Pra dizer: sonho.

Verborrágica, deitava a explicar pros amigos o que tinha no peito.

Os amigos riam.

De certa forma entendiam-lhe,

que qualquer pessoa está apta a compreender uma outra apaixonada,

basta lançar mão duma lembrança de tempos fortes;

todos temos ou já tivemos tempos fortes.

Os amigos cada um argumentava em favor de uma postura.

Vá com calma, sai dessa, vai de cabeça, tenha paciência.

A tudo já havia obedecido.

Não sei se ela precisava de sugestões.

Precisava significar,

precisava fazer caber em limites deslumbráveis:

por isso usava palavras.

Mas também as usava por falta de quê usar.

Não podia usar seu corpo,

não podia usar o corpo de ninguém.

Não podia usar lembranças.

O desafio da vida humana estava estampado nela:

a angústia inominável que assola qualquer pessoa em qualquer tempo,

determinado pela finitude da vida segundo alguns

ou pela amplidão da mesma segundo outros.

Mas pra ela tinha nome, endereço, voz, formato de rosto.

Pra ela tudo tinha palavra, significado, índice.

Um amor semiótico.

Não carecia que ninguém lhe explicasse nada,

nem carecia explicar nada.

Apenas precisava dizer,

porque dizer é uma forma litorânea de viver.

Dizer aquieta os poros da língua e amansa as fibras do peito,

além de relaxar os músculos involuntários da respiração

e de outros fenômenos que asseguram a vida.

De certa forma, pensou, é bom:

se não der em nada, dá em livro.

Despediu dos amigos.

Eles foram embora rindo dela, um pouco orgulhosos, um pouco mais leves.

Uma pessoa apaixonada é como um bebê na família, alegra a todos.

Mas chegou em casa séria.

A menina se fora, calara-se.

Deixara espaço apenas para um suspiro e uma firmeza incomum a meninas.

Deitou-se e desistiu das palavras:

aquilo que ela tinha não era de dizer, era de sonhar,

e dormiu torcendo para aquele preciso sonho gentilmente vir.