POST IT - ARS CREANDI HOMINES*
“O sentido da viagem é ir andando e descobrindo.” (José Saramago)
A cidade era muito pequena; a minúscula viela onde morávamos, pacata e com raros passantes. A não ser no início e ao final do expediente dos turnos da fábrica de tecidos, quase nada acontecia nos intervalos.
Depois de cumprir os deveres de casa: ajudar a estender roupas nos varais, lavar pratos e arear as panelas, varrer o quintal, regar o jardim, cuidar das mamadeiras e fazer dormir os pequenos, meu irmão e eu ficávamos na janela que dava para a rua, o Beco dos Canudos, olhando para um lado e para o outro em busca de pessoas. Apostávamos se homem, mulher, criança, se juntas, de mãos dadas ou abraçadas, se andando devagar, se de cabelos longos, se carecas, cor da roupa; essas coisas.
Havia uma tabela de pontos para avaliar quem o vencedor da tarde. Depois compilávamos os acumulados da semana e do mês, quando findava o “campeonato”.
Certa vez disse a ele que tínhamos o poder de criar pessoas, fazê-las existir. Sem nosso olhar nunca nasceriam, pois só a partir do momento em que as víamos passavam a estar no mundo. Antes disso não. Ele, pensativo, ponderou que em Pitangui isso seria muito difícil, já que todos os habitantes eram nossos conhecidos. Somente possível se viajássemos para outras cidades.
É o joguinho mental que costumo fazer em minhas andanças, lembrando o querido Cate (1945-2012). Juntos, povoaríamos o mundo.
______
(23/07/2012)
*A arte de criar pessoas (Exposição Esculturas Romanas, Museu do Louvre, 1974)