CÉU E INFERNO

Outro dia eu disse que a vida é tal qual um bicho que me encara. É. Só, Senhora Vida, eu te advirto, aprendi contigo a também encarar.

Encarar e resolver. Fazer com que tu bebas todo o fel que me ofereces com a esquerda. E tomo o mel da direita. E me renovo.

Levanto-me e aproveito-me da Primavera. Ando e sorvo o ar da Natureza. E desafio as perdas, convoco deuses, a eles me entrego. Para que esses mitos me protejam de ti, ladra.

Ladra, sim! Ladra porque me mostras descaradamente o roubo que cometeste. Sabe que faço contigo, Dona Vida? Quero que te danes por aí, procurando a quem pregarás peças.

Por que teria eu, então, de encontrar a peça do quebra-cabeça que faltava? O brinco de brilhantes perdido há séculos? A completude imaginada? A outra alma que vê e sente em uníssono? Quem comigo andaria pelas veredas da Terra em perfeita companhia? Para que me serve agora? Por que me mostraste a palavra perfeita a soar como música? Por que me alçaste ao céu e, em seguida, me empurras no fogo do inferno? Por que me rouba a poesia, a ilusão, o sonho? Eu sepultei essas coisas nos princípios da racionalidade, Elas existiam e a Vida descobriu! Pegou-me desprevenida.

Mas eu nem te ligo, Vida. Faço como naquele dito popular: “Se liga me ligasse, eu também ligava liga, mas como liga não me liga, eu também não ligo liga.”

A Vida é uma sujeita sacana. Despertarei o meu lado masculino e dela me vingarei. Serei um machista e darei na cara da Vida. Só assim essa louca aprenderá, como dizia o meu pai, “Minha filha, com homem não se brinca.”