A Vida é mais Legal na Imaginação

O nome da princesa Branca foi escolhido por causa do fato mais marcante em sua aparência: a grande mancha alva como a neve em seus cabelos negros como o ébano. Assim como a rainha, ela tinha piebaldismo, um distúrbio autossômico dominante raro, que em 90% dos casos tem como único sintoma essa coloração capilar. Tal condição favoreceu a conexão entre mãe e filha, mesmo com a primeira tendo falecido precocemente.

 

A jovem nunca conseguiu sentir o mesmo afeto por Gothel, segunda esposa de seu pai. Por algum motivo, sua presença causava-lhe calafrios. E foi só o rei fazer uma longa jornada diplomática, que a razão mostrou sua face: na verdade, a madrasta era uma bruxa! E, para seu azar, a feiticeira tinha péssimas intenções com ela…

 

Pouco tempo depois da partida, a moça recebeu uma rígida rotina de tarefas para cumprir e pouco tempo para cuidar de si. Como estava sempre toda suja de cinzas, devido à baixa frequência de seus banhos, Gothel começou a chamá-la de Gata Borralheira.

 

Nos raros momentos em que Branca não estava fazendo as tarefas domésticas no castelo, nem servindo a bruxa, e a atual rainha consorte, ficava em seu quarto. Este ficava no alto de uma torre enorme, sendo impossível entrar ou sair sem magia. Era literalmente uma prisão.

 

A fiscalização de cumprimento das atividades era feita no fim do dia. Se a princesa não obtivesse a aprovação de Gothel, além de não receber autorização para banhar-se e ser obrigada a responder por Gata Borralheira, teria como único alimento maçãs podres. Tais frutas eram capazes de fazê-la passar mal por uma semana inteira.

 

Em seu tempo livre, ela cantava junto com os pássaros. A música sempre esvaziava sua mente de preocupações e ajudava a aguentar firme o regime autoritário em que vivia. Seus únicos amigos eram os animais que acompanhavam sua triste melodia.

 

Quando faltava pouco para seu aniversário de 13 anos, um belo rapaz, ao passar por ali, escutou uma cantiga melancólica. Como a princesa era tão afinada, ele não conseguiu evitar de desejar ouvir mais e, curioso, procurou a fonte do som. Vendo a jovem, não hesitou em se aproximar para conversar. Gritando para ser escutado lá de cima, perguntou, com pena:

 

— Por que uma cantora tão linda possui um repertório tão doloroso? A beleza é uma característica tão desejável que não entendo como alguém detentor possa ser infeliz.

 

— Prefiro mil vezes ser feiosa e entoar essas mesmas peças aí fora com você do que ser bela e presa. Se eu fosse livre, as melodias já soariam mais alegres. — Lamentou ela.

 

— Então está confinada nesta torre? — Surpreendeu-se o estranho. — Pois eu não permitirei que nenhuma donzela tenha sua liberdade infringida! — disse de forma valente. — Vou tirá-la daí.

 

— Não! — Tentou impedi-lo. — Por que eu fugiria com você? Nem lhe conheço. — disse o óbvio.

 

— Pois não seja por isso. Sou o Riquete, rei das Terras Amazônicas.

 

— Meu nome é Branca, princesa daqui mesmo.

 

— Agora que já nos conhecemos, podemos partir?

 

— É muito perigoso! Se minha madrasta descobrir, irá puni-lo horrorosamente. Ela é uma bruxa de verdade, pode nos transformar em sapos!

 

— Pois nem mesmo uma feiticeira é capaz de me parar. Vou voltar ao meu reino e pegar um material adequado, depois colocamos o plano em prática. Quanto a você, já que é uma princesa, acho que possuo um truque para protegê-la. — Então jogou-lhe um grão de ervilha. — Coloque embaixo do colchão, pode prevenir um eventual encantamento.

 

Gothel percebeu a conversa dos dois e deduziu o que estavam pensando. Por isso, resolveu enfeitiçar a enteada para que caísse em um sono profundo e só acordasse dali há 100 anos. Desse modo, estaria incapacitada de fugir.

 

Assim que se despediu de Riquete, Branca começou a ansiar por seu retorno para finalmente escapar daquele lugar. O medo de ser capturada e sofrer punições ainda piores era uma assombração, mas só de pensar em todo o sofrimento vivido, já não conseguia abrir mão da única chance de socorro.

 

Rapidamente, ela teve essa motivação renovada. A próxima tarefa recebida foi costurar uma peça de roupa rasgada da madrasta e a bruxa não hesitou em ameaçá-la com a refeição a base de maçãs podres. Por isso, ela nem cogitou negar. Seria a última obrigação de qualquer forma, não seria?

 

Quando pegou a roca para começar o conserto, sentiu uma energia diferente percorrendo seu corpo, era como se toda a sua atenção estivesse voltada para aquela ação. De repente, o fuso daquela máquina pareceu tão atraente e ela não resistiu em fazer uma carícia.

 

Após espetar o dedo sem querer no processo, ficou olhando admirada para o sangue que escorria. Uma sensação de sonolência invadiu Branca naquele momento e ela optou por deitar-se e continuar mais tarde. Apesar de temer sua punição, os olhos estavam pesados demais para continuarem abertos.

 

Deitou-se na cama e sentiu logo um desconforto enorme. Não importava o lado para o qual virasse, sentia algum objeto muito duro que impedia de alcançar o conforto.

 

A razão disso era o grão de ervilha recebido de Riquete. Por ser uma princesa, tinha a pele muito delicada e era capaz de sentir um mísero grão de ervilha mesmo com vários colchões em cima. Devido a essa estratégia, Branca não conseguiu adormecer, nem dormir por 100 anos.

 

No dia seguinte, Riquete voltou pronto para a guerra. Estava com sua espada, escudo e até um pequeno grupo de ajudantes composto por sua fada madrinha e mais sete homens. O rei não tinha certeza se seu plano havia funcionado, pois Branca continuava sonolenta tentando dormir. Então resolveu invadir o castelo e garantir.

 

Gothel teria o exército do marido às suas ordens enquanto ele ainda estivesse em viagem diplomática. Riquete sabia que suas chances de sucesso em uma batalha seriam poucas, visto que seriam nove contra centenas. Por isso, pediu ajuda à fada, que teletransportou todos magicamente para o alto da torre em que estava a princesa.

 

Ao localizarem a cama da jovem, a madrinha do rei quebrou o encantamento da bruxa e despertou-a. Após o feitiço quebrado, levantou-se da cama, reclamando que praticamente passara a noite em claro por causa daquela ervilha, mas elogiou também a esperteza do plano.

 

Depois que a fada madrinha levou todos para fora, começaram a correr. A magia dela não era forte o suficiente para levá-los até o reino de Riquete, portanto, precisavam chegar até lá da maneira tradicional. Todos estavam morrendo de medo de serem vistos por Gothel e virar sapos.

 

Inevitavelmente, os fugitivos foram vistos. A bruxa não perdeu tempo e transformou-se em um enorme dragão cuspidor de fogo. Ela não pouparia esforços na hora de elaborar a pior punição mágica de seu repertório.

 

Sem praticamente fazer nenhum esforço, a bruxa-dragão segurou nove dos fugitivos. A fada madrinha apenas escapou porque conseguia voar. Gothel transformou os acompanhantes do rei em sapos e cegou Riquete. Assim, os oito ficariam fora de combate e Branca certamente voltaria à casa.

 

A única preocupação da madrasta àquela altura do campeonato era se ainda conseguiria ser vista com bons olhos quando o rei voltasse. Para impedir que a enteada a delatasse, não havia outra escolha além de roubar sua voz e deixá-la muda. Seria muito fácil inventar uma desculpa para isso e seu risco cairia muito, mesmo ainda podendo ser denunciada por escrito ou linguagem de sinais.

 

— Eu nunca vou deixar você roubar minha voz! Eu amo cantar, por favor, não me tire esse prazer… — implorou a princesa.

 

— E você acha mesmo que eu sou tola? Você vai contar tudo para o seu pai quando ele voltar, eu teria que tomar alguma providência cedo ou tarde para conseguir seu silêncio. — A voz de Gothel era ainda mais assustadora na forma de dragão.

 

Vendo o desespero dela, Branca pensou que talvez conseguisse uma moeda de troca. Sem hesitar, ofereceu sua voz e seu silêncio. Só não esperava receber uma resposta tão inusitada:

 

— Eu já troquei a voz de uma sereia por pernas, mas isso você já tem. Vai me oferecer seu silêncio assim de graça? — perguntou irônica.

 

— Não. Eu quero que devolva a visão ao Riquete e destransforme os sete ajudantes dele! — Tentou soar imponente.

 

— E você acha que está em posição de negociar, Ana Lúcia? — Uma voz delicada, mas tão ameaçadora quanto a da bruxa, acordou a jovem de seu devaneio. — Fugiu de casa para brincar no parquinho com a Ariel!

 

— Duda, é o Ariel. Ele prefere assim. — Ana Lúcia desviou do assunto.

 

— Tudo bem, desculpa. — Eduarda disse a Ariel, que assentiu. — Mas não ache que essa tática vai me distrair do meu objetivo, Ana Lúcia! — Voltou-se novamente para a enteada. — Você tirou 5 em matemática, deveria estar a estudar. Aí vai lá e foge para brincar no parquinho! O que seu pai vai pensar de mim quando voltar da viagem? E se ele cancelar o casamento achando que eu negligenciei você? — A mulher começou a ficar nervosa com a possibilidade de perder a união com aquele que amava.

 

— Eu vou estudar, fique tranquila. — Ana Lúcia estava comovida com o sentimento que a noiva de seu pai nutria por ele e sentiu-se culpada. — Eu só queria me divertir um pouco com o Ariel antes… é que matemática é muito entediante! — Fez birra.

 

— Vem cá, Ariel. — Eduarda voltou-se novamente para o colega da enteada — Você é da turma dela, certo? — Ao receber uma resposta afirmativa, ela continuou. — E quanto você tirou?

 

— Eu gabaritei! — ele disse com orgulho, mal conseguindo segurar o sorriso.

 

— Parabéns! — A mulher aplaudiu seu desempenho. — Vocês querem ficar juntos, é isso? Então pronto, estudem juntos. Talvez você faça o milagre de ensinar algo à Ana. — disse enquanto olhava o menino.

 

Pois é, a vida de Ana Lúcia era muito mais legal na imaginação.