AOS LEITORES



Querido leitor:

São horas de te reverenciar no átrio da minha pequena escrivaninha. Tens sido de uma constância tão espontânea e tão pura ao visitá-la, que preciso libertar-me do medo de parecer ufano da obra, e vir reconhecidamente cumprimentar-te assim mais próximo. E não seria outro o momento mais propício, senão neste tão próximo da ausência, quando mais de quatro anos marcam minha presença aqui. Não se pagam gentilezas com descortesias e eu sou instintivamente grato e consciente.

Se meus escritos tiveram boa fortuna de te agradar, isso encheu-me sempre de júbilo. Escrevo para ti desde que comecei, sem te lisonjear, evidentemente, mas também sem ser insensível às tuas reações. Fazemos parte do presente temporal e, quer queiras, quer não, do mesmo futuro intemporal. Agora, sofremos as vicissitudes que o momento nos impõe, irmanados na realidade cotidiana; mais tarde, seremos o pó da História, o exemplo promissor ou maldito, o pretérito que se cumpriu bem ou mal. Se eu hoje me esquecesse das tuas leituras, e tu das minhas, seríamos ambos traidores a uma solidariedade de berço, umbilical e cósmica; se amanhã não estivéssemos unidos nos fatos fundamentais que a posteridade há de considerar, estes anos decorridos ficariam sem qualquer significação, porque onde está ou tenha estado um escritor é preciso que esteja ou tenha estado um homem leitor e nele a humanidade.

Ligados assim para a vida e para a morte, foi bom, e não pelo acaso te fizeste gostar das letras e por elas haver chegado à literatura mediante a qual vieste a mim e eu a ti. Apostar literariamente no futuro é um belo jogo. Um jogo de quem já se predestinou a vencer no presente. Uma vitória sem perdedor, pois que é de todos a quem a poesia alcança. E para isso nos lançamos mutuamente no campo onde ela é a bandeira universal. Ora, eu sou teu irmão, nasci onde tu nasceste, e prefiro chegar ao juízo final contigo ao lado, na paz de uma fraternidade de raiz a entrar lá solitário como um lobo tresmalhado. Ninguém é feliz sozinho, nem mesmo na eternidade. De resto, algum poema que te agradou, tem algumas possibilidades de agradar aos teus netos, se assim me honrar a posteridade. E, se tal não acontecer, paciência: ficarei um pouco triste, mas sempre junto de ti, firme, na consolação simples e honrada de ter sido ao menos um homem do meu tempo.

És, pois, dono como eu destes textos, e, ao cumprimentar-te aqui na minha escrivaninha, nem pretendo sugerir-te que os leias com a luz da imaginação acesa, nem atrair o teu olhar para a penumbra de alguma simbologia. Isto não é comigo, porque nenhuma árvore explica os seus frutos, embora goste que lhes comam. Saúdo-te apenas nesta alegria natural, contente por ter construído uma ponte onde nossa condição se encontrou. Não me creio nem mais nem menos, pois não somos simplesmente quantidade. Isso me leva a reafirmar que escrevo pouco e publico menos. Mas o prazer de escrever não é menor do que o de ser lido e te ler também. Isto implica o mesmo cuidado e carinho para todos os gestos. Por isso prestigio os que me leem e, nas mesmas proporções, correspondo-os, sem contudo fazer disso a razão primeira de escrever e publicar. Tu, leitor, és o destinatário por via de quem minhas ideias alcançam um infinito, quando o meu pensamento já não me pertence e eu sou o que soa a palavra no teu entendimento.
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LordHermilioWerther
Enviado por LordHermilioWerther em 08/02/2013
Reeditado em 11/02/2013
Código do texto: T4130413
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