O PUXÃO DE ORELHAS

 

Por Francisco de Assis Lima

Em junho de 1944, com aproximadamente sete anos, minha mãe fez uma roupa nova pra mim. Era festa do padroeiro.

Os freis franciscanos, Serafim e Gregório celebravam com a comunidade os festejos de Santo Antônio. E como não dispunham de palanque, fizeram de uma mesa seu púlpito.

Durante o sermão, postei-me ali debaixo a arremedar os gestos de Frei Serafim.

Fiz-me estátua viva, gesticulava, fazia mímicas e repetia seus movimentos, abrindo e fechando a boca com a mesma cadência das palavras do Frei.

Em determinado momento, o pregador viu aquele pirralho, abaixou-se e deu-me um puxão de orelhas daqueles que o sujeito fica na ponta dos pés.

O pior ainda, é que minha irmã viu a cena e contou à minha mãe.

Pensei que fosse levar uma surra!

Mas mamãe agiu com serenidade e disse-me simplesmente:

“Amanhã cedinho, você vai se confessar ou conto tudo pro seu pai!”.

No dia seguinte, ensinou-me a oração do penitente e fui procurar o confessor.

Meu coração sofria uma inquietação medonha!

“Não vou confessar com Frei Serafim”.

Fiquei de espreita.

Frei Serafim estava no confessionário...

E se ele me reconhecer e me der um puxão de orelhas... uma sabatina...

Peguei a fila assim mesmo!

A fila era grande e o Frei já estava ali há algumas horas.

A contrição de meu pecado, se é que foi pecado, veio mesmo antes da confissão, só de pensar que teria de acusar-me de ser o menino que estivera arremedando o sermão do padre...

Pensar nisso, já era um grande flagelo para minha pequena alma, mas estava lá para penitenciar-me. Talvez até rezando no silêncio interior, para Frei Gregório chegar e assumir o lugar do outro.

Por sorte, em dado momento, Frei Serafim levantou-se, deu uma espreguiçada e caminhou em direção à porta.

Em seu lugar sentou-se Frei Gregório.

Confessei-me.

Mas...

Aquele “pecado” o menino não confessou de viva voz.

Fiquei com a consciência pesada por longo tempo até entender que meu pecado era público, não precisava confessar, todos viram.

Era meu castigo.

Tinha recebido meu castigo no julgar do olhar humano.

Muitos olhares de repreensão, com certeza!

E assim, redimido, fiz minha primeira comunhão com Deus e tirei uma grande lição:

Muitas vezes para nos aproximarmos de Deus, precisamos levar primeiro um puxão de orelha.

SILVA, Francisco de Assis; LIMA,Adalberto. O Brasil nosso de cada dia.