A PASSAGEM - capítulo 08

Genon sentou-se de frente para a companheira e esperou que falasse sobre a missão. - Neste momento civilizatório da Terra há uma intensa saturação dos ambientes astrais, e por esse motivo a agressividade, o individualismo e a crítica exacerbada dominam muitas das interações sociais, e têm afetado desde trabalhos simples até a administração da nação, dando margem a discussões estéreis, de fundo ideológico, propiciando o jugo de mentes torpes, que privilegiam interesses pessoais e grupais, em detrimento do equilíbrio social, como um todo.

- Tenho observado isso. É um dos principais motivos de meu isolamento.

- Agiremos em conjunto com outras seis duplas de voluntários, estrategicamente postas em regiões deste país, para disseminar a filantropia, a caridade informal e a gentileza, que são nossas armas de combate à irritabilidade, revolta, vitimização e ódio presentes. Devemos, além de agir, exibir nossos atos, de forma subjetiva ou subliminar, para que fique gravado na mente das pessoas, com as quais travaremos contato, que devolvemos serenidade e paz, para cada agressão ou crítica recebida. Que o que ofertarmos será sem nenhum interesse de retorno.

- Mesmo num total de quatorze pessoas, faremos muito pouco, perto do tanto que há.

- Alguns de nós agirão no meio político, outros na mídia, dois, especificamente, na área artística, e ainda contaremos com a ajuda de simpatizantes, que não saberão sobre a natureza de nosso trabalho, mas estarão afinizados com nossa postura e iniciativas. Também teremos a ajuda do portal, que nos possibilitará pequenas manipulações de espaço-tempo, dentro do que não afete o livre arbítrio dos humanos e não interfira no equilíbrio natural do orbe.

- A humanidade já está desequilibrando bastante a natureza, sem que façamos algo.

- Essa é uma responsabilidade direta deles, sobre a qual não temos ascendência, e é claro que a natureza cobrará, de alguma forma, o desrespeito com que as pessoas devolvem o que ela lhes dispõe, desde o início dos tempos.

Durante toda a noite o casal conversou sobre atitudes, método de trabalho, contato com os outros voluntários e possíveis problemas a enfrentar. Como, por influência do portal, já não sentiam quase nenhuma fome ou sono, toda a disposição (que era muita) focava os objetivos estabelecidos. Mal amanheceu o dia, Heintim quis que saíssem a andar pela cidade, sem dizer o motivo, mas deixando claro que pretendia mostrar algo ao rapaz. Ele já estava tão habituado às surpresas, desde que recuperara a memória, que já não contestava o que ela lhe pedia.

Desceram o morro, foram em direção ao centro mercantil da cidade, e como ainda era muito cedo, nenhum movimento habitual se iniciara, mas ainda restavam, perambulando pelas ruas, os elementos que viviam da noite, e, em geral, perpetrando todo tipo de crime e maldade, sem qualquer escrúpulo. Genon pensou em advertir a menina sobre esse particular, mas logo notou que ela estava bem ciente do ambiente pesado que os cercava, e se dirigia, exatamente, para o meio da horda de meliantes e sua massa de manobra, constituída de viciados e vadios.

Não entendia a atitude dela, mas como viu que estava resoluta e firme em seus passos, acompanhou-a, até que os primeiros maus elementos se aproximaram, com a nítida intenção de atacar, abusar, conseguir alguma vantagem ou satisfação. Quando, porém, aproximaram-se de Heintim, que estava uns cinco metros à frente, notou que a feição dos homens se alterava. Os braços caíam ao longo do corpo, o riso irônico desaparecia, estacavam diante dela e só a olhavam, atordoados. Ele chegou junto, a tempo de ouvi-la dizer a eles que refletissem sobre a vida que levavam, porque se aproximavam da morte, e teriam de responder pelo mal praticado.

Enquanto observava, aturdido, aquela cena, ela se virou e lhe disse que outro grupo de malfeitores vinha por trás, com armas na mão. Genon se virou e deu de cara com três homens armados, que assim que olharam em seus olhos, abaixaram os braços, e ficaram cabisbaixos.

- Isso que está assistindo, é um dos dons que desenvolvemos, em contato com o portal.

- Ao nos aproximarmos, desarmamos o espírito das pessoas, completamente?

- Sim! E podemos ter alguma influência sobre elas, se estiverem vacilando sobre sua conduta, e estejam, mesmo que lá no fundo d’alma, querendo abandonar o erro e a ociosidade.

- E quanto aos nossos erros, já que somos humanos, também?

- Estamos em contato mental com nossos companheiros voluntários, e contamos com o alerta de um para com o outro, sobre atos incompatíveis com nossos propósitos.

- Há algo que eu ainda não saiba?

- Sim! Mas estou guardando para daqui a algum tempo, quando formos chamados.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 22/06/2019
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