O PERIGO DE JÁ NÃO SER.

Gn. 5:24 “ Andou Enoque com Deus; e já não era, porque Deus para si o tomou.”

Certa vez, eu estava tendo comunhão com um irmão chamado Enoque. Alguns o chamavam de Pr. Enoque. Contudo, o Pr. Enoque não tinha mais um rebanho. E pastor é todo aquele que cuida de um rebanho. Tem gente que cuida de rebanho e não tem o título de pastor. E tem pastor que tem o título e não tem o rebanho.

Na verdade, o título nada é. Quem é pastor, é pastor porque Deus conferiu a ele um rebanho e não porque os homens lhe deram o título. E quem não é pastor, não é, não importa o título que receba.

E o irmão Enoque, já velho, de cabeça branquinha, estava consciente disso. Era e é um homem de Deus. Contudo, ele tinha umas crises de saudosismo. E sempre que eu ia à casa dele para ter comunhão, percebia isso.

Percebia também o quanto ele estava inseguro no ambiente religioso: em alguns cultos, ele subia ao púlpito para ficar ali, meio deslocado. Outras vezes, ele se assentava no meio do povo, sem nenhuma distinção. Havia dentro dele uma divisão: um lado queria ser alguma coisa, e o outro lado sabia que a salvação estava em ser o nada que Deus queria que ele fosse.

Era-lhe doloroso lembrar que um dia fora um contador num grande banco, depois sindicalista, e que depois Deus o separara pra cuidar de um rebanho e que, naquele momento da vida, ele não era mais nem uma coisa e nem a outra.

Ele estava compartilhando exatamente isso comigo, naquela visita que eu lhe fazia, e sua esposa estava ao seu lado, inquieta, ouvindo essa história mais uma vez. De repente, o Senhor Deus me inspirou e eu disse a ele o seguinte:

- “Irmão! Preste bem atenção no que eu vou falar agora: “ Enoque andou com Deus e já não era porque Deus para si o tomou.”

E prossegui:

- "Que alegria que o irmão já não é mais nada. Que alegria que o irmão não é mais bancário, não é sindicalista, não é pastor. Agora o irmão é aquele que já não era, e Deus pode tomá-lo para si da forma como bem entender."

Isso ilustra o que eu quero compartilhar com todos neste artigo: "Enoque andou com Deus e já não era.”

Quando andamos com Deus, corremos um grande risco: o risco de já não ser.

É uma coisa maravilhosa já não ser. Porque nós começamos a vida querendo ser muitas coisas até descobrirmos que tudo na vida é vaidade.

Você é médico? Sinto muito, é vaidade! É dentista? É vaidade! É juiz de direito? É vaidade! Observe que eu escolhi pra mencionar as profissões mais cobiçadas. Tudo é vaidade!

Quando nos convertemos ao Deus Vivo, percebemos isso. Mas depois que nos convertemos, só muda o tipo de vaidade: queremos ser ainda muitas coisas na obra de Deus, coisas que continuam sendo vaidade.

Isso acontece por falta de conhecimento do que é o cristianismo. Cristianismo é um relacionamento íntimo com uma pessoa: Jesus Cristo. Cristianismo não é nada mais do que isso, e nada menos do que isso.Cristianismo implica um conhecimento pessoal de Deus, por meio de Jesus Cristo.

Quando conhecemos Jesus Cristo de maneira pessoal, vamos nos despojando de toda vaidade religiosa e nos moldando ao propósito eterno de Deus.

Há cerca de alguns anos atrás eu já sabia disso. Eu já havia passado por todo esse processo de perceber que a vida religiosa pode ser uma vaidade e achava que estava muito bem em minha casa, guardada dessa vaidade. Sempre que visitava uma igreja, eu recebia a Palavra, mas também podia perceber a vaidade humana mesclada na vida dos servos de Deus. Então protelava o momento de voltar plenamente para a comunhão.

Eu sabia que não poderia ficar para sempre assim, mas Deus estava falando comigo e edificando a minha vida. Meu relacionamento com o Senhor Jesus não encolhera, pelo contrário, ele crescera.

Isso Deus fez comigo. Não recomendo a ninguém que tome esse caminho porque Deus teve um motivo para me levar comida na

caverna. Deus sabia que eu precisava de um tempo para estar a sós com ele. Não obstante, eu não estou aqui recomendando que façam isso. De maneira nenhuma. A vida da igreja é preciosa demais para ser ignorada.

Mas, naquele tempo, eu estava na caverna, como Elias, e o corvo me levava comida. A Bíblia era o corvo que me alimentava. Eu abria a Palavra e Deus falava. Eu comprava um livro e Deus falava. Muitas vezes, eu tinha que repousar o livro ou a Bíblia no peito, para erguer louvores a Deus por tudo que ele falava através daquelas páginas.

Durante esse tempo, Deus estava edificando a minha vida. Eu não fiquei em casa vendo televisão, ou gastando o meu tempo em reuniões sociais, eu não estava voltada para as coisas do mundo. Eu estava estudando a Palavra e assimilando a Palavra.

Mas o tempo foi passando e Deus começou a escassear o alimento espiritual. Eu abria a Bíblia e já não tinha revelação da Palavra. Comecei a ficar inquieta. Logo depois disso, eu vi claramente que Deus não precisa de cristãos individualistas. Deus precisa de filhos maduros que o expressem na igreja entre todos os seus filhos. Deus precisa de filhos maduros que levem outros filhos à maturidade.

Por essa época, Deus enviou em minha casa uma irmã de fé e ela, exercendo a sua autoridade espiritual, reconduziu-me ao ministério da Palavra.

O que ela falou, nessa ocasião, já tinha sido falado por Deus dentro do meu coração. Antes dela muitos falaram, mas o Espírito não havia falado comigo, a comida espiritual estava vindo e eu continuava da forma como estava. Um pouco por comodismo e muito por medo de enveredar pelo caminho da vaidade.

Mas nessa circunstância, eu já sabia pelo Espírito de Deus, que era para sair da caverna e para sair logo. Então saí, por causa do propósito de Deus.

Qual é o propósito eterno de Deus? É a igreja. Por igreja se entenda o conjunto de pessoas salvas do passado, do presente e do futuro, pessoas que são salvas- não porque estão numa denominação- mas porque têm a vida de Deus.

Há três aspectos principais no plano eterno de Deus para a Igreja: em primeiro lugar, é a igreja que tem a filiação para expressar Deus; em segundo lugar é por meio da igreja que Cristo irá encabeçar todas as coisas; em terceiro lugar, é por Cristo encabeçar a igreja, que Satanás pode ser derrotado.

Primeiro, temos a filiação, depois, a edificação, e depois vem o reino. Isso é o que importa na vida de um cristão: Quanto você adquiriu da natureza do seu Pai para expressá-lo. Essa é a primeira questão que escapa de toda vaidade religiosa.

Não é quantos títulos tem, não é quantas vezes pregou, não é quantos cargos já ocupou na diretoria; não é quantos cultos assistiu, não é quantas pessoas ajudou, não é quantas funções desempenhou, não é quanto é conhecido no meio religioso, não é em que lugar se assenta- se no púlpito, ou no último banco- não é quantos elogios recebe, ou deixa de receber.Todas essas coisas são vaidade. Podem não ser vaidade, do ponto de vista de Deus, que precisa de homens dons, para ministrar à sua igreja. Mas do ponto de vista humano essas coisas podem envolver muita vaidade.

O plano de Deus é que a Igreja ganhe plenamente a sua vida. Se alguém ocupa uma função de importância no corpo, se é pastor, é presbítero, é diácono, é evangelista, é ministro de louvor e tem a vida de Deus, isso está de acordo com o propósito de Deus. Mas se alguém tem qualquer dessas funções e não tem a vida de Deus desenvolvida dentro dele, isso nada é.

Em segundo lugar, é por meio da igreja que Cristo irá encabeçar todas as coisas. Essa segunda questão diz respeito à edificação. A filiação não é apenas o nascimento da vida, mas o crescimento da vida até a maturidade. Isso significa que Deus tem de trabalhar-se em nós e fazer de nós não apenas seus filhos, mas também seus herdeiros para herdar tudo o que ele é, e tudo o que ele tem.

Nenhum pai dá posse da herança ao filho sem que ele seja declarado maior de idade, isto é, sem que ele esteja maduro para decidir o que fazer com o patrimônio que herdou.

Filhos maduros significam filhos que aceitam o senhorio de Jesus Cristo e não se deixam levar ao redor por todo vento de doutrina.

A Igreja hoje tem sido seduzida por todo vento de doutrina e não se confere se tais coisas estão de acordo com a Palavra de Deus. Olha o que disse o apóstolo Paulo acerca disso:

Efésios 4: 11-14“ E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, para que não sejamos mais como meninos, agitados de um lado para o outro, e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro.”

E como fazer para escapar da sedução desse cristianismo contaminado pelo adubo do homem? Amadurecendo. Cristãos maduros são aqueles que receberam e desenvolveram plenamente a vida de Deus.

Há duas maneiras de desenvolver plenamente a vida de Deus: recebendo a instrução segundo a palavra de Deus, aprendendo a doutrina segundo a Palavra de Deus, Palavra essa que nos guarda de toda heresia; e em segundo lugar, permitindo que Deus opere nas circunstâncias ao nosso redor.

Romanos 8:28 “todas as coisas conjuntamente cooperam para o bem daquele que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.”

Deus opera nas circunstâncias para nos fazer amadurecer. Uma criança mimada, que recebe tudo o que pede, não cresce. Há situações em que nosso Pai precisa nos restringir.Quanto mais uma pessoa tem a vida e a expressão de Deus, mais ela é restringida em seus caminhos. Não é assim? Os que não têm compromisso com Deus podem fazer tudo, mas os servos de Deus não podem fazer nada. “Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém.”

A edificação vem pelo trabalhar de Deus. Deus trabalha em nossa vida dispondo soberanamente circunstâncias adequadas para o nosso crescimento espiritual.

Em outras palavras, Deus trabalha em nossa vida pela cruz. Cada um de nós recebemos uma cruz infinitamente menor do que a cruz de Cristo. Essa cruz não nos salva, mas nos edifica, nos prepara para sermos cristãos maduros sob o encabeçamento de Cristo.

Cristão imaturo é como aquele burro que ainda não foi domado. Quando vem uma carga sobre ele, a primeira reação é escoicear para rejeitar a carga. Cristão maduro recebe a carga sem murmurar. Ele sabe que pode dividir essa carga com Cristo.

Primeiro vem a questão da vida e depois a edificação.

Quantos de nós sabemos que pertencemos a um reino e que esse reino tem um rei que precisa reinar sobre todas as coisas?

Isso é o encabeçamento.

A igreja é formada pelos filhos que receberam a vida de Deus; a igreja é madura quando os filhos são tratados soberanamente por Deus até o ponto de aceitar a sua cruz subjetiva; e, a igreja reina quando todo o corpo se submete ao encabeçamento de Cristo.

Efésios 1: 22-23: “ E pôs todas as cousas debaixo dos seus pés e para ser o cabeça sobre todas as coisas o deu à igreja, a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas.”

Primeiro recebe-se a filiação, depois a substantificação da cruz, o tratamento da parte de Deus que torna um filho maduro e por último, esse amadurecimento permite que Cristo encabece todas as coisas e Satanás é derrotado.De que forma Satanás é derrotado? Primeiro na nossa vida pessoal, e depois coletivamente na igreja. É dessa forma que Deus consegue fazer com que a sua multiforme sabedoria seja conhecida dos principados e potestades, nos lugares celestiais.

Isso só pode acontecer através da igreja. A Igreja é o corpo de Cristo. Somos o corpo de Cristo e individualmente somos membros uns dos outros. A membresia é uma realidade. Nós não estamos desconectados, estamos ligados pelo Cabeça.

Aquele que tem um dom, deve usar o seu dom. Todos temos um dom. Pelo menos um. Foi à igreja que ele concedeu dons com vistas à edificação do corpo. Os dons não são dados para que um irmão apareça mais do que o outro, mas para que o corpo seja edificado.

Foi por isso que, um certo dia, Deus parou de me trazer revelação na Palavra. Para quê Deus iria continuar dando-me uma palavra de sabedoria se eu não usava essa palavra para a edificação do corpo? Porém, quando eu voltei a ministrar, também voltei a receber alimento espiritual porque agora não era mais para minha exclusividade, mas para compartilhar com a Igreja que é o seu corpo.

A Igreja é o seu corpo, o corpo de Cristo. Cada um de nós temos que cuidar bem do corpo.Quando não há edificação conjunta há individualismo. Todo individualismo é pecado. Foi isso que eu vi e por isso voltei a assumir a minha função no corpo.

Por individualismo entenda-se aquele irmãozinho tímido que não participa de nada, que não percebe que ele é um membro do corpo e que a sua falta, faz falta. Como um corpo sem um braço, ou uma mão sem um dedo, cada um de nós, por pequena que seja, temos uma função dentro do corpo.

Mas por individualismo também entendemos aquele irmão que de tão importante, mas tão importante, virou uma pedra decorativa que não se deixa edificar juntamente com os outros.

A igreja é comparada a um edifício. Um edifício não é feito de pedras amontoadas, mas de pedras edificadas conjuntamente. Um edifício não é feito de pedras decorativas mas de pedras amalgamadas umas às outras.

Nesta mensagem eu vim dizer muitas coisas. Mas a mais importante delas é que “Enoque andou com Deus e já não era.” Enquanto pensarmos que somos alguma coisa, é porque não estamos andando com Deus.