6 - Medo e Desejo - Filhos da Terra

Edileuza continuava passando pelo mesmo itinerário, antes e depois do culto, e quando se aproximava do local em que fora beijada pelo homem misterioso, seu corpo era invadido por um misto de medo e desejo. Na noite sem lua da primeira quarta-feira de abril, ela saiu do templo com a fé abalada, por conta de denúncias de corrupção envolvendo altos dirigentes da igreja. "Na hora de pedir o voto, eles prometem mundos e fundos, dão tapinha nas costas, mas depois de eleitos, desaparecem", dizia indignada. A sua igreja fora se meter em política, ela mesma votara nos candidatos indicados pelo pastor, que foram eleitos com expressivas votações. E foram estes que, apesar da resistência dera o seu voto, foram acusados de desvio de verbas públicas. O culto desta quarta-feira decisiva nos rumos de sua fé, foi atípico. Pouco se falou das sábias palavras de Jesus, mas de política e de Satanás. O pastor, tendo a bíblia na mão, porém fechada, esbravejava contra o Satanás, que propaga a mentira e injúria, para afastar os homens do caminho do Senhor. Que as denúncias contra os dirigentes, eleitos pela poderosa luz do Espírito Santo, para levar a salvação ao Congresso Nacional, eram obras do espírito das trevas. Edileuza não se conteve, interrompeu o pastor e disse o que pensava: Irmão, eu sempre achei que a igreja não devia mexer com política e só devia cuidar das coisas do Senhor. O povo evangélico vem sendo usado, para eleger pastores há muito tempo e esta não é a primeira vez que políticos evangélicos são acusados de desviarem-se do caminho de Jesus. Eu não voto mais em ninguém, acabou, aleluia - concluiu e se retirou.

Mal saíra da igreja, distraiu-se seguindo pela rua pouco iluminada. Sempre que passava pelo local, onde fora abordada, parava e olhava com tremores no corpo. Nessa quarta-feira escura, parou e sentou-se sobre o meio-fio, com os pensamentos confusos. Não frequentaria mais a Igreja Nacional do Reino do Amor: "Vou esperar que Espírito Santo me ilumine, para que eu possa enxergar o verdadeiro caminho do Senhor", pensava, olhando as estrelas, suspirando, com o corpo em brasa. "Por onde anda aquele sujeito?" - perguntava para si. "Ele parece um bom sujeito, gostaria de vê-lo novamente, se possível hoje. Tenho quase certeza de que ele me segue... bem podia ser..."

- Edileuza, desculpe-me, você saiu de repente do templo - disse alguém na penumbra.

- Quem é você? - perguntou Edileuza, levantando-se, assustada.

- Sou o Tenório, não está me reconhecendo? Você saiu antes de louvar ao Senhor, fiquei preocupado.

- Obrigada, mas não precisa se preocupar, quem anda com Jesus não tem medo de assombração - respondeu, com convicção.

- Você ficou irritada com o culto de hoje, por quê?

- Ah Tenório, quanta hipocrisia! A praga da corrupção contaminou a nossa igreja, não acredito mais, desisto.

- Você é uma mulher inteligente, Edileuza. Eu não consigo entender, mas confio demais em você.

Ela percebeu o nervosismo de Tenório. Há cerca de dois meses, após a abordagem, naquele mesmo local, ele passara a frequentar a igreja. Não tirava os olhos de cima dela e uma vez ofereceu-se para levá-la em casa. A desconfiança sobre as reais intenções de Tenório de frequentar a igreja fora sentida desde o primeiro dia. Havia algo de nebuloso nele, que a amedrontava. Por duas vezes, durante o culto, sentira a presença dele, sentira o roçar de seus braços sobre os seus e a sua respiração sôfrega. A mesma respiração que a desnorteara.

- Tenório, me diz uma coisa - perguntou de supetão -, você é um psicopata?

- O que é isso? - arguiu o singelo Tenório.

- Uma pessoa desequilibrada, um pervertido!

- Em nome de Jesus, Edi, não estou entendendo.

- Não adianta, você não iria admitir. Bom, preciso ir - disse Edileuza, levantando-se.

- Admitir o quê? Espere, vou com você, está escuro, pode ser perigoso - ofereceu Tenório timidamente.

- Está bem, então vamos.

Caminharam com passos lentos, em silêncio. Aquele trecho da rua estava bastante escuro e Edileuza sentiu um calafrio, quando Tenório esbarrou em seu corpo. Pareceu-lhe um esbarrão de propósito. Ambos diminuíram os passos, como se tivessem um acordo tácito de não saírem da penumbra. Mas a iluminação aproximava-se. Subitamente pararam. Tenório avançou em sua direção. Edileuza vislumbrou em seu olhar um estranho brilho. Não teve forças para fugir.

Leia no próximo capitulo:

7 - O Tempo Passa Rápido

Rapidinho:

Filhos da Terra é uma novela dividida em vinte cinco capítulos. Narra a trajetória de Zenaide, uma ninfeta, que se envolve num mundo do sexo, droga e fúria. A história de uma garota da periferia; pobre, sensual, que sonha com o sucesso. Zenaide e sua família, num turbilhão de sentimentos. Um jornalista, como um anjo de guarda, surge em sua vida. Um amigo, um pai; um amor.

Capa: Berzé; Ilustrações do miolo: Eliana; editoração eletrônica: Fernando Estanislau; impressão: Editora O Lutador - 2009, primeira edição

Agradeço pela leitura e peço a quem encontrar algum erro de gramática ou digitação, por favor, me avise.

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