Em defesa da UFRB

Wilson Correia

A Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) viveu, em meados do primeiro semestre letivo de 2011, a greve dos servidores técnico-administrativos. Em seguida, a partir de 1 de setembro, assistiu à paralisação estudantil nos 5 campus que a perfazem, movimento que terminou dia 10 de outubro, após longos 40 dias de mobilização.

Em meio a esse movimento paredista estudantil, escrevi e publiquei aqui no RL, dia 19.9.2011, o texto intitulado “Pelo direito de respirar”, no qual sustentei que:

“A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu Artigo 19º, afirma: ‘Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão’ e ‘liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras’.

Ainda, a Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu Artigo 5º, estabelece que ‘é livre a manifestação da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença’. E que, Artigo 206, a liberdade de cátedra implica a liberdade para ‘aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber’, salvaguardando o ‘pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas’.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394, de 20/12/1996), em seu Artigo 3º, reafirma, ‘ipis litteris’, a liberdade de cátedra constitucional e acrescenta, no Inciso IV, que o ensino será desenvolvido com base no ‘respeito à liberdade e apreço à tolerância’.

A despeito desse sólido embasamento jurídico, são corriqueiros entre nós variados tipos de ataque à liberdade acadêmica. Basta alguém intentar o debate público sobre como formar melhor nossos estudantes, defendendo o respeito à dignidade docente e de trabalhadores técnico-administrativos e a defesa da qualidade na educação, para logo ele ser enxovalhado” (http://www.recantodasletras.com.br/artigos/3229025).

Esse texto reagia à tentativa de desqualificar o direito docente de se pronunciar sobre o movimento discente. E uma dessas formas de minar o debate sobre o que estava ocorrendo em nossa universidade era o argumento de que, além de empregar métodos errados, o movimento estava sendo liderado por alguns servidores da UFRB. Entre eles, eu, Wilson Correia (uma professora, em Cruz das Almas, chegou a me dizer “Não gosto de professores orientando o movimento estudantil”. Isso no mesmo dia em que votei contra a intermediação da APUR -Associação de Docentes da UFRB- na mesa de negociação, por entender que docente não deveria fazer esse tipo de “mediação” negocial).

Mas, obtusamente concebidos, os argumentos relativos à liderança do movimento estudantil se arrastam até os dias de hoje, acompanhados de malícia, ironia, sarcasmo, ataques, fustigações e perseguições que vão do nível pessoal ao político-ideológico, não se esquecendo, aí, da patrulha institucional e ignorando-se o fato de que se alguém apóia outrem isso não lhe tira o exercício do pensamento crítico sobre o comportamento público desse outrem.

Em face disso, reafirmo minha liberdade de cátedra, minha autonomia didático-pedagógica e meu compromisso ético com quaisquer movimentos que intentem lutas por uma educação de qualidade social, vista como direito, e não como mercadoria. Trata-se de uma posição pública, a qual pode ser conferida em todos os meus textos e, em função da qual, todas as vezes que fui convidado, estive presente às atividades do movimento paredista no CFP da UFRB. Lá, manifestei-me sobre a falta de boa vontade institucional para a construção do diálogo e a respeito das forças e fraquezas de um movimento que se inicia. Nem precisava, para isso, gravar minhas intervenções: elas são públicas, estão todas manifestas nos meus diversos escritos e realizam, como eu disse, minha liberdade de cidadão e docente, sem contar que, se me aceitarem nas audiências que solicito constantemente às nossas instâncias administrativas em nível central, direi a mesma coisa a quem queira saber o que penso sobre o que vivemos em nossa instituição (audiências, aliás, que me são negadas sem a menor explicação, quando o que tenho a tratar são assuntos estritamente profissionais, de interesse do CFP e da UFRB).

Nessa condição, assim como apoiei integral e intensamente a greve dos servidores técnico-administrativos, por entender que todos somos servidores, também não abandonei meus alunos do CFP da UFRB. Entendi, o tempo todo, que, ainda que a UFRB, criação do REUNI, seja uma conquista da sociedade, ela merece ser qualitativamente aquinhoada. Se há recurso para a expansão e interiorização quantitativa de nossa instituição, porque não haveria dinheiro para se investir na qualidade de nossa universidade, tão bem conduzida por servidores altamente qualificados, mas que dependem de infraestrutura adequada para continuar prestando um bom serviço à sociedade que custeia esta universidade?

Minha posição é em defesa da UFRB, instituição pela qual sou apaixonado e devoto meu trabalho diuturno. Essa é a minha postura, a mais adequada e independe que consigo conceber. Mas, não! Até isso querem deslegitimar, sob a alegação de que companheiros servidores e eu lideramos o movimento estudantil. Pena que não posso mais merecer essa honra na condição de aluno, pois só estudante é que eu serei até a morte! Haverá coisa mais digna do que lutar em favor de uma educação de qualidade? Hoje, faço-o na condição de professor.

Mas noto que reside aí, nessa fala desqualificadora de estudantes e servidores sobre liderança, uma ingenuidade professoral e administrativa. Ela veicula o entendimento de que o aluno, estudante ou acadêmico da UFRB, é incapaz de pensar por conta própria, tendo que valer-se de lideranças dos servidores para formular seus próprios pensamentos, decisões e ações nos âmbitos particular, institucional e social. Só quem se concebe como incapaz de pensar por conta própria pode chegar a tamanha mediocridade, a tão crasso e rasteiro sofisma.

Assim como o docente, o discente também é autônomo. Ele é o próprio método de suas reflexões, valorações e movimentos. Ele não precisa ser guiado por nenhum iluminado ou guru que, pretensamente, saibam mais do que ele sobre os caminhos a serem trilhados na academia, na vida pessoal e social, até para estabelecer suas alianças institucionais e sociais, necessárias para o bom encaminhamento de suas lutas.

Ademais, como professor, tenho o sagrado direito de pensar por mim mesmo e de envidar meus esforços, por mínimos e insignificantes que sejam, em favor daquelas causas nas quais acredito e que consubstanciam minha prática filosófica e sócio-pedagógica. Por isso, rechaço todo comentário malicioso e toda prática de obstrução de meus movimentos no âmbito da universidade. Por que será que só me colocam como líder do movimento estudantil, e não me vêem na mesma condição quanto à greve de nossos companheiros técnico-administrativos, aos quais enderecei o mesmo apoio que destinei aos estudantes?

Que me entendam: sou totalmente a favor de quaisquer movimentos que lutem por qualidade na educação. E, em nome disso, tenho o direito inalienável de não ser emparelhado, submisso, enquadrado ou o que o valha. Meu mister no magistério, cargos e funções eu o entendo como serviço que presto à sociedade pelo esforço que ela faz para me remunerar. Nada além disso. Se querem que eu pense de modo diferente, convençam-me sobre como devo proceder.

Ademais, concordando com Milton Santos, entendo que: “Com todos os seus defeitos atuais, tão parecidos em quase todo o mundo, as Universidades geram o veneno e o antídoto, mesmo se em doses diferentes. Lugar de um saber vigiado e viciado, elas são, também e ainda, o único lugar onde o contra-saber tem a possibilidade de nascer e às vezes prosperar. ... caminho único para evitar que o excesso de regras e de mandos acabe por esterilizar as suas possibilidades de um trabalho realmente livre, voltado para o interesse geral” (SANTOS, M. “A Universidade: da internacionalidade à universalidade”. Disponível em: <http://www.recantodasletras.com.br/discursos/3288218>. Acesso em: 19.10.2011.

A universidade ainda é o lugar da pluralidade de ideias. Palco do debate. Da circulação de teses e teorias sobre nossa realidade vivida. Aniquilar essa efervescência compreensiva é minar na raiz a razão de ser da universidade.

Por isso, aqui, cabe-me a defesa da UFRB, no sentido de ela ser aberta, plural, socialmente referenciada, de qualidade, respeitadora das diferenças e acolhedora das multiplicidades verificadas em nossa sociedade e que adentram nossos espaços institucionais.

Não seria nada divertido se na UFRB todos tivessem que se portar vestindo-se de azul. Só nos cemitérios os ossos igualam absolutamente as pessoas. Em uma universidade deve prosperar a vida, exatamente essa que se reveste de todas as cores.