8 - Meu Guri - Filhos da Terra

A notícia caiu como uma bomba na vizinhança: Wallace, de apenas treze anos tornara-se um assassino. Muitos desconfiavam e até mesmo sabiam de sua atividade, agora confirmada. As pessoas se perguntavam como isso aconteceu e não encontravam uma resposta. É verdade que ele era uma criança de pouca conversa, mas não muito diferente das outras. Gostava de jogar "peladas" na rua; brincar com carrinho de rolimã e jogar fincas em períodos chuvosos; comer cachorro-quente no carrinho de Dona Geralda e até frequentava as aulas regularmente. A rua ficou fervilhada de policiais armados até os dentes. Todos foram pegos de surpresa. Dona Sônia gritava, dizendo que seu filho era trabalhador e estudante dedicado, Marcelo dizia coisas desconexas; Edileuza estava no trabalho e Zenaide evaporou-se.

Na redação do jornal os repórteres policiais saíram às pressas, para cobrir a ação da polícia. Elói estava nas ruas realizando uma reportagem sobre a ocupação, por sem-tetos ligados à Central de Movimentos Populares, de uma área de terreno irregular e só viria a tomar conhecimento do ocorrido à noite, por meio de Zenaide. Além dos policiais, uma multidão de repórteres e de curiosos se aglomeraram na rua, para assistir ao espetáculo. Dona Sônia, entre anestesiada e incrédula com o que via, não parava de repetir que Wallace era um bom menino, seu filhinho querido, responsável. "Justo agora que ele estava feliz com a televisão de vinte e nove polegadas e com o DVD", lamentava-se. Algumas amigas chegaram para consolá-la e ela não parava com o refrão sobre as qualidades de seu guri. Mas a polícia não conseguiu prendê-lo e ninguém sabia informar o seu paradeiro; assim como chegaram, policiais e repórteres deixaram o local. Dona Sônia fora intimada a comparecer na delegacia a fim de prestar esclarecimentos.

O município de Contagem ocupa um lugar de destaque em matéria de violência entre os municípios que integram a região metropolitana da capital mineira. Mas foi em Betim, município vizinho de Contagem, que o traficante Fernando Beira Mar se estabelecera por um tempo, para expandir seus negócios. Não se tem um estudo da influência de Beira Mar no aumento da violência na região, mas a distribuição e o consumo de drogas aumentaram muito depois de sua estadia. Nas escolas, professores e alunos estão sempre assustados; nos bairros, vilas e favelas acontecem o mesmo. A violência urbana é o assunto discutido em algaravias por todos os cantos. Cada um tem a sua tese. Seu Adão, policial aposentado é categórico: "Beira Mar plantou aqui as sementes da droga, aliciando e municiando um exército de delinquentes juvenis, que hoje espalha o terror". Para Maria Lituana, vizinha de Dona Sônia é "a falta de temor a Deus, que leva à violência", enquanto seus Osvaldo culpa os políticos, que "só sabem roubar e enganar o povo, é preciso acabar com os políticos

, todo mundo deveria anular o voto", concluía com os olhos esbugalhados. A mística Tereza Singela anunciava que "em 2012 o mundo irá passar por uma mudança de paradigma com a chegada do Messias, que virá para salvar o mundo da catástrofe". O jovem carismático Izak, seguidor do Padre Marcelo, concordava com Maria, enquanto a evangélica pentecostal Neuza de Paula afirmava que "só quem aceitar Jesus e passar pelas águas, estará protegido das tentações do corpo e da alma". Geraldo Bernardes, comunista de carteirinha, dizia que "a causa da violência é o modelo capitalista, egoísta e concentrador de riquezas, que leva o povo à fome, sem alternavas de sobrevivência, conduzindo-o à criminalidade e à alienação, ao invés da participação política consciente, para promover as mudanças necessárias", argumento prontamente rebatido por Amâncio, proprietário da Padaria Pão Nosso, assaltada diversas vezes, com a tese de que "não é nada disso, o que acontece é que estes malandros não querem trabalhar, a solução é diminuir a maioridade penal e estabelecer a pena de morte, aí vocês vão ver a violência acabar, porque pra mim é olho por olho, dente por dente, lugar de malandro é debaixo da terra, de preferência em pé, para não ocupar espaço, porque não dá pra ficar bancando vagabundo em cadeia, quem paga as contas são as pessoas de bem, assunto encerrado". "Encerrado pra você - vociferou o grafiteiro Maisena, que detestava os arroubos autoritários de Amâncio -, concordo em parte com o Geraldo, na parte em que ele falou da concentração de riquezas nas mãos de poucos. Quanto a participação política não acredito nisso não. Primeiro que são meia-dúzia de gatos pingados, segundo porque esta meia dúzia passa a maior parte do tempo em reuniões chatas, corporativas e intermináveis, dão muitas idéias aos mandam-chuva. É preciso detonar os caras, botar pra foder, seja com ações coletivas ou individuais, derrubar a ordem estabelecida na bazuca, amedrontar os figurões, dizer que seus dias de fartura vão acabar". Geraldo Bernardes balançava a cabeça negativamente, afirmando que "isso é anarquia. Assim continuava a algaravia, algumas vezes encerrada aos tapas ou em cerveja no boteco do Nestor.

Próximo capítulo, amanhã:

9 - As Revelações de Zenaide

Rapidinho:

Filhos da Terra é uma novela dividida em vinte cinco capítulos. Narra a trajetória de Zenaide, uma ninfeta, que se envolve num mundo do sexo, droga e fúria. A história de uma garota da periferia; pobre, sensual, que sonha com o sucesso. Zenaide e sua família, num turbilhão de sentimentos. Um jornalista, como um anjo de guarda, surge em sua vida. Um amigo, um pai; um amor.

Capa: Berzé; Ilustrações do miolo: Eliana; editoração eletrônica: Fernando Estanislau; impressão: Editora O Lutador - 2009, primeira edição

Agradeço pela leitura e peço a quem encontrar algum erro de gramática ou digitação, por favor, me avise.

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