CONTRADIÇÕES

Ela habita a casa em que moro,

e ali não sou a senhora.

Se desejo galinha à cabidela

Ela cozinha caranguejos,

e os devorarei alegremente.

Aprontou versões perigosas de mim,

traduções estranhas nas quais me espantei,

sofri e morri muitas vezes,

mas agradeço, pois, me fizeram ampla.

De uma vida juntas,

comendo sal na mesma gamela,

mútuas descobertas,

de nós duas quem envelhece sou eu,

Ela permanece uma menina.

Agora, fluindo em mim torna-se pintora,

aprecia minhas mãos, me sopra aos ouvidos:

_ Mãos que fazem coisas,

manejam pincéis, desenham esboços

e palavras, plantam orquídeas,

e penteiam crianças,

cozinha e tira a poeira dos móveis,

de quando em quando.

Quem trabalha sou eu,

Ela brilha em meus olhos

faz leve meu coração

e eu que tanto me assustei

já quase não me assusto,

Ela chega a me fazer rir de mim,

quando percebo que a tenho aliada.