Cinzas de amor na tela fria
Digitar essas letrinhas nessa tela fria faz perder a sensação artesanal do risco, do rabisco do deslise, da caneta esferográfica, do carbono do grafite no atrito com papel. Papel macio, papel áspero, papel de pão. Papelão da caixa de sapato. A seda do interior do tênis novo...Mas esse bloco de notas virtual, desse rascunho tecnologicamente improvisado, preserva-se as árvores e fica na memória o som de amassar e arremessar páginas e páginas de papel pelo piso do quarto. Talvez se perca uma parte das funções cognitivas, enfraqueça a criatividade, mas encurta o tempo de envio, da cola do selo, do correr, do desespero, das taxas de envio do correio e do carteiro. Mr. Postman, please send this letter for her. Please. Evita-se até as paródias.
Mas essa tela fria preserva um amor queimado, incendiado. Armazena a cinza de um amor lançado no grand canyon di mi coracion. Deixa-lo ir e voar, ou se despedaçar por completo, se dissipar, se calar. O amor morre e fica a saudade, e nesse papel virtual fica o nada que restou.
Desesperançado? Talvez, é que a fila de espera da clínica é longa e a minha pressão arterial está 140 e 80 milímetros do mercúrio. Nada preocupante. Morre o amor, o coração sobrevive.