O emprego da flexão verbal «valeu» como uma partícula interjectiva no português falado em Angola (por Caetano de Sousa João Cambambe)

Derivação imprópria - o que é?

'Valeu' pode ou não ser empregado como uma partícula interjectiva?

Para compreendermos o que é, na realidade, ‘’derivação imprópria’’, presumimos por bem estabelecer, isto é, apresentar a etimologia e a semântica que aqueles dois nomes têm isoladamente.

De acordo com o A-Z, dicionário electrónico de português, ‘’derivação’’ é uma palavra oriunda da língua latina, ‘’derivatio [derivacio]‘’, que, semanticamente, nos remete para o ‘’acto’’ ou ‘’efeito’’ de ‘’derivar’’. Em outras palavras, derivação, etimologicamente, deriva do latim, derivatio, que significa aquilo que dissemos acima.

Imprópria, de ‘’improprius‘’, à semelhança de "derivação", tem também a sua origem em latim, uma língua já morta, embora o meu professor de Latim I, Dr. Talango António, não corrobora.

Afinal, o que é derivação imprópria?

Convido-vos a viajar comigo, em menos de um segundo, para o país da gramática tradicional portuguesa, a fim de sabermos, de acordo com certos autores, o que é, então, derivação imprópria.

Quanto ao processo de enriquecimento lexical, podemos, de acordo com Pinto (2006, pág. 113), definirmos ‘’derivação imprópria’’ como sendo o processo que consiste na mudança de classe ou subclasse gramatical de uma palavra, sem, no entanto, que haja propriamente alguma alteração na forma gráfica da palavra.

Como exemplo, embora haja muitos que Pinto tenha feito referência, decidimos, então, deixar o seguinte (só para confirmar o bom uso de ‘’valeu’’, no português falado em Angola, nalguns casos, como uma verdadeira interjeição de agradecimento):

a) de (...) forma verbal para interjeição.

Pode-se encontrar, à semelhança do que dissemos, em D' Silvas Filho (2011, pág. 138).

Ex.: Viva! Já não o via há muito tempo.

Repare, meu/minha bom/boa leitor/a, que 'viva', embora seja visto genericamente como uma forma verbal, mas, no exemplo acima, assume a função morfológica de interjeição.

Para Estrela et al (2014, pág. 111), ‘’trata-se de um processo de aumentar o vocabulário, usando palavras já existentes, mas com outra função gramatical‘’. É, quanto ao que vimos no exemplo acima, o que acontece na verdade. As palavras perdem a função que tinham, começando, assim, a desempenhar uma outra função morfológica, que é a de interjeição, sem que haja, então, algum distorcimento da sua estrutura gráfica, tal como se nota no caso que acabamos de ver.

Para o caso que veremos abaixo, à semelhança do que vimos em Pinto, torna-se igualmente lícito e gramaticalmente correcto o (bom) emprego da flexão verbal ‘’valeu’’, no português falado em Angola, introduzindo a ideia de interjeição de agradecimento.

Ex.:

- Caetano, já viste o livro que comprei para ti?

- Sim, Bráulio, já o vi. Valeu, amigo!

Reparemos que, no breve diálogo, o ‘’valeu’’ já não desempenha o papel morfológico de forma verbal, todavia, de interjeição, remetendo para o mesmo valor semântico, que é o de agradecimento, que qualquer outra interjeição equivalente indicaria. Cumpriu-se, à semelhança do primeiro exemplo, com a lei gramatical da não desfiguração gráfica da palavra, pois simplesmente ganhou, algo que não é crime, uma nova função morfológica.

Matos (2012, pág. 144), por exemplo, ao contrário de Estrela e Pinto, atribui àquele processo o nome de ‘’conversão’’ em vez de ‘’derivação imprópria’’, mas que na realidade é a mesmíssima coisa.

Concluindo, pode-se, à semelhança de 'obrigado', usar 'valeu' como uma interjeição que exprime agradecimento, mas obedecendo à regra da derivação imprópria quanto à transformação de um verbo (de uma flexão verbal) para uma interjeição.

Valeu pela leitura, ilustres! (risos)

Por Caetano de Sousa João Cambambe, licenciando em Linguística Portuguesa e Bantu de Angola.

Bibliografia

A-Z, Dicionário Electrónico da Língua Portuguesa.

ESTRELA, Edite et al. (2014) Saber Falar Saber Escrever. 14a. ed. [s.l] Editora Dom Quixote.

FILHO, D' Silvas. (2011) Prontuário de Erros Corrigidos de Português. 4a. ed. Luanda: Texto Editores.

PINTO, J. M. (2006) Novo Prontuário Ortográfico. 8a. ed. Lisboa: Plátano Editora.

CaetanoCambambe
Enviado por CaetanoCambambe em 03/10/2016
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