Carta ao Pai Natal

Lisboa, 2007-11-11

Querido Pai Natal:

Eu sei que já não tenho idade, quase 50 anos, para escrever cartas ao Pai Natal, e muito menos para ainda acreditar no Pai Natal, mas como eu não quero matar a criança que continua a viver dentro de mim, continuo a acreditar no Pai Natal.

Pai Natal, eu não quero matar a criança que vive dentro de mim, porque é ela que faz com que eu continue a acreditar que ainda é possível construir um mundo de paz e de amor, onde todas, mas todas mesmo, as crianças tenham direito a ser felizes e a ver respeitados os seus direitos universalmente aceites e mundialmente violados.

Pai Natal, eu não quero matar a criança que vive dentro de mim, porque é ela que faz com que eu continue a acreditar que envelhecer não é sinónimo de sofrimento mas sim um sinal de que somos aceites, compreendidos e respeitados como alguém que deu muito de si ao mundo, e que quando tivermos a idade que nossos pais têm, ou teriam, agora, não teremos de passar pelas privações e humilhações a que são sujeitos dia a dia.

Pai Natal, eu não quero matar a criança que vive dentro de mim, porque é ela que faz com que eu continue a acreditar que estará para breve o dia em que as mulheres serão vistas como companheiras, amigas, seres humanos iguais aos homens e não como seres que nasceram para sofrer na pele toda a espécie de marginalização, humilhação e desprezo com que ainda hoje são tratadas em tantas partes do mundo.

Pai Natal, eu não quero matar a criança que vive dentro de mim, porque é ela que faz com que eu continue a acreditar que um dia os doentes sentirão, não dó, nem compaixão, mas sim compreensão para o momento difícil que atravessam e terão direito aos cuidados essenciais de saúde.

Pai Natal, eu não quero matar a criança que vive dentro de mim, porque é ela que faz com que eu continue a acreditar ainda me será dado a conhecer o mundo onde os deficientes não serão vistos como um obstáculo, um empecilho, um estorvo, uns inúteis para a sociedade, mas sim como alguém que somente nasceu algo diferente dos outros, mas que já tantos, e tantas vezes, provaram que basta acreditarem neles para que essa mesma sociedade que os marginaliza se venha a surpreender com as suas capacidades.

Pai Natal, eu não quero matar a criança que vive dentro de mim, porque é ela que faz com que eu continue a acreditar que um dia, os homens que detêm o poder, conseguirão colocar de lado as invejas, os ódios, as ganâncias que os têm levado a cometer tantas atrocidades contra os mais fracos, mais debilitados, menos preparados para enfrentar esse seu poder, sofrendo na carne, e na alma, os resultados desses sentimentos, frustrações, recalcados dos poderosos deste mundo.

Pai Natal, eu não quero matar a criança que vive dentro de mim, porque quero pedir-te uma prenda de NATAL.

Já devias estar a estranhar tanta prosa, já devias estar à espera que te pedisse algo, afinal todos te escrevem a pedir uma prenda, pois é verdade, quero pedir-te uma prenda, ainda por cima uma prenda muito especial, quero pedir-te PAZ para o mundo.

Poderá parecer-te um pedido difícil de satisfazer, mas não o é, não te peço que mudes o coração de quem manda no mundo, peço-te antes que impeças que homens com coração de pedra voltem a governar.

Pai NATAL, não te preocupes em comprar carrinhos telecomandados, pistas de comboios, Bonecas muito bonitas que até falam e cantam, dedica o teu tempo nessa cruzada de dar PAZ ao mundo e as crianças, essas mesmas que neste NATAL ficarão tristes por não terem o brinquedo que te pediram, te agradecerão no futuro por as terem deixado ser crianças, por poderem ser mulheres livres e respeitadas, por poderem adoecer com tranquilidade, por poderem envelhecer com honra e dignidade, por não recearem vir a ter um filho deficiente.

Sim Pai NATAL, é isto que te quero pedir.

Obrigado Pai Natal

FrancisFerreira (Um homem de 50 anos que continua a gostar de ser menino)