel em vão tentou interceder:

“Não, Daniel, tu és igual a mim

E meu decreto não deverás obedecer,

Mas para esses não pode ser assim;

Fala com eles, conselho a lhes dizer,

Que ao menos baixem a cabeça, enfim!...”

Daniel obedeceu a tal comando,

Conselho inverso a seus amigos dando:

Que quando a orquestra tocasse a melodia,

Nenhum dos três a cabeça curvaria!

Pensou o rei em dar-lhes anistia,

Mas os magos levantaram escarcéu:

“Condenação, Majestade, é o que exigia

A vossa lei e o próprio deus do céu

Que essa gente só respeitar fingia:

Lançai-os hoje do fogo ao macaréu!”

Então o rei se encheu de grande fúria:

“O meu poder esses tornaram em penúria!

Não pensei bem ao promulgar esse decreto

E o castigo ribombou sob meu teto!...”

Então mandou acender violentamente

Lenha e carvão nessa fornalha ardente;

Já desmaiavam até, frequentemente,

Os caldeireiros perante o fogo ingente

E aos soldados de resistência mais potente

Foi ordenado transportar incontinenti

A Shadrak, Meshek e Abed-Nego,

Que o castigo aceitaram com sossego,

Salmos cantando para o Deus Jehovah,

Nessa certeza de que os protegerá!

O JOVEM DANIEL X

Os Três Mancebos foram amarrados,

Com suas roupas, calçado e até chapéu

E pelos fortes soldados empurrados

Pela fumaça do mais espesso véu;

Também os guardas caíram, sufocados

E os três tombaram no ardente macaréu!

Porém la dentro, puseram-se de pé,

Pela força e por poder da antiga fé,

Sem que o fogo lhes fizesse qualquer mal,

Na proteção de seu poder espiritual.

E protegendo seus olhos do calor

A projetar-se da fornalha, em profusão,

Estupefato, falou Nabucodonosor:

“Não foram três os lançados no fogão?

Mas estou vendo quatro, sem pavor,

Soltos agora e a louvar a proteção

Que lhes concede seu deus! Estou errado?”

Disse Daniel: “Não, Majestade, há outro ao lado

E a nenhum dos quatro o fogo causa dano.”

Nabucodonosor já se julgava quase insano!...

E os conclamou o rei, em seu pavor:

“Saí para fora, meus bravos conselheiros!”

Eles saíram, sem o menor temor,

Não só seus corpos achavam-se inteiros,

Mas em suas roupas e calçados o calor

Não causara quaisquer efeitos derradeiros,

Nem ao menos seus cabelos chamuscados

E disse o rei aos magos aterrados:

“Ireis agora ocupar-lhes o lugar,

Quem sabe o fogo tampouco os irá queimar?”

A ponta de lança foram todos empurrados,

Caindo aos berros dentro da fornalha,

Em minutos todos eles calcinados,

Nem sequer cinzas depois o vento espalha,

Pois Daniel não suplicou fossem perdoados:

Segunda vez a ira do rei não falha!

Grande honraria dada aos sobreviventes

“Não se conhecem deuses mais potentes,

Entre as arcanas divindades dos Caldeus,

Do que esse Deus tão poderoso dos Judeus!...

E ordenou o rei Nabucodonosor,

Que se contra Jehovah se blasfemasse,

Castigo seria aplicado em grande horror,

Que não somente ao culpado exterminasse,

Mas suas famílias inteiras nesse ardor

E as próprias casas se lhes derribasse,

Transformadas totalmente num monturo!

Mas a esses três de coração tão puro

Concedeu ainda maior exaltação,

Poder e glória sobre toda a sua nação!

EPÍLOGO

Muito mais coisas há no Livro de Daniel,

Mas objeto só serão de outro poema,

Para que este não cresça em demasia,

Nem receba algum excesso de ouropel,

Mais do que seja requerido pela cena...

Quem gostou deste, que espere com paciência,

Talvez chupando algum favo de mel,

Adocicando-me sua gentil benemerência!

A Ciência muitos milagres hoje explica

E a Teologia lhes dá interpretação,

Mas este sendo talvez o mais difícil:

O que este quarto vulto comunica,

Nessa Escritura de tão grande aceitação?

Seria um anjo, sem matéria físsil?

Alguns afirmam ter astronauta essa missão!...

Mas pessoalmente, nada afirmo assim incrível

Sobre o milagre dando a fé aceitação;

Digo somente “crer, porque é impossível!...”