QUEBRANDO BARREIRAS - CAMALEÃO - PARTE 5

II - CAMALEÃO

But you’ve created your own ghosts,

(Mas você criou seus próprios fantasmas,)

…And the need you have is most...

(... E a necessidade que você tem é maior...)

Than more to hide it

(...do que possa esconder...)

“Chameleon” – do álbum duplo Blue Moves, lançado em 1976

Já em Windsor, Elton passou os dias que se seguiram, calado, nervoso e arredio. Sheila já não sabia mais o que fazer com ou pelo filho.

No dia 04 de novembro, a entrevista de Ed Harrison foi publicada. Os depoimentos dados por Elton nas FMs já haviam virado polêmica em todos os meios de comunicação americanos e ingleses. A entrevista só veio complementar e esclarecer a agressividade de Elton perante o mundo e seu estado de espírito atual.

Críticos mais sarcásticos comentavam que tudo aquilo não passava de medo que Elton tinha de aceitar as críticas, apesar de quase “admitir a sua homossexualidade nas entrevistas”.

Sheila lia tudo que falavam sobre seu filho e sabia que aquilo tudo o estava minando aos poucos; procurava conversar a respeito, mas ele não aceitava mais ajuda de ninguém, nem dela própria. Sheila queixava-se ao marido, contando sua preocupação a ele que tentava ajudar como podia.

Certa tarde, Fred entrou no estúdio onde Elton estava colocando em ordem alguns discos numa enorme estante, onde costumava ter tudo organizado. A casa não tinha muitos criados, apesar de ser imensa, por isso, alguns serviços tinham que ser feitos por ele mesmo, quando tinha tempo, o que o distraía muito. Serviço caseiro o acalmava e ele procurava se ocupar de qualquer coisa para não pensar.

Fred entrou e ficou olhando para a pilha de discos novos e antigos espalhados pelo chão.

- Quer ajuda?

Elton, sentado no chão, olhou para ele e apenas balançou a cabeça, negando.

- Sua mãe está fazendo um lanche, vai servir daqui há pouco... Pediu pra te chamar...

- Não estou com fome... mas pede pra ela trazer aqui, Elton respondeu depois de alguns segundos, olhando para capa de um álbum de Jerry Lee Lewis.

Fred apanhou um dos discos de Elvis Presley de 1965 que estava ali no chão, procurando palavras para continuar o diálogo com Elton.

- Foi sua mãe que te deu esse, não?

O cantor olhou para o disco e apenas balançou a cabeça, confirmando.

- Ela anda preocupada com você...

Elton levantou-se com cinco LPs nas mãos e os encaixou na estante, dizendo.

- Me conte alguma novidade, Fred. Isso já é antigo...

- Você sabe do que eu estou querendo dizer...

- Eu não sei o que fazer para evitar isso.

- Você começou a brigar pelo direito de ter sua vida particular normalizada e chegou a conseguir isso, mudou todo um esquema e transformou-se num outro homem. Agora parece que está cedendo a eles novamente, virou um recluso, como se a opinião pública importasse muito...

- E não importa?... Até que ponto eu devo dar as costas a ela e dizer: “Danem-se!”. Como o Ed disse, eles é que me fazem conhecido. Eu vivo disso há anos.

- E quer continuar vivendo?

- Não... e sim... ele falou, parando. - Depois de ter virado a mesa nas maiores FMs do mundo... não sei se isso é mais possível. Eu vivo fugindo de pessoas que querem me tirar daqui de dentro o que me é mais secreto e que não vai acrescentar nada a ninguém, nem ajudar ninguém... mas acabei tornando isso público... Eu quis mesmo agredir a todos eles. Vê-los de cabelos em pé e se arrepiar de susto... Elton John assumindo publicamente que é... gay... é a notícia da década!

Fred colocou as mãos nos bolsos e baixou os olhos, pensativo. Elton olhou para ele e perguntou:

- Se eu fosse seu filho de verdade, como você se sentiria, ao ouvir essas coisas?

O decorador ergueu a cabeça e respondeu:

- Eu não preciso ser seu pai pra me sentir tremendamente agredido com isso também, Elton. Vivi com você e sua mãe quase metade da sua vida e te conheço bem. Te amo, como se tivesse visto você nascer. Se isso estivesse acontecendo há quinze anos, quando você ainda era um adolescente, eu ainda poderia tentar fazer alguma coisa e tentar mudar sua cabeça antes de vê-lo e ouvi-lo fazer e dizer as coisas que te envolveram nessa confusão... Mas você é um homem feito e eu sei que o problema começou bem antes de eu chegar na história. Se eu tenho que ficar zangado, magoado, surpreso ou decepcionado com alguma coisa, ficaria com o fato de você assumir tudo isso diante de toda a imprensa e não assumir com você mesmo. Você ainda não se aceita como é, Elton! É esse o problema... E acho que você vai ajudar muita gente no futuro, sim.

Elton voltou-se para ele intrigado.

- Não entendi...

- Talvez você esteja abrindo portas pra pessoas que pensam como você, ser livres pra viver como quiser, no mundo que preferir, gostando da cor que quiser e não da que eles querem! Você não abriu as portas para o rock romântico mesmo sem falar de amor? Você fez “Your Song”, “Goodbye Yellow Brick Road”, “Daniel”, “Skyline Pigeon”...”We all fall in love sometimes”... Nenhuma dessas letras do Bernie falava de amor de homem e mulher e foram canções que embalaram casais de namorados no mundo inteiro!... Você é um homem que tem o poder de mudar o pensamento das pessoas, Elton, com suas canções e vai fazer o mesmo com suas ações. A duras penas, mesmo sofrendo na pele, mas não há mudança decisiva que seja doce e fácil... Muita gente vai te agradecer pelo que você está passando agora. Acredite, filho.

Elton levantou e deu alguns passos pelo aposento; sentou-se numa poltrona, pensativo. Fred deu um sorriso e foi para a porta, voltando-se:

- Venha tomar o lanche conosco... Sua mãe não vai trazer nada aqui pra você, eu tenho certeza. Por favor, desça, falou, saindo em seguida.

As palavras de Fred ficaram martelando na cabeça dele por algum tempo. Mas, como fumaça, elas foram se dissipando, as imagens de seu show de um ano atrás surgiram em sua mente, as palavras de Bernie no lançamento de seu livro, as entrevistas nas FMs americanas, Guy Burchett...

O coração começou a ficar apertado novamente e ele saiu do estúdio, indo para a sala. Sheila e Fred estavam tomando o lanche, juntos. Ao vê-lo, Sheila falou, sorrindo:

- Não vem, filho?

Elton foi sentar-se com eles.

CAMALEÃO – PARTE 5

CONTINUA...

OBRIGADA E BOM DIA!

Velucy
Enviado por Velucy em 20/07/2019
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