A missionária
A gente se conheceu no samba lá da Rua dos Bancários, no centro de São Paulo.
Ela, uma missionária que percorria o mundo em busca de corpos dispostos a doar um pedaço de si aos miseráveis da África Subsaariana.
Eu, um parvo — sempre apaixonado. Minha mãe sempre disse que é muito fácil me enganar.
Tomamos conhaque de uva. Ela me seduziu com suas histórias e gestos delineados. Será que também estava apaixonada por mim?
Fomos a um motel ali perto, na Rua Guanabara.
Nos devoramos inteiros. Lambi seus dentes, suguei sua língua, e a possuí com fervor e sussurros. Ficamos exaustos.
Adormeci primeiro. Sonhei que nadava em um lago congelado, até perder as forças e não poder mais respirar.
Acordei com uma dor lancinante.
Ela cumprira exatamente o que dissera: cortou-me como só uma notável cirurgiã poderia — e levou um de meus rins.
Era uma troca? Sim.
Escreveu com batom no espelho do banheiro:
“Noite inesquecível. Levo um pedaço de você, mas deixo algo de mim — uma recordação de nosso beijo.”
Ela deixou um dente na pia.