RP - SÃO PAULO - PARTE 17

SÃO PAULO

PARTE XVII

Os olhos de Cláudio de enchem de lágrimas, que ele não deixa que caiam e enxuga o rosto.

- Vem comigo, ele diz, andando na direção do elevador.

- Aonde a gente vai?

- A um lugar mais tranquilo. A gente tem que conversar e aqui não dá.

Eles descem e, já na rua, Wagner diz:

- O meu carro está perto daqui. Eu trouxe pra gente trocar...

- Eu quero ir a outro lugar.

Cláudio pega a direção contrária da que o irmão indica e toma o rumo da Praça da Sé. Vão a pé até lá e Wagner vai em silêncio atrás dele. Quando percebe que o irmão vai subir as escadarias para entrar na igreja, para. Não gosta muito de igrejas.

- Por que aqui?

- Ninguém vai te morder aí dentro. Anda logo. Vem, diz Cláudio sem parar de andar.

Wagner o segue a contragosto e os dois entram na catedral praticamente vazia àquela hora. Apenas uma meia dúzia de pessoas está lá dentro. Cláudio olha para o altar e se benze, sentando-se no último banco. Wagner faz o mesmo, rapidamente e olha em volta, assustado com a energia solene do lugar.

- Esse lugar é muito...

- É ideal pra conversa que a gente está tendo.

Cláudio olha para o Cristo no altar, respira fundo e se volta para o irmão.

- Já que é pra dizer verdades, é melhor ir direto a todos os pontos. Nós não somos mais crianças. Talvez essa situação nunca tivesse acontecido, se seu bisavô não tivesse levado você pra Londres e te contado tudo que sabia. Cada pessoa dessa família parece saber um pouco. O velho Russel, nosso pai, eu e agora você. Se não contarmos com o Salomão e a filha dele. Cada um sabe um pouco, mas o único que sabe tudo é meu pai. E eu acho que tem muita coisa a ser esclarecida que ele ainda pode explicar. Ele... e ela, Lucila.

- Você disse que sabe como minha mãe morreu... Como?

Cláudio olha para o altar novamente e respira fundo, com as mãos unidas apoiadas firmemente no encosto do banco da frente.

- Um dia... eu tinha pouco mais de dezesseis anos, estava procurando um livro na biblioteca da fazenda pra fazer um trabalho do colégio. Fiquei curioso e comecei a mexer em algumas gavetas que de vez em quando via o papai mexer e numa dessas gavetas encontrei uma pasta. Eu abri essa pasta e vi vários documentos antigos e entre eles... um atestado de óbito. No início eu pensei que fosse do vovô, mas ao abrir e ler... vi o nome de Christy Marie Russel Valle. Era o da sua mãe. Nele dizia que a causa-mortis tinha sido... fratura craniana.

Cláudio apoia as costas no banco e coloca as mãos sobre as pernas.

- Sua mãe tinha uma amiga americana que veio visitá-la no Brasil logo que ela se casou com o papai, você deve se lembrar dela... Ela morou algum tempo na fazenda...

- Karen... Eu lembro bem pouco.

- Ela seguiu a vida da família Valle até depois que sua mãe morreu e foi pra ela que eu perguntei em uma carta sobre o que havia causado a fratura, sem que o papai soubesse. Ela gostava e gosta ainda muito de nós dois e de mim particularmente. Ela ajudou a nos criar, depois que Christy morreu. Veio de Nova Orleans pra me explicar. Não quis escrever de volta. Karen não sabia... e não sabe ainda... que eu não era filho dela e pensou que meu interesse fosse de um filho querendo saber detalhes sobre a morte da mãe e ela me explicou tudo. Depois que ficou grávida de você, Christy passou a não querer comer e só se alimentava graças a influência de Karen, quando ela pedia e insistia muito. Ela não podia ver o papai nem de longe. Tinha medo dele. Medo misturado com ódio, revolta, tudo. Karen me garantiu que o papai não poderia ser melhor marido do que foi pra ela, depois que soube que ela estava grávida. Ele sempre tentava se aproximar dela, mas nunca obteve grandes resultados. Ela o detestava... por minha causa. Ela não aceitava de modo nenhum que ele tivesse me levado pra fazenda pra ser criado debaixo do mesmo teto que ela morava. Isso eu deduzi depois. Karen não sabia de nada. Enquanto esteve lúcida, Christy nunca disse a ela. Talvez por vergonha... Só depois, em momentos de delírio por febres altíssimas que tinha de vez em quando, ela citava alguma coisa, mas aí não dava pra levar a sério o que ela falava...

Wagner apoia os braços no encosto do banco da frente e esconde o rosto neles.

- Quer que eu pare? - Cláudio pergunta.

Ele nega balançando a cabeça.

- Bem... quando você nasceu, ela quase morreu. Estava muito fraca, anêmica. Daí por diante, nem Karen conseguia fazê-la comer. Foi um custo arrumar um jeito de alimentar você, porque ela não tinha nem como fazer isso. Não se alimentava, por isso não tinha leite. Na maioria do tempo, ela se trancava no quarto e ficava sem falar com ninguém. Nem o papai conseguia entrar lá pra ver você. Quando eu ouvia você chorar à noite... e você chorava muito... eu não tinha muita noção de que era de fome, eu tinha só sete anos, mas por tudo que eu via e ouvia pela casa, tinha uma noção de que o motivo devia ser esse. Eu saía do meu quarto e ficava sentado no chão na porta do quarto dela... ouvindo você chorar... quando papai saía pra vistoriar o gado... - Cláudio começa a chorar em silêncio - ...eu chorava também, mas não podia fazer nada. Um dia... ela saiu do quarto e me viu lá sentado no chão. Começou a gritar comigo, me pedindo pra sair dali. Eu obedeci, assustado, e corri pra escada. Pensei que ela fosse me bater...

- Minha mãe batia em você?

Cláudio não responde. Wagner levanta a cabeça e pergunta de novo:

- Batia, Cláudio?

RETORNO AO PARAÍSO – SÃO PAULO

PARTE 17

OBRIGADA E TENHA UMA ÓTIMA TARDE!

DEUS ABENÇOE A NÓS TODOS!

Velucy
Enviado por Velucy em 05/05/2018
Código do texto: T6327979
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