REFÚGIO NA PALAVRA
Comecei a escrever umas estórias,
depoimentos quebrados,
coisas sem sentido,
como quem costura o vento
com linha de silêncio.
Refugiei-me
nas frestas do verbo,
onde o mundo não grita
e a alma pode cochichar
com a página em branco.
Mas logo enjoei do que escrevia:
as frases, tão minhas,
soavam rasas diante
da vastidão da língua,
que me empresta sua pele
sem jamais me dar o osso.
Percebi, enfim,
que essa língua,
essa mata encantada,
é grande demais para as mãos
que mal aprendem a adentrá-la.
Então calei.
Não por desistência,
mas por reverência.
Dispus-me a ler outros mais:
aqueles que andam de mãos dadas
com os abismos do sentido,
e que, no escuro,
ainda acendem palavras
como quem acende estrelas.