Entre o sapiens e o irracional

Cadê a Sociedade Protetora dos Animais?

Wilson Correia

Acionar o ‘pathos’ quando um cachorro morre por maus-tratos ou de morte natural e chorar por ele, é fácil. Difícil é pisar em um ser humano e não dar a mínima para o rasgo por que a alma alheia tem de passar.

É bonito comover-se com os animais não racionais em extinção. Feio é não notar a feiúra de gestos e atitudes que golpeiam o ‘homo sapiens’ de maneira gratuita e sem a menor justificativa.

É mágico assinar manifestos defendendo a vida silvestre sob ameaça. No entanto, não há mágica que faça o desalmado respeitar a dignidade daquele que, na condição humana, está vivinho da silva do lado e precisa apenas de respeito pessoal e profissional.

É humano aos olhos alheios ir à praça ‘dar comida aos pombos’. Pombas! Como é desumano tratar o humano com a desumanidade dos que excluem, alijam e anulam, sem sequer verter uma lágrima em troco e consolação!

É pedagógico ‘catar o cão de rua’. Mas o que seres ‘sapiens’, que usam o polegar opositor em confecção de dissertações e teses, têm na mente e no coração ao jogarem na lixeira a reputação e a honra alheia?

É tão refinado ‘ouvir o canto dos pássaros!’ Entretanto, não ouvir o outro sobre as fantasias, fofocas e mentiras espalhadas a respeito dele é o quê? Seria porque quem ‘ouve o canto dos pássaros’ desaprendeu a ouvir o canto dos seres ‘sapiens’ que vivem ao seu redor?

É engrandecedor rebaixar-se ao nível vegetal e ‘conversar com minhas flores’, e há aplausos bastantes para reconhecer o grande gesto evoluído. Custa voltar em sentido contrário, para ‘sentir o humano’ em um simples gesto e dizer-lhe o que sobre ele vai em nossos sentidos?

É retumbante a ‘bondade’ que, de bom grado, defende a qualidade de vida dos animais ditos não pensantes. E o que será a compaixão que sente com o outro o peso da existência, insistentemente tentada no alívio pela participação produtiva da vida humana no âmbito pessoal e profissional?

Tem hora que questionamentos como esses me levam a pensar que estamos priorizando valores em detrimento de princípios.

Claro que os animais merecem: nossa lágrima, o que de mais belo existe em nós, a mágica de nossa acolhida, a humanidade que nos reveste, o lado bom de nossa esmerilada educação, o nosso auscultar, nossa palavra, a nossa bondade.... Mas também é verdade que a espécie ‘sapiens’ merece tudo isso e mais: do alentado sentimento de pertença.

Tem hora, contudo, que o chamado ‘humano’ fica em segundo plano. É nessas horas que tenho vontade, muita vontade, de acionar a Sociedade Protetora dos Animais. Será que ela tem algo a dizer?