Trigésimo oitavo contopoesia ou Karina, uma estória real

Ele chegou todo de branco, aflito, angustiado. Pelo telefone só lhe disseram que era urgente e que sua filha, sua primeira filha estava muito mal. Ela tinha só três dias de vida e permanecia na U.T. I. neonatal, em estado grave, com dispneia constante, cianose discreta e o coração fraquejava. Logo ao chegar ele viu que os colegas estavam fazendo manobras de ressuscitação cardíaca (ele pensou: é a quinta parada). Ele se aproximou e a médica chefe, se dirigiu até ele pesarosa (ela não voltava : ele percebeu) e falou que ela já estava assim há 4 minutos e que era provável que já houvesse dano cerebral... Ele passou por ela, sem ouvir e continuou ele próprio, sozinho, a tentar salvar a filha. A colega se aproximou novamente e disse, de forma delicada e covarde, "agora é você quem decide, podemos desistir ou seguir tentando... essa é a terceira parada seguida dela... você decide!". Ele continuou até parar 5 minutos depois, abatido e derrotado. A colega, cheia de dedos, se aproximou novamente e foi protocolar garantindo que faria o Atestado de Óbito e guardaria o corpo até que ele providenciasse os papeis para o enterro. Ao sair da sala, aturdido, perdido em sua dor, uma pessoa que lado de fora assistiu a cena toda, um homem simples, sem estudo e sem diploma, também chorando, chegou perto dele com um filho pequeno no colo e o abraçou efusivamente. Era tudo que ele precisava.

P.S. : foi exatamente assim que aconteceu há quase 40 anos e Karina era o nome dessa minha filha.

Francisco Zebral
Enviado por Francisco Zebral em 03/11/2019
Código do texto: T6785970
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