Pedreiro: O Escultor de Sonhos
Charlles Nunes

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“Não há substituto sob os céus para um trabalho produtivo. É o processo pelo qual os sonhos tornam-se realidade. É o processo pelo qual as visões idealizadas tornam-se realizações dinâmicas.” ~ G. B. Hinckley



Como se diz ‘carpinteiro’, ‘bombeiro hidráulico’, ‘eletricista’, ‘pintor’ e ‘mestre-de-obras’ em uma só palavra? Se você leu o título, já sabe de quem estou falando...

Além desses atributos, esse autodidata se torna físico, matemático, engenheiro, arquiteto. Desde os dias dos faraós, o pedreiro constrói sonhos e molda a matéria bruta, traduzindo em realidade as mais belas visões.

Uma colherada de cada vez, ele vai criando algo maior do que si mesmo, e que resistirá ao tempo, mais do que ele próprio. Se o sonho do homem é deixar algo de si para as futuras gerações, esse profissional realiza dia-a-dia tal proeza. Centenárias contruções prestam vivo testemunho a diversas gerações de que por ali passaram pedreiros de mão cheia.

Quando a vida era ganha no cabo da enxada, mãos calejadas serviam de prova diante de qualquer revista policial. Assim como o número de anéis no casco da tartaruga serve de base para se imaginar a idade do réptil, a quantidade de calos na mão do pedreiro atestava seu zelo na profissão. Assim como os trabalhadores da roça, levavam aonde quer que fossem a identidade e a carteira de trabalho nas mãos.

Prumo, nível, linha, mangueira, régua e esquadro. De colher na mão, o maestro vai regendo a orquestra ao executar mais uma obra-prima. Tendo a seu lado um fiel escudeiro, o servente.

Enquanto alguns a consideram como bico ou biscate, outros encontram na profissão a vocação de uma vida inteira.

Conforme a necessidade, o sonho de ‘fichar’, ou seja, trabalhar de carteira assinada, vai aos poucos dando lugar ao trabalho por empreitada ou diária. É a saída para se manter ocupado.

Como cada obra concluída se soma às anteriores, o currículo do bom pedreiro é a propaganda boca-a-boca. Um trabalho mal feito e toda sua reputação vem abaixo. Além da excelência no trabalho em si, precisa manter a simpatia, presteza, limpeza e discrição.

Manhã de sábado, sete da matina. Não há nada mais brasileiro do que uma turma alegre reunida num dia de sol pra bater laje num bairro de periferia.

Como numa dança bem ritmada o pequeno exército vai passando de mão em mão os baldes com o grosso caldo que vai tirar mais uma família do aluguel.

Às vezes sob a liderança de um único joão-de-barro a turma de voluntários organiza a revoada para auxiliar uma viúva, um idoso ou qualquer amigo que precisar. Batendo lajes ou construindo muros, erguem a casa e o moral, ao mesmo tempo.

Se do alicerce ao telhado o pedreiro tem carta branca pra transitar, basta a obra ficar pronta para ser muitas vezes, ele mesmo, proibido de entrar.

Antes do médico ou enfermeira, é ele quem chega ao hospital. Lança o alicerce, levanta as paredes, bate a laje. Antes do professor, ele freqüenta a escola. Embolsa as paredes, assenta o piso, fixa o quadro no lugar.

No local onde tantas vezes se sentou com a marmita entre as mãos e sonhou com um futuro melhor, seu filho não pode agora sentar-se para estudar. E assim que a porta se fecha, deixa de fora o profissional que a assentou...

Apesar dos pesares, tem gente disposta a vencer barreiras para entrar nessa luta. Numa profissão considerada um verdadeiro Clube do Bolinha, já tem menina se preparando pra entrar.

No Ceará, por exemplo, dezenas delas que antes se dedicavam à cozinha estão trocando a colher de sopa pela de pedreiro, se preparando para conquistar uma fatia de bolo neste mercado.

Faça chuva ou faça sol, lá vão eles – ou elas – construindo, reformando e edificando. Fazendo deste país um lugar melhor pra se viver e se morar.

Para que possam conquistar seu próprio espaço num mundo que eles mesmos construíram, levanto essa bandeira. Pois há palavras que têm o dom de perdurar tanto quanto uma obra bem feita.

A cada palavra dita a seu tempo, e a cada tijolo bem assentado - fica um quê de eternidade...


 


 

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