ENCANTA-ME O SEXO

Encantam-me, sobremaneira, alguns versículos que nem sempre são meditados com a profundidade do conhecer ou reconhecer um ensinamento de vida. De existência humana.

Livrando nos de qualquer conceito preconcebido leiamos com atenção os versículos que se seguem.

“Portanto, deixará o varão seu pai e sua mãe e
alegrar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne.
E ambos estavam nus , o homem e a sua mulher,
e não se envergonhavam"
“Gênesis 2.24-25.”

Estes versículos me induzem a ter uma visão de um ensinamento de cumplicidade, erotismo, entrega, prazer. Já tentei expressar com palavras o que sinto quando leio isso, mas sempre me foi impossível, porque isso não se escreve isso se vive, se aprende a dois.
Quando deixamos para traz pai e mãe, deixamos parcialmente alguns dos ensinamentos que eles nos deram com suas vivências e convivências nem sempre de grande valia para a vida a dois. Isso não é regra, mas uma realidade que homens e mulheres tendem a levar em si vida afora. O comportamento que não te pertence, que não te foi ensinado. Pai e Mãe criam filhos, não falam sobre suas relações sexuais com os filhos, exceto quando para reclamar do que foi falho no comportamento amoroso de um ou de outro. Pai e mãe, escolas de educação sexual sempre se limitam a conversa de como funciona o corpo. Menstruação, ereção, o engravidar são sempre assuntos abordados nos ensinamentos. Ninguém te ensina que na vida
- de dois - muitas coisas não são tão simplórias e desprovidas de sentimentos. Infelizmente só descobrimos isso muito tardiamente, quando os nossos passos nos levaram a beira de um precipício, de um ponto crucial. Só então começamos a meditar sobre os nossos impulsos e nossas transformações físicas, nossos sentimentos de satisfação do Eu com o Outro, do Nós. Da limitação dos corpos, do envelhecimento de corpos, mas não de sentimentos.

Quero enfocar nessa abordagem o sexo como ponto de convivência interativa, harmoniosa, de entrega. Esse homem nu, essa mulher nua, que não se envergonhavam, deve ser o nosso ponto de partida. Como mulher posso dizer que nosso desnudar nem sempre é fácil. Somos calcadas por imagens que nossa cultura nos impôs, a de ser bela no padrão estético do momento. Isso é cultura assimilada, a ditadura da beleza. Nunca nos vemos como as atraentes mulheres de Botero, ou as mulheres nuas da pintura de Miguelangelo, com corpos volumosos, cheio de curvas não tão afiladas. Em nosso consciente reina a ordem errônea que o homem é quem julga a minha beleza física, meu poder de sedução. Sendo ou não meu corpo rijo, flácido, magro, gordo, corpo é corpo e não se pode dele se excluir nem dele se livrar quando nos entregamos ao encontro amoroso, sexual. Então, tirar proveito de todo ele, do explorar todo ele, de enxergar todo ele como desejável é papel que te cabe tão somente. Ao trazer essa visão e a mesma exploração no corpo do companheiro, aceitando aquela barriguinha proeminente, os cabelos grisalhos, a flacidez inevitável da pele, o afrouxar da musculatura, o corpo vivido experimentado, marcado com as suas vivências como se fosse ali um universo completamente desconhecido - a cada dia - que necessita ser entendido, apalpado, acolhido e acariciado, faz com que a união carnal seja mais que carnal. O encontro sexual dessa descoberta se faz como num jogo silencioso ou com suspiros involuntários; como se fosse a dança dos sete véus que pouco a pouco vai te envolvendo, te desnudando, te conduzindo a um estado de entrega, de “desvergonhamento”, de apetite pelo outro ser como se ele fosse parte da sua carne e a junção dessas duas carne se faça no momento do já não se saber onde está seu corpo ou o corpo do outro. É um amar mútuo, delicioso, de sublime momento, onde não importa passado, futuro, é só presente. É um dando-se ao outro como que a si mesmo amando.

Já não importa que meu seio esteja caído ou mutilado por uma cirurgia de câncer de mama, já não importa porque nesse momento não é só corpo que se vê e que te fascina. É o envolvimento daquele ato de entrega. Nada mais se ouve do lá fora, do que a vida não nos ensinou, do que falaram ou não nossos pais, a igreja, a sociedade. Não é selvageria, é como se estar novamente num Jardim do Éden onde em estado natural somos mais que cultura; somos dois seres se fazendo uma carne.

É pensamento meu que não devemos utilizar “fragmentos” da Bíblia para utilizarmos tal trecho sob uma ótica – contextualização, como queiram – de forma que convém a quem escreve ou a quem lê. É a dita interpretação literal das palavras frias. Assunto controverso e de acaloradas discussões teológicas. Creio também que devemos tomar em conta quando utilizamos algum versículo isolado o conjunto harmonioso da obra completa do autor - ou autores como queiram - para não trazermos aqui o ranço Fundamentalista, carregado de divisões e facções. Coisa que abomino. Cada um sabe de si e eu só sei o que vivo. Então peço a quem este ler, retorne ao texto bíblico citado, viva-o e siga-o como um ensinamento.

Gostaria imensamente que o ler desse texto não seja vergonha ou só um prazer para quem o lê, mas que seja um ato de reflexão, e que dela brote em cada leitor uma poesia da vida: a vida com e para aquele alguém que se quer para si como um só Ser. Como tudo que foi escrito não pode ser, tão somente, poeticamente descrito não faço poesia, faço um apontamento. Pois o sexo e o viver são tão sublimes que indescritível se fazem.

UMA SÓ CARNE

Homem
Mulher
União perfeita.
Um universo.
Entrega.
Descoberta.
Interação.
Sem vergonha.
Sem medo.
Sem limites.
Sem pré-conceitos.
Sem as armaduras.
Sem passado.
Sem futuro.
Um presente para dois.