A canção da chaleira.
Água quente na chaleira ao fogo do fogão à gás. Uma porção de açúcar adicionada na medida certa, dada pela certeza de anos de prática. Uma colher de alumínio mexendo a água, dissolvendo o açúcar. O som do atrito da colher de alumínio na parede da chaleira do mesmo alumínio. Esse som marcou a passagem da minha vida todas as manhãs, da minha infância ao fim da adolescência. Esse som delicado dedicado das manhãs de geada, das manhãs de chuva, das manhãs de sol, das manhãs de Natal, de ano novo, de primavera, Páscoa, aniversário, de alegria, de tristeza.
Todas as manhãs eu acordava e ouvia esse som e sabia que mamãe, a dona Rosa, uma rosa em pessoa, estava preparando o café nosso de cada dia. Meu pai José já estava na lida com o gado. Tirava leite, que horas depois, era vendido, transformado em queijo, ou adicionado ao café para acompanhar os bolinhos de chuva preparados posteriormente.
Uma sexta feira 13, de um mês de agosto, seria a última vez que esse som seria ouvido. A estação de rádio maternal matinal dos anos de metal nobre, da primeira fase da minha vida havia posto termo ao seu existir.
Naquele 13 de agosto, mamãe preparou o café e tão logo correu para a reunião escolar do filho caçula que não era eu. Fim da reunião, deixou a escola pela última vez. Pretendia fazer uma consulta rápida no posto de saúde do lado da escola. Não teve tempo. Ninguém sabe os detalhes do acontecimento.
Ainda guardo uma copia da certidão de óbito, constando causa indefinida para esse trágico expirar da vida.
Não sou supersticioso, mas este é o motivo pelo qual odeio sextas feiras 13.