POST IT - O BECO
“O Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.” (Fernando Pessoa)
No olhar dos adultos o Beco dos Canudos era caminho e passagem que ligava a Rua Coronel João Carvalho à Rua Martinho Campos; unia as capelinhas do Senhor Bom Jesus à de São José, irmãs gêmeas que acolhiam pouco mais que uma dezena de fiéis. Duas fronteiras ao alcance do olhar, transpostas por meras duas centenas de passos tímidos.
Viela de pouca extensão, aos poucos revelou ser ponto de partida para conexões com todos os lugares que se desejasse conhecer para além do imaginário próprio da infância, multiplicado com as agregadas fantasias tecidas fio a fio, ponto a ponto, nas permutas entre os sonhos de cada menino.
De lá viajávamos no olhar diário, no pensamento ao distante, a mirar a barreira da montanha buscando compreender, entender e perceber além das evidências o que estava por detrás da Cruz do Monte.
Sem saber bem o porquê, gostava de ouvir quando alguém se dirigia a mim para confirmar o endereço: “Mora no Beco?” “Sim!”, respondia com orgulho: “No Be-co-dos-Ca-nu-dos”, proclamava escandindo as sílabas!
Estrada infinita e insabida, semente para histórias de muitas vidas, terceira margem de rio sem água, de muita poeira, o Beco foi o mar que inventamos para navegar com destino, mas sem rumo, singrando todos os mares possíveis ao sabor dos ventos, levados pelas ondas nas direções que apontasse a biruta.
Sertão inundado de fantasias, o Beco era a porta de entrada para trilhar a imensidão das veredas do tropeiro Guimarães Rosa. Éramos Crianças Andorinhas a voar em liberdade, com sonhos de Albatroz Errante.
O Beco dos Canudos é fractal do mundo.
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(07/12/2001)