O uso do nós/a gente em meio mais formal e menos formal

Ivancleia J. Santos

O uso do nós/a gente em meio mais formal e menos formal

Resumo

O presente artigo tem por objetivo analisar o uso da variação nós/a gente nos programas televisivos: “Jornal da Globo” e o Programa “Encontro com Fátima Bernardes”, ambos transmitidos pela TV Globo, considerando o primeiro como um programa com maior nível de formalidade e o segundo menos formal. Na elaboração deste trabalho utilizou-se a teoria Sociolinguística Variacionista (LABOV, 1972), que aborda os fenômenos de variações linguísticas como um processo comum a todas as línguas. Segundo Labov, as mudanças são motivadas por fatores linguísticos e sociais. Sabe-se que a forma inovadora “a gente” ao longo do tempo foi sendo utilizada e aceita em diversos contextos sociais. A partir das observações e análises constata-se que o “a gente” sobrepõe ao nós até mesmo em situações com grau de formalismo mais elevado.

Palavras chave: Nós. A gente. Sociolinguística Variacionista.

Introdução

Sabe-se que atualmente o “a gente” pronominal ganhou espaço entre os falantes do Português Brasileiro (Doravante PB), essa forma inovadora é utilizada por pessoas de pouco nível escolar e também por pessoas cultas.

Na elaboração deste artigo observou-se dois programas televisivos da emissora Rede Globo: “Encontro com Fátima Bernardes” e o “Jornal da Globo”. Encontro com Fátima Bernardes é um programa de entretenimento, que pode ser classificado como menos formal é apresentado diariamente de segunda feira à sexta feira, no período da manhã, tem como apresentadora Fátima Bernardes, Lair Renor e Marcos Veras. O “Jornal da Globo é um programa jornalístico, atualmente apresentado por Cristiane Pelajo e William Wack, vai ao ar de segunda feira á sexta feira no período noturno, possui um grau de formalismo elevado.

Ao longo do tempo, a forma pronominal a gente ganhou traços semânticos e passou a categoria de pronomes. O uso da forma inovadora a gente não é estigmatiza, nota-se que tanto na fala culta quanto popular, em situação formal ou não formal o a gente aparece com muita frequência.

O presente artigo pretende contribuir com os estudos acerca do novo quadro pronominal do Português Brasileiro.

1. Variação nós/ a gente

Por volta do século XX a sociolinguística começou a florescer, a linguagem é vista “como fator social dinâmico, cuja variação é explicada pela mudança social, por forças externas, portanto” ( COELHO, Izete Lehmkuhl [et al], Sociolinguística, p.16). De forma sintética, a sociolinguística se atenta para aspectos como variação linguística, bilinguismo e outras questões.

A mudança de nome para pronome da forma pronominal a gente é colocada como algo natural pela sociolinguística. Alguns teóricos abordam esse fenômeno classificado como gramaticalização, “ocorre quando um item lexical se torna, em certas circunstâncias, um item gramatical ou quando itens gramaticais se tornam ainda mais gramaticais” ( in Castilho, 1997).

Algumas gramáticas já abordam ou mencionam a forma inovadora a gente, incluindo a no quadro dos pronomes pessoais do caso reto. Alguns gramáticos defendem que o a gente é utilizado em situação formal ou ‘semiformal’

Os brasileiros empregam a forma a gente, especialmente na língua falada semiformal e informal, como equivalente de nós, seja com um valor genérico/ indeterminado (como o de um pronome se: não se sabe, a gente não sabe) seja para a referência dêitica situacionalmente identificada. ( AZEREDO, 2008, P 176)

Percebe-se aqui que na Gramática Houaiss da Língua Portuguesa Azeredo aborda o a gente, no entanto, é restringido a fala não formal.

Outro gramático que tratada da forma inovadora a agente é Bagno, em sua Gramática Pedagógica do Português Brasileiro. Segundo Bagno, o pronome nós concorre com o a gente, sendo que a forma inovadora é mais recorrente em relação a nós.

As mudanças ocorridas no Português brasileiro são analisadas com base no contato linguístico com vários povos. Sendo variável, é natural que a língua ao longo do tempo passe por transformações.

A variação é avaliada por teóricos como sendo produto do fator social “Por ser a língua um fator social resulta que a linguística é uma ciência social, é o único elemento variável ao qual se pode recorrer para dar conta da variação linguística é a mudança social” (MELLET, 1921 apud CALVET, 2002, P. 16). Monteiro explica que a mudança no quadro pronominal do Português Brasileiro é resultado da redução do sistema de conjugação verbal

Por variação entende-se que

é o processo pelo qual duas formas podem ocorrer no mesmo contexto lingüístico com o mesmo valor referencial, ou com o mesmo valor de verdade, i.e., com o mesmo significado. Dois requisitos devem, pois, ser cumprido para que ocorra variação: as formas envolvidas precisam ( i ) ser intercambiáveis no mesmo contexto e (ii) manter o mesmo significado (COELHO, Izete Lehmkuhl [et al], Sociolinguística, p. 23)

A variação ocorre quando as formas mantêm o mesmo significado e podem ser utilizadas em um mesmo contexto linguístico, esta é a visão de Izete Coelho.

Para Weinreich, Labov e Herzog (1965, p.139) “a mudança é um tipo de variação

Linguística com propriedades sociais particulares”. Dessa forma, para comprovar que houve uma mudança, é preciso que em um determinado momento uma variável tenha passado por modificações. No entanto, os significados devem ser os mesmos. De acordo com William Labobv (1986, p.168), essas variações que ocorrem “não são aleatórias e se constroem a partir dos fatores que nelas possam interferir.

2. Atual quadro pronominal de Ataliba T. Castilho

“De acordo com Castilho (2010) o PB atual apresenta o seguinte quadro de pronomes pessoais”

Pessoa PB Formal PB Informal

1ª pessoa do singular Eu Eu, a gente

2ª pessoa do singular Tu, você, o senhor, a senhora Você, ocê, tu

3ª pessoa do singular Ele, ela Ele, ei, ela

1ª pessoa do plural Nós A gente

2ª pessoa di plural Vós, os senhores, as senhoras Vocês, ocês, cês

3ª pessoa do plural Eles, elas Eles, eis, elas

Pronomes em Castilho (2010) *modificação minha

Percebe-se que Ataliba de Castilho, em seu quadro pronominal, coloca o a gente como uso informal. No entanto, na realização deste trabalho constatou-se que há o uso e a predominância do a gente tanto em situação informal, quanto formal.

A preferência da forma inovadora em detrimento do nós contrapõe esta colocação de Ataliba, visto que, para o gramático a variante a agente é utilizada apenas em situações informais.

Neste quadro o a gente é utilizado em falas informais, correspondendo a 1ª pessoa do singular e 1ª pessoa do plural.

3. Coleta de informações para a análise

Tomando como base a Teoria da Variação Linguística de William Labov, analisou-se três dias do programa de entretenimento “Encontro com Fátima Bernardes” e três dias do programa jornalístico “Jornal da Globo”, ambos da emissora Rede Globo de televisão. Os dias foram alternados, não foi uma Sequência de programas.

A medida em que o pronome nós e a forma pronominal a gente ia surgindo eram anotadas as falas para a comparação no momento seguinte. A análise foi feita observando a frequência da ocorrência das variantes supracitadas. O objetivo era confrontar os dados obtidos e verificar se a frequência do uso da forma pronominal a gente sobrepõe o pronome nós em situação com grau de formalismo elevado.

Foram anotadas todas as frases em que ocorriam as variantes em análise. Ao final, foi construída uma tabela comparativa com os resultados obtidos.

4. Apresentação dos dados

Para elaboração deste artigo analisou-se três dias do Programa de entretenimento “Encontro com Fátima Bernardes e três dias do programa jornalístico “Jornal da Globo, ambos da emissora Rede Globo de televisão. Pode-se afirmar que o a gente sobrepõe o uso do nós até mesmo em programas cujo grau de formalismo é mais elevado.

Frequência do uso Nós e a gente

Programas Nós A gente

Encontro com Fátima Bernardes 9% 91%

Jornal da Globo 30% 70%

Nota-se que a quantidade de vezes que aparece o a gente no programa Encontro com Fátima Bernardes é bem superior a nós. Isso ocorre também pelo fato do programa ser menos formal, nestes contextos as variações são utilizadas com mais frequência.

O a gente pode ser utilizado em várias referências. Pode estar se referindo a pessoa que fala, ou seja, eu; pode se referir também a eu e ele juntos, ou pode ser uma forma genérica, situação de indeterminação da pessoa quem fala.

“Outro dia a gente tava aqui no restaurante e eu perguntei pra ele se ele tava gostando, ele disse que sim” (Encontro com Fátima Bernardes). Neste caso, o a gente aparece fazendo referência à eu (pessoa que fala) e ele.

“A gente vai convidar aqui quatro dançarinas [...] pra se apresentar aqui pra a gente” ( Encontro com Fátima Bernardes). Agora há dois a gente, o primeiro refere-se a eu, pessoa que fala, e o segundo é uma forma genérica, todos da plateia irão assistir à apresentação das dançarinas.

“Bom dia! vai ao ar o último capítulo de Salve Jorge, logo mais a gente vai descobrir todos os mistérios” ( Encontro com Fátima Bernardes)

O nós aparece com pouca frequência, este é um resultado esperado, pois, geralmente, em situações menos formal as variações são utilizadas com mais frequência.

“Nós vamos começar falando de um assunto que tem preocupado muito o pessoal de São Paulo” ( Encontro com Fátima Bernardes).

“Nós somos uma potência...”

Por ser um programa jornalístico e ser exibido tarde da noite, subtende-se que o público do “Jornal da Globo” seja pessoas não muito popular e que a linguagem utilizada seja a culta. Realmente o programa utiliza uma linguagem culta, entretanto, quando se trata do pronome nós e da forma inovadora a gente, a segunda opção se sobressai em relação a primeira. Constatou-se que o agente aparece com uma frequência de 70% enquanto os nós 30%.

“Diante desse cenário péssimo que a gente vê” (Jornal da Globo).

“A gente começa com os comentários de....” ( Jornal da Globo)

A forma inovadora a gente é utilizada com muita frequência tanto em meio mais formal quanto menos formal. O nós perdeu espaço para o a gente, mesmo quando a situação possui um grau de formalismo mais elevado. Verificou-se que o nós aparece com pouca frequência, comparando com o a gente.

“Vamos à Nova Yorque...” (nós oculto)

“Nós reparamos o que é mais viável...”

Considerações finais

As variações é algo natural à todas as línguas. A forma pronominal a gente aos poucos foi sendo aceita e utilizada em diversos meios, ou contextos. O quadro pronominal do Português Brasileiro apresenta variações, não só com relação a nós e a gente, mas também com outras formas que já estão em uso. Neste trabalho pretendeu-se analisar o uso da forma inovadora a gente, a fim de comprovar que a presença dessa variação é mais recorrente, seja em meio formal ou não formal.

REFERÊNCIAS

COSTA, Vanderleia. A presença de a gente em Gramáticas e Livros Didáticos. 2012. 21 páginas.

Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/.../000918773.pdf?...1

COELHO, Izete Lehmkuhl...[et al.] Florianópolis. Sociolinguística: LLV/CCE/UFSC, 2010

Disponível em http://ppglin.posgrad.ufsc.br/files/2013/04/Sociolingu%C3%ADstica_UFSC.pdf

LOPES, Célia Regina dos Santos, VIANNA, Juliana Barbosa de Segadas. Nós e a gente na Sincronia: Correlação entre traços semânticos-discursivos. 6 páginas.

Disponível em: HTTPS//www.celsul.org.br/Encontros/05/pdf/093.pdf

WINK, Caroline Ozório, FINKENAUER, Letícia, OTHERO, de Ávila. Quadro pronominal e colocação dos pronomes à luz de cinco gramáticas do português brasileiro

Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem/article/viewFile/14795/9612

Cleia Santos
Enviado por Cleia Santos em 23/05/2019
Reeditado em 23/05/2019
Código do texto: T6654770
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