Tentativa de mergulho no indissolvível

Inabalável diante de terremotos e receptivo como o mar, assim funciona a mente daquele mestre chinês frente às questões da vida. Para mim, com toda a eletricidade da juventude e suas inquietações inerentes, vendo-a agir e proceder, me aquietei, certa feita. Fiquei com a certeza de que a tranqüilidade é o que diferencia pessoas. Saber absorver os golpes todos e espargir serenidade, isso era a paz, o que buscava: neutralizar o mal dentro de mim. Era quase divindade, esfinge, retrato inalcançável, alvo; sem impor regras moralistas ensinava com sua vida. Mergulhei naquele lago límpido, na busca de pérola, peixe, essência, cheiros raros.

Agir dando peso ao que vem do coração. Dizer isso é fácil, agir assim, quase-impossível e mais: não procurar o resultado, que virá por sim mesmo. Como chegar a tanto, no imediatismo destes dias, de forma consciente? É preciso tranqüilizar o pensamento plenamente, de modo a ver-se o coração transcendente pulsar. Isso é inteligência espiritual, que por si mesma atinge a origem. Muito pode nascer da morada do nosso coração, ao concentrarmos nele nosso espírito – princípio de todas as transformações.

Que coisa mais abstrata e difícil - resistia muito (e resiste ainda hoje) essa minha mente estratificada na razão. Isso era magia secreta ali assim exposta, mas era também perfeitamente exata e ao mesmo tempo fluida e exigia uma extrema inteligência e lucidez – um caminho para chegar lá, no extremo e aprofundado, onde morava a tranqüilidade. Isso seria atingir o ponto de equilíbrio, é quando um líder consegue naturalmente que os seus ensinamentos sejam absorvidos de bom grado – fora isso há somente o chicote, as normas de conduta, a moral, os horários imperativos e as imposições todas, como ocorre em qualquer linha de produção industrial.

Autodomínio? A resposta, dizia, é mediante a concentração dos pensamentos. Só através da contemplação e da serenidade nasce a verdadeira intuição. Mas como não se distrair ou ter preguiça. Todo momento é importante, todo detalhe é relevante, toda pessoa é um universo, uma conjunção de fatores. Mas, viver distraído é quase uma regra, uma “errância” do espírito. A preguiça significa que ainda não há domínio da vontade, a pessoa não está no ponto, insensível, como não estaria eu, nós...

Parece lição de casa para semi-divindades, complexo? Nada, talvez, por exemplo, evitar o envolvimento em assuntos insignificantes. A mente não deve ocupar-se de futilidades. Outra dica dada: não sucumbir à sedução dos dez mil enredos, ou seja, ao excesso de pensamento, um mundo sucessivo, frio, mecânico, obscuro e que dificulta até a respiração. Aprender a respirar certo, caminho, yoga – esses mistérios.

Poética, paradoxal, a linguagem do mestre pareceu-me cifrada, mas eu parecia entender com os poros e entranhas e não com a cabeça. Ensinava: não sucumbir aos pensamentos renitentes Nesse caso, a força aí é fria, a respiração difícil. Surto de imagens que representam o frio, aquilo que se extingue. Demorar nesse estado por muito tempo é entrar no domínio das plantas e das pedras.

Lição mínima, extrato, elixir de tudo. Dizia: esforce-se no sentido de confirmar palavras pelas ações, um bom antídoto ao veneno, ao labirinto. Assim ir indo recuperando o fogo. É necessário quase um ano inteiro para o embrião nascer, separar-se da casca, passando do mundo comum para o mundo sagrado. Quem puder que entenda, e se quiser, tente.

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Tentativa de mergulho no indissolvível texto de O Segredo da Flor de Ouro, básico para a prática da meditação taoísta, China, século XII.