Ser simples

Precisamos de simplicidade. Por que não ser simples?

Ser simples é adotar a idéia de que simples é o que é, de que o que é simplesmente não precisa de acréscimos.

Ser simples é amar pela natural satisfação de se estar amando e sendo amado, deixando interesses alheios ao amor do lado de fora de nossos encontros.

Ser simples é compreender que simplicidade não rima com simploriedade, pois o simples é sutil, mas simplório é afetado e imbecil.

Ser simples é consumir tão-só aquilo que pedem nossas necessidades reais; realizar apenas nossos desejos sadios; e buscar a realização somente de nossos sonhos possíveis, sem subestimar ou potencializar demais aquilo que somos, temos, sabemos e podemos ser.

Ser simples é dar circulação à verdade, porque a mentira é uma forma de não-ser e porque onde não há verdade a liberdade não pode comparecer.

Ser simples é desejar só os objetos de nossos desejos naturais, sem cairmos na armadilha daqueles que nos querem autômatos e artificiais.

Ser simples é ver-se diante dos problemas e ter a sabedoria de não se preocupar, pois todo problema ou tem ou não tem solução; se há solução, para que preocupação? Se solução não há, para que se preocupar?

Ser simples é falar quando a fala emerge, permanecer sem forçação, ir quando se deve e silenciar se o silêncio pede.

Ser simples é fazer da inteligência uma aliada, e não um entupimento esnobe ou um complicador de nossa jornada.

Ser simples é levar a vida a sério, mas sem fazer-se sério, o que implica brincar por brincar, trabalhar para realizar-se, comprometer com que se pode cumprir e se envolver quando o que se pede é a capacidade de se entregar.

Ser simples é mudar o mutável, conviver com o pronto e acabado e ter consciência da diferença entre o que é permanente e o que está em vir-a-ser.

Ser simples é não duplicar ou multiplicar desnecessariamente, pois há o uno do que sou, do que as pessoas são, o uno de todo existente.

Ser simples é saber com certa exatidão o que se sabe, pode e deve fazer; que há coisas que podem ser feitas, coisas que só poderão ser feitas amanhã; e outras que nunca poderão ser se fazer.

Ser simples é sacar que se o sentido existe, é importante vivê-lo intensamente; que se sentido não houver, é preciso deixar de construí-lo definitivamente.

Ser simples não é viver com menos, nem viver com mais: é viver com o que é necessário, suficiente e real. Sobras e faltas são males. Só a justeza é o grande bem que afugenta o mal.

Ser simples é aceitar que temos uma vida breve e curta, e que, se somos humanos, podemos dar-nos uns aos outros enquanto pulsa-nos o espírito, a mente e o corpo.

Ser simples é ter para viver confortavelmente. A cratera interminável de bens de consumo e de riqueza material pode ser uma arapuca: aprisionar aquele a quem deveriam ter por dirigente e senhor. O número de gente que está sendo dirigida pelo senhorio das coisas já se configura um excesso preocupante... por que entrar nessa fileira?

Ser simples é viver e deixar viver, dar os ombros ou “de ombros” conforme a ocasião, mas nunca deixar de fazer-se companheiro de verdade, amigo sincero, verdadeiro irmão.