O pronome de interesse (por Caetano Cambambe)
As mães angolanas, sempre que desejam orientar ou ordenar algo com o sentido de se fazer cumprir obrigatoriamente e rápido, fazem questão de se servir de algumas frases tipicamente locais.
É muito comum, na sociedade angolana, ouvirmos frases em que o ME não assume qualquer função sintáctica.
Não há, em Angola, alguém que tenha crescido sem, no entanto, estiver diante de casos similares. Se não passou, talvez seja porque a mãe ou, em outras instâncias, o pai não é de nacionalidade angolana. Assim é possível, e ainda nos dias de hoje, ouvirmos as seguintes frases:
- João, vai lavar-ME já a loiça/louça.
- Joana, limpa-ME já o chão.
- Vai-ME buscar o prato.
- Muda-ME já essa roupa.
- Cala-ME já essa boca.
- Vai-ME tomar já banho.
- Desliga-ME já a lâmpada.
- Vai-ME dormir já (aqui não está a querer dizer que o filho é quem vai dormir a mãe [rsrsrsrs]).
- Limpa-ME já essa lágrima (não é o filho quem vai limpar a lágrima na/da mãe).
- Faça-ME já a tarefa (não é o filho quem vai fazer a tarefa da mãe).
- Vai-ME já p'ra escola.
- Olha-ME para lá.
De acordo com Cunha et Cintra (1985, págs. 218-219), trata-se, acima, de um pronome de interesse. Esse pronome, por sua vez, não assume função sintáctica alguma. É, segundo ainda eles, ‘’um recurso expressivo de que se serve a pessoa que fala para mostrar que está vivamente interessada no cumprimento da ordem emitida ou da exortação feita‘’.
Como se vê acima, ocorre exactamente o que acabamos de dizer anteriormente, em que se usa simples para se fazer sentir e cumprir a ordem emitida de quem se serve de frases como aquelas. É provável ouvirmos isso taxativamente em contextos informais, e pouco frequente no uso formal.
O ME, como pronome de interesse, é muito usado no português falado em Angola, caso particular de Malanje e Luanda.