Capítulo 38 – No fim, o céu e o amor de Mabel – Parte I

 
Os vizinhos pensavam terem se livrado das discussões e brigas de Lana e Ander, até que numa madrugada, a gritaria que vinha do apartamento dela chamou a atenção do corredor inteiro.

- LANA, PELO O AMOR DE DEUS, ACREDITA EM MIM! – Ander tentou segurá-la, mas Lana mordeu sua mão, furiosa. – ELA NÃO ESTÁ GRÁVIDA!

- ENTÃO ME EXPLICA O QUE É ESSA MERDA DE EXAME NO MEU CELULAR?

Trêmulo, Ander segurou o aparelho de Lana mais uma vez e as palavras da foto se embaralharam na sua cabeça. Tinha certeza que era uma farsa de Gabriela. Ela tinha enviado mensagens para ele, todas ignoradas. Lógico que não deixaria isso barato. Lana respirava pesado, segurando a vontade de chorar, mas não conseguiu. Gordas lágrimas desceram por suas bochechas. “É realmente um pesadelo que nunca terá fim” – Pensou, desolada. Ander tentou se aproximar mais uma vez, mas ela deu um passo para trás.

- Não.

- Lana, por favor...

- Não. Nós tentamos e você sabe disso. De vários jeitos, com promessas e um recomeço. Deus é testemunha de como tentamos, mas chega. Eu posso lidar com a perda de memória, mas com uma gravidez, não. – Ela foi em direção ao seu quarto e fechou a porta. Ander sabia o que aquilo significava.

Gabriela vencera os dois.

Ele não gostava de chorar, na verdade, atualmente sentia que não (será que o Ander de antes chorava muito? Não tinha certeza), mas não teve jeito. Ele sentou no sofá, escondeu a mão no rosto e chorou. Dinorá se aproximou, encostou suas patinhas na perna dele, que a pegou no colo, miando preocupada com o estado de seu dono. “Talvez, só talvez...” – Ele pensou, desolado e confuso com tudo o que tinha acontecido. “Seja melhor assim.” – Balançou a cabeça negativamente. “O que estou falando? Eu amo essa mulher. Eu sou completamente apaixonado por ela.” Num momento os dois estavam deitados no sofá, totalmente apaixonados, e no outro, terminando mais uma vez.

A vida era de uma delicadeza aterrorizante.
 
Quando Alexia soube do término de Ander e Lana ficou tão agitada que Bruno precisou acalmá-la no quarto. Era uma manhã de extremo calor em São Paulo. Ele deu um copo de água com açúcar para a mãe de sua filha e segurou a mão dela, preocupado.

- Está melhor? – Perguntou, preocupado. Ela balançou a cabeça num sim. Bruno deu um beijo na mão dela, arrancando um quase sorriso de Lexi. – Desculpa perguntar, mas e se o seu primo esqueceu que teve relações sem camisinha? Se nós que temos memória acabamos esquecemos. Pode acontecer.

- É... – Alexia passou a mão pela barriga de quase 8 meses. – Mas Ander disse que sentiu algo muito ruim depois que a viu no estacionamento do restaurante há umas semanas, e agora isso de gravidez. Muito conveniente, não?

- Por esse lado, sim. Ele foi embora?

- Sim, voltou para o apartamento dele e levou a gata. Liguei para Lana, mas ela não me atende.

- Você precisa relaxar. Olha o tamanho dessa barriga, Lexi.

- Eu estou imensa, feia e sempre muito preocupada com tudo.

- Lexi, você sempre foi bonita e grávida está ainda mais. – Ela sentiu as bochechas ruborizarem com o elogio e o puxou para um beijo.

- Obrigada. – Disse, entre os lábios dele. – Muito obrigada!

- Pelo o quê?

- Eu sei que não demonstro, mas esse nosso pequeno infinito é muito importante para mim. Reclamo muito, brigo bastante, mas...

- Eu sei.

- Sabe?

- Sei. Não precisa falar muito, consigo sentir. – Ele selou seus lábios nos dela. Depois, a acolheu em seus braços, tocando com suavidade sua barriga. – A gente se gosta, Lexi. Isso é tudo.
 
Quando acordou, Lana precisou de muito esforço para abrir os olhos bastante inchados de tanto chorar. Toda manhã acordava, se forçava a tomar banho e ir trabalhar, voltava para o apartamento e chorava até soluçar, resultando num sono completamente pesado e inquieto. Vivia num estado dar pena, mas odiava esse sentimento, fazia ela lembrar da própria mãe. 

Não lembrava da última vez que comer uma refeição decente, mas também não sentia fome alguma. Só queria ficar deitada.  

Num final de tarde, recebeu a visita de Alexia após ignorar por semanas suas ligações e mensagens. Bastou ver o tamanho da barriga da amiga que caiu numa crise de choro. Lana simplesmente não conseguia aceitar a ideia de Ander sendo pai de um filho de Gabriela.

- Eu estou sendo uma péssima amiga, Lexi. Eu sei. – Lexi fez carinho no cabelo da amiga, tentando acalmá-la.

- Para de ser boba. Se eu estivesse na sua situação, acredito que reagiria da mesma forma. Dá para te entender. – Lana olhou para a amiga e deu um leve sorriso. - Minha mãe está morando num hotel, disse que está gostando, mas pretende comprar um apartamento. Bruno adorou ela e para o meu total desgosto, foi recíproco.

- Ah, vou visita-la assim que me sentir melhor. É difícil não gostar do Bruno. Ele é o sonho de toda sogra.

- Devo admitir que está certa. – O silêncio entregou um assunto muito delicado prestes a começar. – Minha mãe visitou o Ander esses dias...

- E aí?

- Ele e a nojenta da Gabriela se encontraram e discutiram, pelo que ela me contou. Ander não acredita na gravidez, mas ela está determinada a levar isso até o fim. Minha mãe falou que ele está muito mal.

- Que eles sejam felizes.

- Lana...

- O que, Lexi? O que mais posso fazer? Meus dias se resumem a chorar, me alimentar mal e lembrar do passado. Eu virei um zumbi. – Lexi encostou-se no sofá e deitou as pernas em Lana. – Resolvi fazer um curso nos Estados Unidos.

- O que?

- Sim, amiga, mas estou aguardando saber se fui aprovada ou não. – Lana tentou amenizar o choque da outra. – Preciso recomeçar. A ideia de ver seu primo me dá vontade de chorar.

- Você promete que volta?

- Volto, por vocês duas, eu volto.

Lana foi convencida por Lexi a sair para um almoço. No caminho, a amiga começou a sentir dores. Mas eram dores que iam e voltavam, a princípio não era nada sério, até que se intensificaram.

- Não é possível que essa menina quer vir ao mundo agora! – Lexi exclamou, sendo observada por uma preocupada Lana. – Dirige, amiga.

- Estou dirigindo, mas o trânsito dessa cidade é um horror. - A primeira contração veio. Lexi fincou as unhas no banco do carro e deu um grito. Ela não sabia fazer parto e começou a se desesperar com a ideia de ter que fazer um. – Lexi, aguenta firme!

- Amiga, não sou eu, é a Mabel! – Lana olhou para o chão do carro e uma poça de água se formou no tapete.

- Mabel?

- É, eu sonhei que tinha uma filha chamada Mabel.

- É um nome lindo!

- Dirige, Lana! – A outra contração fez Lexi empurrar o banco para trás com tanta força que quebrou a alavanca.

Os acontecimentos seguintes foram todos como num piscar de olhos. Lana estacionou o carro em frente a uma mercearia ignorando os protestos do dono. 

- Liga para a minha mãe! – Lexi exclamou, sendo colocada no banco de trás com a ajuda da amiga. – DEUS DO CÉU, QUE DOR INFERNAL!

Lana obedeceu, tirando o celular dela da bolsa e procurando o número da tia de Ander. Ligou duas vezes e caiu na caixa postal.

- Ela não atende!

- LIGA PARA O ANDER!

- Mas...

- LIGA! ELE JÁ VIU MINHA MÃE FAZENDO PARTO!

- Ah, mas é claro que já! – Concordou, com agressivo deboche. – O que o seu primo não fez, né? – E discou os números dele. – Ele já salvou crianças de um prédio em chamas?

Lexi tentou gargalhar, mas a dor a impediu. Ela começou a trabalhar a respiração, como via as grávidas fazerem nos filmes.

- Eu estou rindo, mas é de nervoso, Lana Hassenback! LIGA LOGO!

“E aí, minha cara! Sua mãe estava aqui faz um tempinho. Se tentou falar com ela, o celular descarregou.”

O coração de Lana disparou quando ouviu a voz dele. Fazia bastante tempo que não se viam, mas era sempre a mesma curiosa e deliciosa sensação que faziam os sapinhos de seu estômago pularem enlouquecidos.

- Presta atenção, Ander. Estou no meio da Rua da Consolação com sua prima e ela está prestes a dar à luz. Preciso que me ajude a fazer o parto. Não vai dar tempo de chegar no hospital!

“As contrações estão muito fortes?”

- Sim, estão. – Ela tirou uma almofada debaixo do banco do motorista e ajeitou para a amiga. – O que eu faço?

“Vamos lá então...” – Lana odiou a tranquilidade na voz dele enquanto colocava a ligação no modo viva voz, mas ouviu atenta a cada orientação dele. “E força, Alexia!”

- FORÇA EU TEREI NO DIA QUE JOGAR SUA CABEÇA NA PAREDE, IDIOTA!

“Também te amo, prima”

Lana sentiu as lágrimas descerem por suas bochechas enquanto via milagre acontecer diante dos seus olhos. Raios de sol iluminaram Alexia, que com o último e estrondoso grito, trouxe Mabel ao mundo. Atrás dela, o mesmo homem que antes as expulsava, agora trazia um lençol para cobrir a bebê. Era uma cena que irradiava alegria. Lexi viu reflexos de Lana segurando sua filha no colo, depois muitas pessoas. Seus sentidos se bagunçaram. Estava calor. Muito calor. Lembrou de Bruno e depois de sua mãe. Pensou até na última vez que viu o pai. Sentia falta dele. Depois lembrou dela e de Ander crianças, correndo pelas ruas de um Rio de Janeiro noventista. Era tudo muito bonito e colorido, mas como uma pintura que vai se desbotando, foi perdendo a cor. O pulso dela ficou muito fraco. Tentou tocar a mãozinha rechonchuda de Mabel, mas não tinha forças.  

- Lexi? – Lana a chamou, preocupada com a olhar desorientada da amiga. – Ander, ela está ficando sem pulso.

“O que?”

- Sua prima está sem pulso! Sem pulso! ALEXIA! ALGUÉM CHAMA UMA AMBULÂNCIA, PELO O AMOR DE DEUS!

Alexia fechou um olho, depois o outro. Ouviu o choro de sua filha. 1...2...3... O coração batia muito rápido, pedindo desesperadamente por ajuda. “A gente se gosta, Lexi. Isso é tudo.”

Lana chamava por ela, mas não conseguia respondê-la. “Eu estou aqui, Lana! Me ajuda!”

E como no filme de Alice, ela abriu uma porta e fora engolida por sua própria consciência. Não tinha sol, nem céu e muito menos o amor de Mabel.  

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 07/03/2021
Reeditado em 31/07/2022
Código do texto: T7200770
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