( eu com 10 anos)


SAUDADES DE MIM
 
                Dizem que o dia do aniversário da gente é um dia especial. Será? Não sei... tenho minhas dúvidas.
                Bem... Hoje completo cinquenta e um anos e algo me diz que não estou completando mais um ano, mas, na verdade perdendo mais um, pois o tempo nos leva para o fim. Isso não tem como negar. E então me surpreendo olhando para trás como sempre faço nessa data e percebo que pouco fiz e o tempo urge. Descubro então que ainda quero fazer muitas coisas e uma dela é terminar meus projetos de poesias. Alguns projetos ou sonhos eu desisti há algum tempo. Ou talvez não. Talvez estejam apenas esperando o momento exato. Tenho por exemplo, o sonho de dar aulas e desenvolver projetos de poesias com os alunos. Talvez quando eu me aposentar daqui mais ou menos três anos eu ainda faça isso. Mas agora meu destino me levou por outros caminhos e então desisti de alguns sonhos por causa da doença de meu esposo. Na verdade tenho pensado que deixei muito de pensar em mim para pensar nos outros. E recebo até muitas críticas por isso. Muitas... Mas que fazer? Sou assim. E depois, tudo que mais quero é paz comigo e com os outros. Principalmente com Deus. E essa eu sei que só consigo de estiver em paz com minha consciência.
                Não, não estou lamentando a vida. Não gosto disso. E apesar de tudo eu amo a vida. E até quero agradecer a Deus nesse dia por todas as oportunidades que me deu, porque nessas oportunidades, mesmo nas mais difíceis, foi que aprendi e amadureci um pouco. Sim, tenho certeza que sim.
              Se fui feliz ao longo desses cinquenta e um anos? Depende do que felicidade significa. Tem momentos que penso que a felicidade está dentro da gente, e, portanto, não importa se nuvens negras pairam em cima de nossas cabeças. Contudo, tem momentos que penso que apenas existem momentos felizes porque na maioria dos outros momentos são apenas cruzes que carregamos. Mas depois fico pensando: dizem que só chegaremos a Deus pela cruz. E cada um tem a sua, embora Deus não permita uma tão pesada que não possamos carregar.
             Ainda sobre felicidade: às vezes penso também que minha felicidade é clandestina. E não digo isso porque li Clarice Lispector não. É porque recapitulando agora minha vida, a maioria dos momentos felizes que vivi foram tão curtos e às vezes tão cheios de lutas. Sim, acho que minha felicidade é clandestina. Mas não me importo. Me acostumei. Mas não pensem que digo isso por auto piedade. Detesto isso. Mas é só uma constatação de fatos.
                    Sabem essa foto dessa menina ao alto? Sou eu com dez anos quando recebi meu diploma de quarta série. Foi um desses momentos felizes de minha vida. Logo depois começava minhas lutas pelos sonhos.  Hoje olhei para essa menina. Tentei descobrir seus sonhos escondidos detrás desse sorriso lindo e chorei por muito tempo. Saudades de mim... Eu me lembro: já era tão sonhadora e precoce. Foi nessa época que abandonei Rosângela, minha boneca de plástico e já suspirava lendo fotonovelas nas revistas de minha tia que as escondia debaixo do colchão. Um dia descobri elas lá e já não saia mais do quarto lendo aquelas histórias lindas de amor. Acho que foi nessa época que criei minha ideia de amor perfeito e lindo. Nunca podia imaginar que o amor nem é tão lindo assim. Bem... Talvez seja. A gente é que complica. Mas o fato é que naquela época o ator Franco Gasparri era minha ideia de homem perfeito. E acho até que foi meu primeiro amor. Imagine...
               Bem... Hoje tentei me ver dentro dessa menina. Encontrei em mim muito dela ainda e nela já um pouco de mim hoje.  Não vejo muito diferença entre nós, apenas essa distância de quarenta e um anos o que me dá a vantagem de alguma experiência na escola da vida. O que sei é que aquele olharzinho lindo já revelava tantos sonhos. Por exemplo, eu amava estudar e começava minha luta para fazer meu pai aceitar eu ficar na cidade para continuar os estudos. Para meu desespero ele queria me levar para a roça e me treinar para ser dona de casa e esposa de algum moço dali mesmo. Foi minha primeira desilusão na vida. Chorei muito e graças a Deus venci e minha felicidade durou pelos menos por um ano e depois tive que me render aos caprichos de meu pai. Depois daí talvez um dia eu conte e verão que tenho razão sobre ideia de felicidade clandestina.
               Na verdade, hoje queria dizer que quando olhei para essa menina, para esse sorriso tão sonhador, eu chorei muito. Chorei pelo fato de que aquele sorriso não podia prever o futuro. E ela já sonhava tanto! Será que esse foi meu mal? Eu chorei porque a gente cresce e a felicidade se torna ainda mais clandestina. E até mesmo os pequenos momentos de felicidade a gente tem que renunciar. Por causa dos outros e também por causa de tantas convicções que nos põe na cabeça.
              Hoje, confesso que não estou muito feliz não. Deveria estar. Mas, na verdade estou um pouco triste e tentando superar uma renúncia que tive que fazer semana passada e que me abalou muito. Mas foi preciso justamente por causa dessas convicções que as convenções da sociedade cobram da gente. Eu escolhi a renúncia porque ela significa acima de tudo, fazer as pazes com Deus. E eu entendo que só Deus basta em nossa vida e nos completa realmente. Tenho provas disso.
                Por causa de tudo isso é que resolvi escrever essas palavras e também porque vou precisar de um tempo para superar isso. E durante esse tempo talvez eu me ausente aqui do recanto. Mas como não sou de ficar remoendo tristezas por muito tempo, espero que esse tempo não passe de uma semana.  Até porque o Recanto é meu divã e meus amigos daqui são todas pessoas muito especiais que amo muito. O Recanto é tudo para mim. É tudo de bom que me aconteceu ao longo de minha vida.  Contudo, se der na telha nem me ausento nada. Tenho umas regrinhas do Augusto Cury que costumo seguir que são tiro e queda. Elas tem me valido e com certeza não falharão agora. Mas só peço que me compreendam e quando voltar quero ser a poetisa de antes. Inclusive que tolerem meus poemas  de primavera e os sensuais, estes referem-se a um projeto que tenho e um desafio involuntário do meu querido amigo Trovador das Alterosas. Afinal a vida continua e o futuro a Deus pertence.
Abraços e até...