CARTAS NA MESA - XVIII Capítulo do romance
"OS PERCALÇOS DE UMA CONQUISTA"
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Aquele final de semana foi horrível para aqueles dois. A sensação angustiante da perda de um grande amor ficou mais evidente por ambos saberem que a partir da próxima segunda-feira, não se veriam mais no trabalho. Eles poderiam até negar por capricho, mas mesmo aborrecidos, era um alívio quando ambos se viam sob seus olhos. Mas, enquanto Leny amargava com antecedência a falta de companhia do rapaz na empresa, Osmar imaginava que o tempo que iria ficar longe da garota seria fundamental para esquecê-la de vez. Mas isso, ele tinha certeza que iria depender demais da força ou da fraqueza de seus sentimentos.

Apesar da agonia vivida pelos dois naquele momento conturbado, diferentemente de Leny que se sentiu completamente abandonada, Osmar conseguiu desviar seus pensamentos com outros problemas e a necessária atenção dispensada à sua família. O rapaz aproveitou aquele sábado e domingo para almoçar fora e passear com a mulher e suas filhas. As meninas adoraram e não deixaram o pai em paz que, como sempre, satisfez as suas vontades tanto nas idas às sorveterias das praças, como na Quinta da Boa Vista com seu trenzinho, Jardim Zoológico e brinquedos no parque. Osmar teria uma semana livre para se preparar para o novo emprego, entregar à imobiliária as chaves do imóvel emprestado pelo amigo e colocar as "cartas na mesa" das pessoas que estavam precisando de suas explicações para os assuntos mal resolvidos que ele deixou para trás. E, além das situações pouco esclarecidas com Leny e seus pais, ainda lhe surgiu agora, a Gleice no final do segundo tempo para bagunçar mais ainda a sua vida.
"Mas essa para me enrolar de vez!", pensou ele e continuou matutando: "Ela é mais uma sarna para me coçar". "Tenho que dar um jeito nisso também". "Apesar da sua insistência e de ter prometido o envolvimento, acho que não devo continuar lhe dando esperanças". "É mais uma pedra que terei que tirar de dentro do meu sapato". "Que trapalhada é essa meu Deus!"

 
Enquanto Osmar aproveitava o decorrer daquela semana para colocar sua agenda em dia e revisar suas matérias de prova, Leny não conseguia disfarçar seu desconforto quando se deparava com a mesa de Osmar vazia quando circulava pela sala dos analistas em seu trabalho. E quando mais os dias passavam, mas ela sentia falta do rapaz. Ela precisava saber de algo sobre ele, como estaria passando com a sua ausência e precisava desabafar com alguém. Chegou a pensar mais uma vez em Gleice, que já conhecia o seu drama com o rapaz e nunca deixou de escutá-la em outras confidências. Mas, desta vez, resolveu desistir por ser um rompimento mais conflituoso e por reconhecer que a grande amizade que a sua colega nutria por Osmar, poderia expor suas fraquezas diante daquele amor e atingir o seu orgulho que ela insistia em perpetuar.

Apesar da distância provocada pela falta de entendimentos e coerência, tanto Osmar, como Leny, não deixaram de frequentar as aulas por conta das provas finais. Foi um dos motivos, mas não o principal, que alimentou suas vontades de idas à faculdade. Chegaram até a provocar intimamente prováveis encontros em horários livres das matérias em sala e chegaram a se ver em duas ocasiões naquela quinta-feira. Mas, mesmo assim, o orgulho de ambos virou seus olhos para outras direções, à espera de um único alô ou um primeiro toque que, infelizmente, ficaram apenas na intenção.


No dia seguinte, na tarde daquela sexta-feira, sabendo de antemão da ausência de Leny por força do seu horário de trabalho, Osmar acionou a campainha da casa da garota e foi atendido por sua mãe Valdívia ao abrir a porta: - Oh! Que surpresa é essa Osmar? Entre por favor, e acomode-se na sala.

Osmar: - Muito obrigado D. Valdívia e desculpe-me chegar assim de repente e sem avisar. Mas preciso muito conversar com a senhora e com o seu João. Ele está em casa?
 
Valdívia: - Está sim. Acabou de almoçar e foi fazer a sua sesta, como sempre acontece antes de voltar para a sua oficina. Ele não tem passado muito bem de saúde. Desde quando se decepcionou com a gravidez de Leny causada por um homem casado, ele começou a ter palpitações e problemas com pressão alta. Por duas ocasiões tive que sair correndo com ele para emergências em hospitais. Logo ele que sempre teve uma saúde ferro.

Osmar: - Lamento muito D. Valdívia. Então vamos deixar que ele descanse. Não o interrompa. Não quero atrapalhar. Volto outro dia.

Valdívia: - Nada disso meu rapaz. Se você se preocupou em vir até aqui após tudo que aconteceu, deve ser por algo importante. Vou chamá-lo e, enquanto ele não desce do quarto, vou passar um café para vocês.

Meia hora depois, João apareceu na sala com cara de poucos amigos mas, com boa receptividade e ironia, cumprimentou aquela visita inesperada: - Boa tarde meu rapaz. A que devo esta ilustre visita?

Osmar: - Muito obrigado pela recepção e desculpa-me por interromper o seu descanso. Mas preciso conversar com vocês dois.

João: - Ainda temos algo para conversar? Pelo que estou sabendo, você e a Leny não estão mais juntos.

Osmar: - Exatamente. E quero deixar bem claro que a Leny nunca teve culpa de nada do que aconteceu. Durante a evolução do nosso caso, ela sempre demonstrou arrependimentos e remorsos por se envolver comigo, um homem casado, sendo uma jovem comprometida com namorado. A sua filha é uma moça maravilhosa e que adora e se preocupa com seus pais e seus irmãos.

Valdívia: - Mas mesmo assim, ela não deixou de mudar o seu destino. O seu casamento que já estava encaminhado com o Alexandre.

Osmar: - Mas eu também baguncei o meu destino D. Valdívia, envolvendo-me pela primeira vez com outra mulher após o meu casamento. Uma prova evidente que ninguém é dono de si e nem traça os seus destinos.

João: - Pra mim tudo isso é filosofia. Os dois erraram e erraram muito. Vocês não deveriam colocar em risco o sentimento de outras pessoas, como o da sua mulher e o do Alexandre.

Osmar: - Mas foi exatamente um sentimento que tumultuou tudo, prezado João. O maior sentimento do mundo e que chega de repente e sem avisar. Chega sem querer saber o que vai acontecer. Chega para derrubar barreiras e avançar sem medir as consequências. Este sentimento é o amor!

Valdívia: - É verdade. O coração não pensa...

Osmar: - Mas agora acabou e estou aqui para esclarecer. O nosso rompimento foi constrangedor e deixou muitas coisas no ar.

João: - Se estão no ar, devem ser dissipadas. E é isso que a gente deseja, principalmente para que nada de mal afete a nossa filha.

Osmar: - Eu também só desejo o seu bem porque ainda gosto muito dela. E não sei se vou conseguir esquecê-la totalmente em minha vida.

Valdívia: - Eu também não sei se ela vai conseguir esquecê-lo, mas estava na cara que este relacionamento não poderia dar certo. Você é um homem casado com mulher e duas filhas pequenas.

João: - E é para essa outra responsabilidade que você deve olhar meu rapaz. Cuide de sua família que é o melhor que você pode fazer.

Osmar: - E foi certamente por esse motivo seu João, a sua cobrança pela minha responsabilidade naquela minha última visita, que tanto eu como Leny, resolvemos acabar com tudo e seguir ao lado das nossas famílias. Quero agradecer por abrir os meus olhos e, quem sabe, os delas também.

Valdívia: - É o melhor caminho mesmo. O caminho de Deus e das coisas corretas.

Osmar: - Vocês me receberam em sua casa com boa receptividade quando Leny nos apresentou pela primeira vez, mesmo sabendo da minha condição familiar. E não poderia deixar de voltar aqui para esclarecer o nosso rompimento e deixar bem claro que o que senti e ainda sinto por ela é amor verdadeiro. Nunca tentei me aproveitar de qualquer situação ou carências da Leny e sempre demonstrei isso pelo carinho e amparo que lhe dediquei.

Valdívia: - A gente sabe disso meu rapaz e talvez seja por isso que ela se envolveu tanto com você, a ponto de não ouvir os nossos conselhos contra esse tipo de relação. Não se culpe.

Osmar: - Mas essa relação deixou frutos D. Valdívia. E citando ainda a responsabilidade cobrada por seu marido, não posso deixar de preocupar-me com o estado de Leny e da criança, apesar dela não reconhecer a minha paternidade.

João: - Epa! Espera aí! O que está insinuando? O que você acha que a minha filha anda fazendo?

Osmar: - Quanto a isso, nem levei em conta. Assim como ela, tenho certeza de ser o pai da criança, mesmo dizendo-me o contrário. E acredito que ela estava muito magoada quando ameaçou não me deixar cuidar da criança. Não estou aqui para fazer queixas da Leny, porque eu compreendo que ela tem todo o direito de tomar suas decisões, mas não pode me excluir desse compromisso.

Valdívia: - Mas isso é birra de adolescente apaixonada meu rapaz. Fique tranquilo que isso se resolve. Ninguém conhece melhor a minha filha como eu.

Osmar: - Assim espero D. Valdívia. Se o filho é meu, o registro, os cuidados e a criação terão que voltar pra mim. E eu estou pronto. Preciso e quero acompanhar a gestação de Leny, esperando que ela não recuse a minha ajuda e a minha presença.

João: - Você com sua atitude e palavras, só está demonstrando dignidade de caráter. Pena que só tenha reparado isso muito tarde e lhe causado alguns transtornos com a minha ignorância e mau humor. Desculpe-me pelos momentos tumultuados que lhe causei e tenha certeza da nossa ajuda para tentar demover Leny dessa ideia maluca de rejeitá-lo com relação à criança.

Osmar: - Nada a se desculpar seu João. Muito embora possa não parecer, eu sempre compreendi e admirei o seu papel de pai dedicado. O senhor é um exemplo pra mim, por eu nunca ter a felicidade da presença de um pai em minha vida.

Valdívia: - Talvez seja por isso que você tenha dado preferência à sua família. Sabe da sua importância.

Osmar: - Verdade... Também tenho filhas e sei muito bem o que significa o abandono de um pai. Mas agora preciso ir. Estou mudando de emprego e, depois das minhas provas de final de ano, devo ficar fora da cidade por algum tempo. Aqui está o cartão de visitas da nova empresa com os números de telefones que podem me contatar. Não deixem de me procurar, por favor. Quero saber de tudo sobre a gestação da Leny. Vou deixar a poeira baixar para tentar nova aproximação com ela, mas sem qualquer envolvimento maior. Será preciso que a gente se entenda.

João: - Muito bem meu rapaz. A gente não vai se distanciar, mesmo porque você será o pai do nosso neto. Felicidades para você.

Osmar se despediu daquele respeitável casal e, ao acionar o seu carro, sentiu-se aliviado por ter sido bem sucedido com as "cartas na mesa" colocadas a contento naquela primeira empreitada. Mas o seu objetivo de conciliar as coisas ainda não terminara e ele ainda precisava jogar outras "cartas na mesa". E a mesa da vez era a de Leny, que o deixara magoado no último encontro com duras afirmações sobre a paternidade de seu filho.

E essa carta chegou à mesa de trabalho da moça quase uma semana após ele ter estado na casa de seus pais. E no sentido mais amplo da palavra, Osmar resolveu se expressar através de letras, palavras e frases manuscritas que foram colocadas em papel envelopado com destinatário e devidamente entregue pelos Correios. Leny recebeu o envelope que, por motivos óbvios de privacidade, não havia indicação de remetente. Ao abrí-lo com ansiedade, correu os olhos sobre aquelas linhas, admirando-se com a grande surpresa que fez com que ela relesse várias vezes aquela missiva. Aqui está o que a moça leu:


"Prezadíssima Leny,

Quando receber esta carta, você já estará sabendo de tudo que conversei com os seus pais. Foi uma decisão que tomei para esclarecer certas situações e deixar bem claro para eles, a minha posição com relação à criança que você está esperando. Talvez você não saiba, mas nunca fugi de minhas responsabilidades por mais duras que elas possam ser. Por causa disso e principalmente por você, não posso deixar de assumir e tentar resolver todas as complicações geradas por meus atos. E a minha visita a seus pais não foi só por isso. Ela também foi bastante incentivada por não acreditar em nenhuma vírgula do que você falou a respeito da paternidade dessa criança que vai nascer.

Quanto a isso eu não tenho qualquer dúvida, porque eu lhe conheço muito bem e não sou nenhum inocente para acreditar em tamanho absurdo. A gente se envolveu de tal maneira, que nunca conseguiremos enganar um ao outro ou esconder verdades com subterfúgios sem fundamento. Nossas confidências e prazerosos momentos que passamos juntos excluem qualquer tentativa de mascarar a verdade. E a verdade é uma só: essa criança é fruto de um grande amor que se acomodou em nossos corações. O mesmo grande amor que ainda sinto por você.

Não foi a primeira vez e nem sei se será a última que a gente se aborrece e termina a relação. Mas, desta vez, o rompimento me parece mais sério porque vem trazendo outras situações bem diferentes daqui pra frente. Já deixamos de nos ver no trabalho e não vai demorar muito para acontecer o mesmo na faculdade após a minha formatura. Além disso, vou passar um bom tempo fora da cidade por força do meu novo emprego que dificultará uma possível e desejada reaproximação. Mas, mesmo assim, não sei se vou conseguir esquecê-la, apesar de considerar essa possibilidade por estar longe de você. Mas tenho que reconhecer, também, que somente essa ausência poderá comprovar definitivamente se o nosso amor é tão forte e verdadeiro como parece.

A minha preocupação é muito grande por você e fico entristecido por não poder compartilhar da sua gestação por esse tempo que estarei fora do circuito. Mas deixei com seus pais, meus números de telefones aonde você pode me localizar aqui na Acesita. Não deixe de fazer isso quando quiser ou precisar, porque será uma grande alegria para mim. Mesmo porque a gente sempre encontra uma maneira de encontrar a quem se ama, não é mesmo? E só espero que, se acontecer, esse encontro seja motivado por você confirmar que eu sou realmente o pai do seu filho.


Seria maravilhoso, porque esta é a condição fundamental para colocarmos tudo em pratos limpos e o seu silêncio só aumentará minhas dúvidas e vai fazer crescer cada vez mais o esquecimento. Pense bem nisso e não me culpe se a sua reação não for a que estou esperando. Resumindo: apesar de acreditar na minha paternidade, preciso ouvir da sua boca que o filho é meu. É questão de honra e dignidade essa comprovação para mim. Portanto, só você pode decidir o que eu posso fazer daqui pra frente com relação à criança.

Por considerar, no entanto, que o seu silêncio pode nos levar para outro caminho e indicar o fim definitivo de tudo, eu resolvi lhe entregar esta outra lembrança na forma de que mais gosto:
A POESIA. E aqui está este poema em sua homenagem, retratando fielmente a nossa história. Curte-a e guarde-a com carinho. Ei-la:

"LENY...

Estava sossegado no meu canto,
Levando a vida sem desencanto,
Quando de repente chega você.
Apareceu assim quase do nada,
Muito singela e despreocupada,
Sem dar na pinta de me querer.

O tempo correu como não podia,
Surpreendendo o meu dia-a-dia,
Com o seu jeito doce de menina.
A sua voz melosa de quero mais,
E os seus cabelos tão desiguais,
Deram a partida na minha sina.

Seu andar empinado e maneiro,
Seu sorriso branco e altaneiro,
Não escondiam a sua presença.
Aos poucos senti você mudando,
Pedindo ajuda e me procurando,
Sem qualquer ar de indiferença.


A rotina nos colocou mais perto,
Sem pensar no errado ou certo,
Quando a carência nos chamava.
A atração chegou logo pra ficar,
Ao pedir beijos com o seu olhar,
Quando a gente tanto se amava.

O nosso aconchego virou paixão.
Com loucuras de pulsar coração,
Na vontade de se dar e receber.
A gente curtiu tudo que se deu,
Com sol, luz e estrelas se viveu,
Nos momentos de muito prazer.

Entre idas e vindas veio o fruto,

Que agora você diz e eu escuto,
Não ter vindo de mim a semente.
O seu orgulho traz infelicidades,
Quando você esconde a verdade,
E não confessa aquilo que mente.

E enquanto a gente se distancia,
Esfriando o amor que se sentia,
A tristeza vai tomar o seu lugar.
Mas basta olvidar o brio ferido,
Se animar com o perdão pedido,
Para a nossa história recomeçar."

Beijos carinhosos,
Osmar.


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Osmar já estava envolvido com o trabalho na sua nova empresa Acesita, mas ele ainda precisava acertar os ponteiros com a Gleice. Desde a última vez que ele esteve em seu apartamento, quase vinte dias atrás, ele não a procurou como havia prometido. Ele precisava então, colocar outras "cartas na mesa" para poder dar prosseguimento à sua vida profissional com mais tranquilidade. Mas ele já sabia de antemão, que não seria fácil se livrar da Gleice, a quem encheu de esperanças com suas promessas de namoro. Ela era uma moça bonita e envolvente que faria de tudo para não deixar escapar algo que nunca esteve tão perto de si. Mas...

Após se acertar com Osmar ao atender em sua casa o telefonema do rapaz na noite anterior, Gleice não escondeu a ansiedade e a alegria por encontrá-lo após o expediente naquele restaurante no centro da cidade. O local, bastante acolhedor, era bem próximo aos endereços de trabalho dos dois e parecia ter sido escolhido a dedo por Osmar para agradar a moça. Tratava-se da Toca de Oxalá, conhecido e tradicional ponto de degustação na Cinelândia, concorrido que era por oferecer pratos típicos da gastronomia baiana, nordestina e principalmente de frutos do mar, uma especialidade da casa.

Após um longo abraço e troca de beijos nas faces ao se encontrarem na porta do restaurante, os dois adentraram e se acomodaram diante da mesa mais afastada das demais, num dos cantos laterais do ambiente. Gleice mostrava-se feliz e sorridente com a presença do rapaz e quis saber logo das novidades ao abrir o diálogo:
- Como está você meu querido, no novo emprego?

- Ainda estou tomando pé da situação, respondeu Osmar, complementando: - Já verifiquei que há necessidade de algumas mudanças para se chegar aos resultados esperados. A empresa me concedeu autonomia e deixou-me bem à vontade para gerenciar a administração do escritório visando à busca de objetivos. Estou muito animado e esperançoso pelo incentivo e condições positivas que venho recebendo de meus superiores.

- É mais um desafio que você está enfrentando e, se lhe conheço bem, será vencido com méritos.
Rebateu Gleice tentando encorajá-lo.

- Mas eu gosto disso, porque mudanças me fazem sair da rotina e me trazem novas perspectivas. O trabalho vai ser demorado e desgastante, por causa de algumas mexidas de pessoal que vou ter que fazer.

- Tenha cuidado com isso meu amor, porque muitas pessoas não entendem e ficam magoadas por se sentirem prejudicadas.

- Eu sei disso, mas tenho que ver o meu lado profissional e agir de acordo com a minha consciência. Tenho que visar o melhor para a companhia e provar minha capacidade. Eles investiram em mim e não posso decepcioná-los.

- E você vai conseguir, tenho certeza. Estou aqui torcendo por você.

- Muito obrigado querida, a sua amizade é um presente que quero preservar para sempre. Mas conte-me as novidades. Como estão se virando lá na empresa sem mim?

- Ainda não chegou ninguém para substituí-lo e os seus processos foram redistribuídos, aumentando a carga de trabalho dos outros analistas. E você sabe muito bem como é aquele departamento que só funciona no limite e assoberbado de serviço. E quando falta alguém então, a coisa complica mais ainda...

- Verdade. A falta de pessoal sempre foi uma das causas do acúmulo e atrasos nos prazos estabelecidos. Mas agora eu estou em outra...

- Só espero que seja um trabalho mais tranquilo e que você tenha feito uma boa escolha. Vá em frente meu querido.


A conversa foi interrompida com a chegada do garçom trazendo duas porções de camarões fritos ao azeite e uma bandeja ornamentada com postas de linguado grelhadas com arroz à "la grega" e creme de aspargos. Ao serem servidas as duas tulipas de chope para acompanhamento, Gleice não se conteve: - Só mesmo estes dois chopinhos para matar a saudade daqueles nossos encontros em barzinhos após o trabalho...

- Horas maravilhosas de descontração que só uma pessoa alegre como você pode nos oferecer. Companhia agradável de uma grande amiga que eu prezo muito. Devolveu Osmar dando ênfase à amizade da moça.

- Uma grande amiga que sempre esteve apaixonada por você e que agora está aqui com todas as esperanças do mundo. Ou você pensa que eu me esqueci das suas palavras no nosso último encontro lá em casa? Retrucou Gleice fazendo-se de desentendida e cobrando promessas do rapaz.

- Não esqueci não minha querida e é por isso que estamos aqui. Precisamos conversar...

- Como conversar? O que foi que você decidiu agora?

- Que eu não desisti de você e que a desejo muito. Mas preciso dar um tempo para as coisas se acalmarem e não magoar outras pessoas.

- Já sei. Você ainda está preocupado com a Leny, não é mesmo?

- Deixa-me continuar e explicar... Eu reservei as duas semanas passadas para resolver certas questões pessoais. Colocar as "cartas na mesa" como se diz. Estive com os pais de Leny, enviei uma carta para a garota e agora estou aqui com você. São três situações que eu precisava deixar esclarecidas antes da minha viagem para Timóteo.

- Entendo certas coisas, só não estou me vendo como um problema pessoal para você...

- Pelo contrário. Você não é um problema e pode ser até uma solução. Mas como eu ia dizendo, precisava acertar certos ponteiros. Para os pais de Leny justifiquei os motivos do nosso rompimento, mostrei que não quero fugir das minhas responsabilidades com relação à criança, agradeci pela hospitalidade até então recebida em sua casa e despedi-me sem deixar rancores ao prometer não abandonar a filha deles nesse momento tão divino e importante para ela. A Leny já deve ter recebido a minha carta que impõe condições. Preciso ouvir ou saber diretamente dela, a verdade sobre a paternidade da criança que está esperando.


- Caramba! Lá vem a Leny de novo em nosso papo. E a gente prometeu não tocar mais no nome dela, lembra-se?

- Lembro-me sim sua baixinha arretada! Mas é que ela ainda continua no contexto. Não pude evitar e confesso que ando muito preocupado com a garota. Depois da minha despedida na empresa, nunca mais nos vimos. Já se passaram três semanas e nem na faculdade a gente tem se esbarrado.

- Parece-me que você está cheio de saudades... Está difícil esquecê-la meu amor impossível?

- É que eu não estou me sentindo bem com a sua ausência e com a falta de notícias sobre o seu estado. Estou com muita pena dela e incomodado por não estar por perto para ajudá-la. Isso está me agoniando demais. Acho que não está correto deixá-la sozinha num momento como esse, quando ela mais deve precisar de mim. Isso é covardia e falta de solidariedade, que eu tanto abomino.

- Mas fazer o quê meu querido, se ela está lhe evitando? Você fez o que tinha que ser feito, ao se expor inclusive para os seus pais. E olha que não é qualquer um que se responsabiliza dessa maneira... Na maioria dos casos, os caras não estão nem aí para as barrigas que eles fazem crescer. Você mostrou lealdade e tomou atitude de homem ao encarar o pai de Leny e cobrar uma posição definitiva da moça sobre a criança.


- Eu sei disso, mas não consigo deixar de me preocupar...

- Então esqueça, deixe o tempo acomodar as coisas e vamos tratar de nós dois. Pense pelo menos um pouquinho em mim...


- E tenho pensado muito minha querida. Você não tem saído dos meus pensamentos, principalmente depois daquele nosso último encontro.

- Que bom! Ainda carrego comigo o sabor daqueles beijos inesquecíveis.

- Que aconteceram num momento longo de carências e falta de afetos de ambas as partes. Tanto você, como eu, estávamos bastante frágeis e necessitados de carinhos.

- E foi muito bom, por ter experimentado algo há muito desejado. Pena que não tenhamos chegado aos finalmentes...

- Talvez tenha sido por não ter chegado a hora. Alguma coisa me travou e fez com que não avançasse, apesar de tudo propício para tal. Você é uma bela mulher, sensual e envolvente. Quem sabe um dia...


- Como quem sabe um dia? O dia é hoje, foi ontem e será amanhã! Estou pronta para você meu amor. Não estou entendendo essa conversa...

- Vou repetir mais uma vez. Não estou desistindo de você, mas dando mais um tempo para tomar a decisão certa. Provavelmente ainda no final deste mês, estarei indo para Timóteo-MG para cumprir o meu tempo de estágio e treinamento na nova empresa. Devo ficar fora do Rio de Janeiro por cerca de trinta dias e não terei condições de estar com você como eu quero.

- Mas isso não é motivo para você desistir do nosso compromisso e também evitar um encontro a dois antes da sua viagem. Qual é a dúvida meu amor?

- A dúvida é saber se após esse afastamento forçado, eu terei finalmente chegado à conclusão sobre os meus sentimentos. E eu vou precisar disso porque, agora, os meus sentimentos estão todos embaralhados e sem rumo.


- E um dos sentimentos é com relação a mim? Estou deixando você embaraçado meu amor?

- Exatamente. Eu sou um cara romântico que se apaixona à-toa. E se eu me envolver com você, certamente isso vai acontecer. Até tenho imaginado como você deve ser carinhosa na cama. E aí é que mora todo o perigo.

- E é perigoso também eu me apaixonar por você. Aliás, já estou há muito tempo. Não devemos ter medo de perigos, quando eles nos trazem prazeres e satisfações. Já lhe disse que não vou ser uma amante cheia de frescuras e problemas. Fique frio e vamos em frente.


- Eu sei que vai ser maravilhoso quando isso acontecer. Mas eu me sentiria um canalha se a Leny vier a ter conhecimento disso. O nosso rompimento foi recente e ainda estou aguardando uma posição dela sobre a minha carta. E penso em você também com relação a ela. Já imaginou o constrangimento entre vocês duas?

- Lá vem a Leny de novo... Pare de colocar ela em nossas conversas! Não estou preocupada com ela, porque o nosso compromisso só aconteceu após o rompimento de vocês. Não fisguei namorado de ninguém...

- Mas ainda acho que não é o momento. Espere eu retornar da viagem para decidirmos melhor. Estarei mais pronto e provavelmente mais livre das minhas culpas. Procure entender minha baixinha querida.


- É muito tempo sem lhe ver e estarei de férias no mesmo período. Por isso, eu quero você antes da viagem. Mesmo porque a gente precisa se conhecer melhor para avaliar a verdade dos nossos sentimentos. Esse encontro poderá tirar muitas dúvidas que rondam em nossas cabeças, você não acha?

- Também acho. Mas prefiro não arriscar.


- Risco de quê meu querido? Está com medo de mim? Tenha paciência!

- Talvez o medo maior seja o receio de magoá-la. Não quero perder a sua amizade...

- Não existe mágoa maior do que se sentir rejeitada. E é assim que estou me sentindo...

- Não leve o papo para este patamar. Não estou lhe rejeitando, apenas pedindo um tempo para arrumar a minha cabeça que está pegando fogo com tantos problemas.

- Está rejeitando sim e não concordo com a sua decisão. Depois daqueles beijos, o que você acha como eu fiquei?

- Também gostei muito e já lhe disse que os beijos mexeram comigo. Mas eu sou assim mesmo. Só entro em campo quando estou bem preparado para o jogo. E agora, neste momento, ainda não estou preparado para você.

- Então vamos embora que o assunto está encerrado. Não vou ficar aqui me humilhando para você, porque, de repente, você nem merece.

- Êpa! Vamos com calma! Não precisa me desmerecer, porque eu lhe prezo muito.

- Papo encerrado Osmar. Não vou mais lhe perturbar com este assunto. Faça uma boa viagem e tenha sucesso no seu novo emprego.


- Lamento muito a nossa conversa ter chegado a este ponto. Mas costumo cumprir minhas promessas e vou cumpri-las perante você. Aguarde-me que você não se arrependerá.

- Não vou ficar preocupada com isso, porque a vida continua. Preciso seguir em frente com você ou sem você.

- Isso mesmo. Assim é que se fala. Mas não deixarei de procurá-la, porque isso eu não quero nem vou deixar de fazer.

- Tudo bem. Vamos ver o que acontece. A vida é uma roda giratória e quando você voltar da viagem, eu já posso estar em outra.

- Eu sei disso e vou compreender muito bem. Mas que eu vou procurá-la eu vou.

- Não sei com qual intenção, mas amanhã será outro dia. Vamos embora porque hoje você já me encheu. Que tristeza e decepção!


Osmar pagou a conta e os dois caminharam até o outro estacionamento onde ele passou a deixar o seu carro ao trabalhar na nova empresa. Era bem próximo à Cinelândia e, consequentemente, não muito longe dos endereços profissionais daqueles dois. Embarcaram no veículo e Gleice mostrou a que veio ao avançar na boca do rapaz aos beijos e abraços antes dele acionar o veículo.


Os desejos da moça vieram à tona naquele rápido momento e Osmar entrou no clima cheio de vontade. Mas este preferiu não continuar com os afagos, dando logo partida no carro para evitar que aqueles carinhos o levassem para outro lado. E ela sabia disso...

É o que veremos no próximo capítulo: “UM É POUCO, DOIS É BOM E TRÊS É DEMAIS"
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POETA OLAVO
Enviado por POETA OLAVO em 17/11/2017
Reeditado em 17/11/2017
Código do texto: T6174631
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