'AS BODAS - VOLUME III - do livro "Giulia - Quando a Luz se apaga"

Entrara pela porta dos fundos, pois não queria ser alvo de comentários. Cortara caminho pela cozinha, passando por entre os garçons e as cozinheiras que a reconheceram como a filha do patrão. Cumprimentaram-na com simplicidade e educação. Ela sorrira a todos, embora em seu sorriso houvesse um traço de amargura. A cozinheira, uma senhora alta, ossos estreitos com seu avental, de touca branca, quase transparente, cabelos curtos e grisalhos que ressaltavam os espantosos olhos negros, enrugados com aparente bom humor oferecera-lhe um bolinho de queijo. São meus preferidos! Ela exultou, enfiando logo um na boca. Como a senhora adivinhou!? Estava perplexa com aqueles olhos enormes e palpitantes fixos na travessa de salgadinhos logo ao lado dela. Estava faminta. Lembrara-se de não ter comigo absolutamente nada durante o dia todo. As bolinhas de queijo derretido tão perfeitas e tão bem acomodadas em uma espiral fumegante naquela bandeja prateada! Giulia, entre panelas e óleos ferventes e copos que volitavam sobre sua cabeça que ora seguiam cheios em direção ao salão, ora retornavam vazios, inebriava-se com o aroma das massas e molhos que, naturalmente, seriam servidos à hora do jantar. Orgulhava-se de seu homem que certamente teria articulado tudo aquilo sozinho, sempre tão empreendedor e competente! Não rejeitara outro espécime do salgadinho cujo queijo estendia-se, fumegando, até sua boca já aberta, quase em êxtase. - "Humm! Estão de comer rezando!" - Exclamara, encolhendo os ombros, cerrando os olhos, falando de boca cheia. Engolira-o rapidamente e sapecara um beijo de despedida e agradecimento na bochecha daquela senhora e, por um breve momento, lamentara por ela ter de trabalhar quando deveria estar descansando, aposentada, talvez viajando e aproveitando os últimos anos de sua vida. Será esse o meu destino? Não quero. Quero me casar com ele. Ter filhos, segurança, uma casa e não me preocupar com o futuro porque ele vai estar ao meu lado. Uma dor no peito e a persistente falta de ar aproximava-se lenta e ameaçadoramente. Recuara, apressada, esbarrando nos meninos de calças pretas e coletes da mesma cor que cobriam as blusas impecavelmente brancas. Lançara um último olhar piedoso à mulher envelhecida que lhe acenava num gesto simples e acolhedor. "Aproveite a festa", ela ouvira a mulher a erguer o braço firme e uma expressão resignada dos que ficam sempre nos bastidores da vida, sem jamais atuarem como protagonistas. Giulia saíra daquele ambiente abafado e morno e, de costas, com o traseiro, empurrara a porta no estilo 'saloon', em madeira envernizada. Opaa! Afastara-se, já do lado de fora da cozinha, a tempo de não levar um safanão bem no meio de seu rosto da porta que voltava ao seu ponto de origem. As portas iam e vinham como num filme de faroeste americano que costumava assistir ao lado do tio onde John Wayne e seu imperturbável chapéu de abas largas e sua expressão de homem inatingível lançava aquele olhar de superioridade, do alto de seu cavalo, aos pobres índios apaches. Quero uma dessa em nossa casa, afirmara em frente a ela, observando-a em seu movimento incessante com o entra e sai dos garçons em meio ao reboliço da festa. Passaria por ela novamente se não estivesse preocupada em encontrá-lo. Nossa casa! Nossa casa! Repetira como um mantra, apurando os ouvidos, reconhecendo a canção que ouvia ao longe. Humm...Trini Lopez! Dessa minha tia gosta! Rira de si para consigo, lembrando-se dos olhos salientes que Celeste costumava lançar ao tio, sempre que a mesma música tocava. Havia um sentido oculto em tudo aquilo. Giulia franzira a testa à procura do sentido. Não o encontrara. Ah! Estão bem! É o que importa!

De onde estava, avistara o salão com meia dúzia de gatos pingados ensaiando passos inibidos e lá, logo adiante, lá estava eles, colados um ao outro, sorrisos e lágrimas, testas unidas. Que espetáculo! A amor que os unia irradiava-se por todo o salão e encontrava espaço pela porta afora. Batera palmas de felicidade, dando pequenos pulinhos de satisfação. Correria até ele, mas, de súbito, mudara de ideia. Sempre solitária, era avessa à multidão, mas, por eles, estaria disposta a enfrentar aqueles olhares estranhos, desconfiados que pairavam sobre ela. E ela ainda não havia sequer chegado ao centro daquele vasto ambiente. Estava lá atrás onde os retardatários reclamavam da falta de comida ou da cerveja que, segundo eles, chegava até suas mesas já quentes e chocas. Gentalha! Mal agradecidos! Todo o ano é a mesma coisa, dissera entre dentes, evitando pousar seu olhar decepcionado sobre os vizinhos que frequentavam a casa de seus tios, entre beijos e abraços. Preciso me limpar. Esse pensamento surgira como uma bomba em sua mente já bastante confusa. Uma parte de sua vida havia sido esquecida, quase que arrancada dela. Uma parte importante que lhe fazia falta, conquanto não soubesse exatamente o porquê. Sentira-se suja e enojava-se do que havia experienciado naquela casa que um dia fora seu lar. A lembrança de sua mãe tão triste, mergulhada na escuridão não lhe saía da cabeça. Do cantinho, em meio às sombras, ela pudera apreciá-lo, sem que, por ele, fosse vista. Parecia animado entre os amigos, de costas para ela, bem próximo ao bar. Seus ombros largos remexiam-se voluptuosamente cobertos pelo paletó. - "Hummm...De terno??? - Suspirou, estremecendo-se toda. - "Meu bem! Vc sabe o que ternos fazem comigo! Vc sabe, Fernando. Ah, se sabe! Aguarde-me, querido!

Dirigia-se, agora, a passos largos, ao banheiro, fitando o chão quadriculado de branco e preto. Pisos largos e antiderrapantes. - "Perfeito pra dançar", dera um sorrisinho imaginando-se na pista de dança ao lado dele. Mas, ele não dança e vc sabe disso. Sei sim. Mas, sonhar não custa nada. Ademais, podemos dançar juntinhos uma música lenta. Me deixa em paz! Se vc não se apressar, vai ficar sem ele. O que não falta aqui são meninas oferecidas e despudoradas atrás de um bom partido. Meninas o quê!? Vc é ridícula! Despudoradas! - Levava as mãos à boca tapando uma risada estridente. Despertara a curiosidade de dois marmanjos encostados à pilastra. Aquele tipo de convidado que apenas observa, enche a cara e aguarda o momento propício para iniciar uma baderna. Ela os conhecia desde criança. Francamente, não gostava deles, por quem passara com ares de superioridade, lançando-lhes seu olhar de repulsa, quase uma réplica dos de John Wayne. Voltara-se a um deles, fitando-o com agressividade. O quê!? Não se lembra de mim, querido? Naquela tarde, naquela praça, um chute bem no meio dos culhões e vc tombando no chão, chorando e chamando por sua mamãezinha, bebê???Ameaçara-os silenciosamente, erguendo o braço direito numa súbita lentidão. Estacara ali, em meio ao corredor, próximo à saída da cozinha, apontando-lhes o indicador e permanecera naquela posição por alguns segundos, sob a tênue luz avermelhada do holofote que a atingia como um canhão. Fora o bastante para assustar aos que a viam, de longe, sentados em suas cadeiras enchendo a pança, os alcoviteiros. Aquele era um sinal de que a bruxa estaria entre eles. Giulia mal se dera conta do que fazia. Estava tão cansada que poderia dormir em pé naquela posição. Abafara um gritinho de espanto, despertando de seu transe repentino. Abanara a cabeça com rapidez e recobrara o juízo. Vira-os mais uma vez. Nem pensem em estragar a festa dos MEUS TIOS! Ela batera com o punho fechado bem no meio de seu decote, apertando os olhos e curvando-se ligeiramente para a frente. Agora, ela os afrontava. Que tipinho de sorriso é esse, seu miserável!? Seu corpo todo revoltava-se ante aquele olhos cheios de malícia que a fitavam de cima a baixo. Nos bons tempos, ela teria chegado até eles, pulando de mesa em mesa e alçado voo sobre ambos, socando-os, debruçada sobre eles, com uma das mãos enquanto a outra, estrangulava seus pescoços até que pedissem clemência. O rapaz encantado, esquecia-se da moleca com jeito de menino e uma lealdade canina e apreciava a mulher estonteante com um vestido que lhe conferia um ar de Afrodite sedutora. Sorria mais uma vez assim pra mim e vc vai ter que acertar contas com o MEU NOIVO, o dono da festa! Tá me ouvindo??? Vermes! Desviara os olhos dardejantes ao letreiro logo acima de sua cabeça. Aqui! Eis o banheiro! Entrara, ofegando. Fechara a porta, recostando-nela, erguendo o queixo, exalando um longo suspiro de exaustão. Precisava ser recompor. É limpo, declarou aliviada. Observava agora os detalhes do banheiro. Um local asseado e bem iluminado. Um tanto pequeno, mas cabiam duas pessoas com facilidade. Havia duas latrinas com divisórias e o ambiente cheirava à limpeza. Um grande espelho retangular refletia mais do que a metade de seu corpo. Lavara o rosto com as mãos em conchas, implorando que a água levasse tudo o que sentira de ruim naquele quarto sombrio onde sempre dormira em paz...ou quase sempre. Sentira a água a escorrer por suas faces e dissipara de seus seios qualquer vestígio daqueles seres e suas línguas e mãos nauseabundas. Com o tronco curvado para frente, afastara com os dedos, o tecido dos mamilos agora expostos, bem próximos à bica aberta. Com as mesmas mão em concha, agora lavava os seios abundantemente até voltar a se sentir limpa novamente. Secava-os com montinhos de toalhas de papel. Dera graças a Deus por estar sozinha. Sentia-se ridícula naquela situação embaraçosa. Quem a visse, pensaria que ela não teria tomado banho antes de sair da casa dos tios. Um belo e demorado banho esticada na banheira, pernas cruzadas sobre a beirada, próxima aos registros e uma toalha úmida sobre a testa. Na verdade, não sabia exatamente o motivo daquela toalha molhada sobre a testa. Nunca entendera, nos filmes de suspense, o porquê da tal toalha molhada sobre a testa das mocinhas em perigo, mas, ocorrera-lhe que aquele seria um bom momento para realizar seu sonho, embora ouvisse a voz de Nando a reclamar por sua presença. Alegava, aos murros contra a porta e risos incontrolados, que chegariam atrasados à festa dos pais. "Vão na frente, amor! Preciso passar na mãe só pra ver como ela está. Vou num pé e volto noutro!", maldita hora em que pisara naquele lugar sombrio. Arrependia-se tardiamente de não ter seguido com os tios e seu amor, e ter evitado tantos dissabores. Agora já era, dera de ombros. Ao menos, tentei. Ninguém vai poder dizer que não tentei. Sua voz saíra embargada e ainda não compreendia o motivo pelos quais seus pais teriam se afastado dela como se ela estivesse doente ou fosse um risco à integridade física deles. Nunca foram tão próximos, concluía, num muxoxo, mas, trocar as fechaduras de casa para que ela não conseguisse entrar com as chaves antigas!? Ora! Isso ultrapassava qualquer limite. Era patético! O que eles pensam que eu sou!? Um demônio? Tenha dó! Me poupe! Não mesmo. Não me venham com essa! Essa eu não engulo! Agora, cobria grande parte dos seios com a renda Chantilly. Dava um lindo acabamento no lacinho branco, na altura do busto. Ousada vc, mulher! Ria aos berros, imaginando-se ao lado dele, insinuando-se, desinibida, cheirando-lhe o pescoço, esbofetando aquele rosto perfeito e os seus olhos incrédulos e um sorriso cafajeste de quem gostava de apanhar, no entanto, jamais admitia. Uiii! Ela amava cada parte dele. Dele e do outro também. Entristecera-se, num átimo.

- Era ele no quarto? Acho que não. - Conversava com seu reflexo. Seus olhos inquietos denunciavam seus estado de espírito. Estava totalmente perturbada. - Aquilo não poderia ter acontecido. - Seus mamilos ainda avermelhados...custava a acreditar que, de fato, algo havia acontecido. Talvez, eu tenha sonhado. É. Só pode ser isso. Aproximava-se do espelho, inclinando-se sobre a pia. Vira a tristeza em seus próprios olhos. Demorava-se debruçada com as mãos espalmadas sobre o mármore cinza da pia. Isso não acontecia desde que eu tinha quinze anos. Dissera-o num lamento doloroso. Abanava a cabeça, baixava os olhos turvos. Dera vazão às lágrimas, envolvendo-se em seus próprios braços num abraço, carente e ao mesmo tempo envergonhada. Por que comigo? O que querem comigo? Não sou tão má assim. ONDE VCS ESTAVAM QUE NÃO ME PROTEGERAM??? - Sua voz saíra rouca, grave. Assustara-se com o tom de sua própria voz. Erguera os olhos borrados ao teto de onde luzes embutidas incidiam sobre seu rosto indignado. Arrume-se! Isso é uma festa, ora bolas! Está perdendo tempo! Tem razão! É uma festa! E eu vou arrasar, meu bem! Empinava a cabeça e o tronco, triunfante, encolhendo o abdômen, inflando o diafragma.

"In the mood", era o nome da música que esquentava a festa lá fora. Aqui dentro, ela retocava a maquiagem. Alongava seus cílios, escurecia as bordas de seus olhos e umedecia seus lábios com um brilho sabor morango, o preferido dele. Bastava. Estava divina. - Ele vai me matar! Pediu tanto pra eu não me atrasar...- Pressionava os lábios para que o batom se assentasse à boca. - De agora em diante, seremos somente nós dois! - Sorria ao espelho. - E nada vai nos separar. - Ajeitara os cabelos, enfiando os dedos separados por entre as madeixas como se fossem um pente com dentes largos. E então, um antigo ritual se repetia: ela lançava a vasta cabeleira para o lado esquerdo com um impulso gerado pela força de seu pescoço, tombando a cabeça, de maneira tosca, para, logo em seguida, desembaraçar os fios que pendiam, longos e pesados, paralelos ao corpo. As mãos ágeis e nervosas, em movimentos repetitivos que iniciavam-se lentos e gentis por entre os fios e logo chegavam a um escavar frenético. Então, refazia os mesmos passos para o lado direito. Era bonito de se ver! A cabeleira esvoaçando, de um lado ao outro como um leque de uma espanhola esfogueada. Escavava, escavava e escavava os fios e, ao final, unia-os, enroscando-os como uma corda, acomodando-os, singelamente, caídos em seu ombro direito. Uma ninfa perdida entre os bosques sombrios de algum reino distante. Essa era ela! Um primor! Agora sentia-se preparada para enfrentar os olhares e os comentários sempre repetitivos a respeito de seu jeito bizarro de ser ou sobre o golpe do baú que dera no rapaz mais cobiçado daquelas bandas. Jamais poderia imaginar o que, de fato, falavam dela ultimamente. Se o soubesse, não teria sequer pensado em sair do banheiro tampouco passar por entre as mesas e cadeiras entulhadas de rostos conhecidos, carrancudos, bocas esfomeadas. E a mulher que guardara as empadas dentro da bolsa a tiracolo! Um horror! Vou contar pra tia, Carlota fofoqueira. E essas crianças rolando no chão? Cadê os pais??? Coisa feia. Brigando por causa de enfeite de mesa. As flores vão cair no chão! Inspirava, angustiada, aquele ar impregnado por nicotina e álcool. Um homem à sua frente! O homem enorme e largo, quase um ogro, que lhe sorria de forma grotesca, à sua frente, dentes amarelos, pele áspera e oleosa. Argh! - Sai da minha frente, sua destilaria ambulante! - Esbravejara, empurrando-o para o lado. Empurrara-o com tanto nojo que o pobre fora ao chão. Nem tanto pela força que ela usara. Havia tomado todas, o homem. -"Cuidado". - Ouvira os sussurros logo atrás de si. - "É a noiva do demônio. Cala a boca, mulher! Se os tios dela ouvem isso, botam a gente pra fora!" - Ela reconhecera a voz do homem que tentava, a custo, erguer-se do chão, sem conseguir. Diminuiria os passos. Noiva de quem!? Seus olhos perdiam-se entre as luzes brancas e piscantes no entorno do ambiente. Sua risada diabólica fora ouvida pela metade dos convidados, já que a outra metade ou estava dançando ou furtando docinhos da mesa de quitutes requintados ao lado da cascata de chocolate. Pensara em voltar e dizer a eles boas verdades. Diria que o homem desprezível e inflamável que parecia ter gostado de permanecer no chão, já que não havia se levantado, traía a mulher maledicente com sua melhor amiga e confidente, sem dar conta de nenhuma das duas já que seu pau não levantava nem com as menininhas com quem ele gastava o dinheiro escasso da família. Diria que ela deveria medir suas palavras antes de vomitá-las, pois, qualquer dias desses, encontraria alguém que a fizesse engolir uma a uma, sem dó nem piedade. Ah! Diria ainda para tomar conta da filhinha mais nova que possuía o estranho hábito de se meter com homens mais velhos e, preferencialmente, casados. Ah! PARA TUUUDO! E dar atenção a essa corja!? NUNCA!

Agora, mais do que nunca, precisava dos tios e desorientava-se entre os murmúrios e as risadinhas de hienas que queimavam-lhe as costas. Erguia a saia do vestido, com nojo do chão e seu caldo. Mãos que erguiam a saia branca com as barras imundas, o chão molhado, salpicado de bebidas e as salivas daquela gente que não sabia se portar com elegância. Berravam com suas crianças. Crianças que rolavam no chão coberto por um caldo preto, mistura da cerveja e do refrigerante e das pegadas dos sapatos sujos daquele povo repugnante que falava dela e ela que mal entendia o que falavam dela. A música tocava em alto e bom som e ela só conseguia ouvir palavras desconexas atrás de si, ao seu lado, à sua frente, para onde quer que olhasse! "Demônio", "noiva", "safada", "gemidos", 'O Santo!' - Carlos, ela sussurrara, lembrando-se dele. Sua imagem plácida surgia em sua mente, acalmando-lhe os nervos à flor da pele. É dele que falam. Sorrira revendo suas mãos que afagavam seu rosto e limpavam seu corpo sujo e dolorido. Por que eu estava na banheira? Ele me olhava com olhos de um irmão, não com os de um amante. Por que não entrou na banheira comigo? E por que diabos eu estava lá se já estava namorando o Nando??? Ai, minha cabeça dói. O que tá acontecendo!? As vozes haviam cessado por segundos e agora, havia somente o silêncio. Um profundo e aterrador silêncio. Ouvira sua própria respiração descompassada. As batidas do seu coração pareciam ecoar por entre os convidados imobilizados como estátuas. Lembrara-se de Medusa, sua deusa predileta por ter sido violada e ainda cruelmente castigada. Morrera sozinha. Tão sozinha quanto ela se sentia naquele lugar, naquele momento obscuro onde tudo mergulhara num perturbador silêncio. Todos haviam sumido. Até seus tios que pulavam como pipoca ao som dos trompetes! Procurava por ar. Inspirava, expirava e o ar lhe faltava. Os olhos aterrorizados, os braços cruzados sobre os seios e as mãos que agarravam-se aos próprios ombros. Os olhos cerrados. Parecia esperar algum safanão, vindo de alguma direção, que a derrubasse e a fizesse perder os sentidos. Falam de vc. Vc sabe que é de vc que eles falam, não sabe? Vá pro inferno! Isso é uma festa. Cadê a música? Meus tios? Nando!? Sussurrava ainda de olhos fechados. Tampara os ouvidos com as mãos trêmulas e a voz ainda lhe falava. Tente se lembrar. Ele disse para se esquecer, mas vc pode se lembrar. Não. Não posso. Não o invoque. Não o invoque. Não o invoque. Bobagem! Foi tão gostoso. Não! Não o invoque. Carlos disse. Eu me lembro. Disso eu me lembro. Não o deseje. Não o invoque. Não o invoque, repetia agora, sem ver sentido nas palavras. Apenas repetia enquanto os procurava com os olhos lacrimejantes. Eles são a minha Luz. Murmurava, vendo-se sozinha logo em frente à pista de dança.

- Ela é louca. - Afirmara Carlota, sentado ali atrás apanhando o refrigerante gelado da bandeja do garçom assim que ele chegara à órbita mais próxima. Bebia ruidosamente, limpando o líquido do queixo com as costas da mão.

- E safada...- Complementara 'Isabella seios fartos', verde de inveja, um tom acima do verde de seu vestido de cetim barato.

- E vagabunda! - Uma terceira voz fora ouvida, nasalada e irritantemente aguda. - Não faz naaada da vida. Bem! Foi o que me disse a própria mãe. - Ai, aquilo dilacerou o coração de Giulia. Que a chamassem de safada, louca, noiva de quem fosse, mas...de vagabunda? Desocupada? Doía-lhe muito, pois eram verdades absolutas. Ocorrera-lhe que tinham razão. O que ela seria? Uma professora recém-formada sem emprego? Uma estudante aguardando o resultado de um exame que parecia ter sido anulado ou ela teria perdido o dia do resultado? Uma ex-vendedora de artigos esportivos na loja do shopping? Uma bailarina que não pudera realizar seu sonho de se formar em Juilliart porque já estaria velha por demais para iniciar os estudos? Qual era o seu lar? Qual seria seu futuro se seus tios também a abandonassem? Estava noiva de um homem que a deixara livre para um outro que não a vira entre os abutres naquele momento? Ele sequer notara sua presença. Era namorada do filho dos donos da festa ou era apenas fruto de sua imaginação fértil? Ele a havia pedido em namoro? Quando se beijaram pela última vez? Um beijo profundo, intenso, cheio de sentimentos. Por que ele a evitava novamente? Por que percebia um medo constante naqueles olhos azuis e cheios de compaixão e uma pitada de raiva quando ela o via de relance? Por que a raiva? O que ela havia feito para que se afastassem logo após o acidente que ele sofrera? Eu cuidei dele. Ela agora sorria e diante de seus olhos vívidos a verdade surgia, radiante e, lá longe, as vozes, a música, o alarido das crianças e dos homens embriagados voltavam lentamente. Eu cuidei de vc, amor. Eu te dei os antibióticos...sim. É. É isso. Os antibióticos! Vc estava deitado e eu disse que voltaria logo...- Uma pontada no peito e um arquejo de dor. Faltava algo entre as lacunas. Algo que machucava seu corpo e sua alma. O rosto da mãe visto pela fresta da porta de seu quarto. O som de sua própria risada afrontosa, cheia de desrespeito. Um pedido de ajuda, uma mão que a puxava para trás! - ME SOLTA! - Gritara, desvencilhando-se, agora, da mão suave do garçom que lhe pedia passagem. Seu braço erguera-se violentamente, esbarrando na bandeja acima de sua cabeça. Os copos rolaram na bandeja e, mesmo com toda a habilidade do rapaz alto que sorria enquanto dava o máximo de si por equilibrar com um dos braços erguidos, os copos e a bandeja, as tulipas de vidro mergulharam em direção ao chão e se partiram em milhares de pedacinhos brilhantes contra o piso de tábua corrida. Giulia em desespero. Giulia pedindo-lhe desculpas. Giulia catando os vidros no chão, de gatinhas, com as próprias mãos. Giulia cercada pela multidão que a encobria e a escondia dos tios e de Nando que já havia perdido as esperanças de tê-la ao seu lado e dar início ao seu plano tão bem arquitetado. Giulia sendo erguida do chão pelo garçom, tomando-a pelo braço, com extremos de ternura diante da jovem com os olhos claríssimos e as feições atormentadas.

- Seus tios! - A voz suave do rapaz piedoso a acalmava. Ele a impedira de sair correndo atrás de uma vassoura e retirar do chão as pedrinhas de diamantes. Eram tão lindas sob as luzes coloridas. - Eles te esperam...- Falara mansamente, enquanto apontava para o centro da pista de dança, conduzindo-a, gentilmente, para longe do burburinho onde vozes, berros, risadas de deboche e sarcasmo ficavam para trás.

- Meus tios. - Balbuciara, num arquejo de alívio. Que rapazinho bacana! Tão atencioso! Mais parecia um anjo em seu uniforme de colete preto sobre a blusa branca e um sorriso franco e os olhos de um verde claríssimo que não pareciam humanos. Giulia poderia jurar que vira em seus olhos duas fendas negras dentro de um verde impressionante. Vendo-os bem de perto, ela se encantara com os desenhos. Dentro dos olhos de um verde claríssimo havia algo como pedrinhas da mesma cor. Caminhos cheios de pedrinhas brilhantes e uma fenda vertical, ao centro, que não chegavam a tocar as extremidades da íris. Não pareciam como os de Nando. Não...não mesmo. Parecem de um réptil, concluíra sem desviar os olhos espantados dos dele. De um crocodilo! Afirmara, estalando os dedos, exultante. Isso! Ele dera um risinho tímido e logo voltara à seriedade. Ela levou a mão à boca ovalada, ruborizando-se. Será que ele me ouviu? Ele assentira com a cabeça. Um outro riso mais aberto e sonoro. Meu Deus! Vc me ouve? Sim. Uau! Vc também me ouve! Vc e Carlos e, às vezes, minha tia. Isso é simplesmente fantástico. Perceba! Quais as possibilidades de se encontrar alguém com essa faculdade em um lugar como esse??? Não concorda comigo?? Isso não é simplesmente incrível??? Concorda ou não concorda??? Concordo. Ela recuara, receosa. Vira um brilho desagradável em seus olhos crocodilianos. Seus olhos são bem diferente, sabia? Sabia. Ele inclinava-se para ela, e aqueles olhos que a hipnotizavam. Não ligue para o que falam de vc. São pessoas pequenas. Eu sei. Vc é melhor do que todos eles juntos. Vc acha? Tenho certeza.

- Olha lá! Eu disse que era maluca. Falando sozinha.

Lembre-se de que vc não está sozinha. Não??? Ela sorrira, emocionada. Nunca. Sempre estaremos ao seu lado. Basta que nos chame. INVOCAR??? Dera mais dois passos para trás. Ele avançava em sua direção, sutilmente. Não. Apenas chame se precisar. Invocar é uma palavra tão pesada. Chame...se precisar. Entendo. Sua voz era rouca, baixa. Dispersa. Estavam os dois, lado a lado, olhos distantes. Algo os unia, conquanto ela quisesse sair dali. Parecia atada a ele por algum fio invisível. Seu coração enregelou quando reconhecera uma cabecinha arredondado, cabelos negros, curtinhos e os aros prateados de seus óculos sempre embaçados.

- Ei! - Cutucara o garçom com o cotovelo esquerdo, olhos de pavor e a voz vacilante. - Vc tá vendo aquele rapazinho no meio...ali! O de camisa branca e calça jeans!?

- Não vejo ninguém. - Respondera taxativo, postura elegante, braços cruzados à frente do corpo magro e ereto.

- Não é possível! Ele tá com a mesma roupa de trabalho. É o nosso uniforme! Rudolph, olha pra cá! Eu tô aqui! Meu Deus...- Exclamara mudando, de súbito o tom de voz que passara a ser alarmante. - Ele...ele tá...- E lá ia Rudolph numa bizarra fila indiana que circulava a pista de dança, misturando-se entre os dançarinos, agora, enlouquecidos. Parecia não ter vida, vigor, viço o pobre menino. Vc não consegue ver??? Ele...ele tá sangrando! Ela levara as mãos às têmporas, apertando a cabeça, num desespero. Ajuda ele! Por favor! Ele procurou. Ele achou. Ela voltara-se para a figura do garçom como se houvessem puxado sua cabeça com um barbante. Ouvira o estalar dos ossos do pescoço. Do que tá falando!? O que ele procurou e achou!? Vc sabe, Giulia. Vc sabe. NÃO! Não sei. Baixara a cabeça, e a figura gentil e doce de Rodolfo, seu melhor amigo nos tempos em que trabalhavam juntos na loja de artigos esportivos do shopping bailava em sua memória com profundo temor. Eram imbatíveis juntos! Ela, com sua beleza, atraía os compradores, em potencial, à loja. Ele os conquistava com seu jeitinho eloquente de se expressar, sincero e brincalhão. Ele me disse que não sairia mais com aquele homem. Eu disse a ele que aquele crápula era perigoso. Ele não me ouviu. Ele me prometeu. Prometeu. Ela choramingou, desalentada. Vc jura que não consegue ver a cabeça dele...ali, atrás...no crânio. Tá machucada...o sangue. Sim. Eu vejo. Então vamos lá ajudá-lo. Ele a impedira de partir atrás do amigo com um ligeiro e firme aperto em sua mão. Ela arquejara de pavor. Não poderia dizer se era um pavor decorrente do sangue que escorria pela nuca de Rodolfo, manchando-lhe a camisa polo até a altura da cintura ou se fora pelo que sentira quando ele a tocara de forma tão incisiva. Fora tomada por uma desesperança sem igual. Relances de um local onde corpos se amontoavam uns sobre os outros, embora não estivessem mortos. Um odor fétido que vinha daqueles corpos que se moviam como serpentes em seu ninho. Rajadas de um vento quente, sufocante. Gritos de horror, gemidos de prazer, vozes guturais que ordenavam enquanto outros, urravam, clamando por liberdade. - ME SOLTA! - Afastara-se dele e seus olhos dardejantes iam dele a Rodolfo e retornavam a ele, cheios de fúria, duvidosos, desconfiados, desnorteados. Rodolfo querido e sempre tão frágil que sumia entre as luzes coloridas e os casais que dançavam eletrizados. Os trompetes de Glenn Miller ainda retumbavam, gloriosos. Ele morreu? Ele assentira, vagarosamente, com a cabeça, fitando-a com os olhos hipnóticos. Ela baixara a cabeça e seus lábios e seu queixo tremiam. Enxugara lágrimas discretas com o dorso da mão direita. O que querem de mim!? Murmurara com a voz grave e seca. Erguera os olhos, fitando-o por debaixo das pestanas, com a cabeça ainda baixa. Por que não me deixam em paz? Sei quem vc é. Ela falava entre dentes, inflando as narinas e seu corpo todo estremecera até o último fio de cabelo no topo de sua cabeça. Nada que não seja para o seu bem. Estaremos aqui. Sua tia se aproxima. Quanta luz. TIA! Ela voltava, agora, a cabeça à mulher que caminhava em sua direção, sorriso nos lábios e o olhos de quem o via ao seu lado. Havia tanta firmeza em seu caminhar! Tanta dignidade e altivez quando ela erguera aquele queixo afilado, afrontando-o. Preciso ir. Lembre-se. Basta chamar. Vá pro inferno! Voltara o rosto com o cenho carregado para ele e acabara por gritar com uma criança de mãos dadas à sua mãe que lançara a ela um olhar de desprezo, arrastando o filho pelo braço.Temiam a bruxa. Ele sumiu. Estava aqui agora mesmo e sumiu.

- Venha, meu bem! - Celeste estendera-lhe o braço acolhedor e o olhar de quem tudo compreendia. - Agora, a festa vai começar. - Piscara-lhe, puxando-a para o canto de lá, onde seu tio a esperava de braços abertos. Cruzara a fronteira entre as Trevas e a Luz, com seu anjo protetor ao seu lado.

- Tio! - Havia tanta doçura e amor em sua voz. Abraçaram-se os três e Giulia, enfim, sentira-se protegida e em paz.

***

- O show deve continuar! - Enzo bradara um tanto exaltado pela alegria que exalava de seus poros e por duas ou três doses de uísque além de seu limite. - Eu te amo, Giulinha! - Gritara do meio do salão, agora, ao som de 'La Bamba", de Ritchie Valens. O tipo de música que sinalizava a todos os presentes que já haviam se fartado de tanto comer, beber e de comentar os defeitos da festa, bem como dos donos dela, o momento exato de retirar os sapatos, os paletós, gravatas e de deixarem de lado as diferenças que os separavam lá fora, e remexer os quadris, aqui, bem no meio da pista, sob os refletores que giravam em um ritmo tão contagiante quanto a canção.

Ele a girava para lá e para cá em seu traje de gângster italiano com o gingado digno de Fred Aistare. Suava em bicas, mas se negava, peremptoriamente, a retirar seu paletó ou qualquer outra peça de sua indumentária. Meu bem! Eu me produzi para esta noite! Levei dias para escolher com que roupa eu viria. Ora! Não peça agora para tirar uma peça sequer. Se eu tiver que morrer de desidratação, que seja agora! Uivavam de rir Celeste e Enzo em meio à pista de dança. Talvez pela alegria em ter visto Giulia chegar em segurança. Talvez por estarem inebriados pelos quarenta anos de uma união abençoada e poderem comemorar em grande estilo. Talvez, Celeste não parasse de rir por estar ao lado do homem de sua vida que se mostrava atento a todos os detalhes e nada havia esquecido até então, ou talvez, fosse pelo medo de que ele, num repente, voltasse à Escuridão. Talvez, pelo filho que, agora, diante de Giulia, seria obrigado a parar de beber como um alcoólatra, jogando goela abaixo, um copo atrás do outro, incentivado por amigos que não queriam o seu bem. Celeste entre um giro e outro, pra lá de tonta, decorava as feições, nos mínimos detalhes, dos que o estimulavam a encher a cara. Anotar na agenda: Castigar, com requintes de crueldade, Victor Hugo, Salatiel, Carlota e seu protótipo, Carlotinha com vestido 'explosão solar'.

Enzo, aos berros, acenava à Giulia, com os braços esticados para cima, saltitando como um atleta que estivesse a se aquecer para um salto ornamental na plataforma de uma piscina. Graças a Deus, Celeste pensara enquanto engolia a própria saliva, pois estava sedenta e exausta e pingava, a pobrezinha. Seus cabelos estavam um horror e o xale que cobria, no início da festa, as partes desnudas havia se perdido entre os convidados que entupiam a pista de tábua corrida tão desejada por sua filha. Certamente, o xale estaria nas mãos de Carlota, sua arqui-inimiga que se vingara de Celeste. Aquela bolsinha de alcinhas douradas que Celeste, pessoalmente, lhe oferecera fora um golpe certeiro entre os seus olhos ridiculamente pequenos, bem no meio de seu nariz aquilino. "Retire os docinhos e também os salgados da bolsa, meu bem. Ah! E não se esqueça dos enfeites da mesa que estão aí dentro. Olhe só! Como é grande essa bolsa! É Couro legítimo, Carlotinha???". Celeste gargalhava de inclinar a cabeça para trás. "Pois então, meu bem! Trouxe esta sacolinha que é um primor. Vamos! Ponha tudo aqui dentro, em ordem e, quando chegar à sua casa não precisará sequer preparar o jantar! Não é maravilhoso??? Heim??? Hum???"

Celeste vibrara ao ver aquela pele seca, desvitalizada e agora, branca como um papel A4. Riscar da lista de vinganças: Carlota com cara de papel A4. Ei, meu bem! Acenava agora ao garçom. Me traga um desses! Celeste, aproveitando-se da folguinha que Enzo lhe dera, pois precisava amarrar os cadarços de seus sapatos lustrosos onde vira seu próprio reflexo, ajeitara também os cabelos em total desalinho. Celeste, coração aos saltos, sorrira ao rapazinho bonito a quem conhecia desde pequenino. Que pedaço de mau caminho o Zequinha se transformou! Exultara. Ah! E seja breve, por favor. O homem ali está uma brasa! Voltava a rir de curvar o corpo para frente. E o som estava tão alto que ela mal ouvia a própria risada. Pois bem. Rirei mais alto ainda! Emborcava uma taça de vinho branco, revirando os olhos, dando de ombros. Morrerei mesmo. Que diferença fará um gole a mais ou a menos. E lá estava Enzo, a postos, pernas semiflexionadas, o braço direito estendido em sua direção e o esquerdo, logo acima de sua cabeça.

- Esgrimista, meu amooorr! - Perguntara Celeste, descabelada, porém, sem perder a ternura. Enzo enchera-se de orgulho e a puxara para si e seus corpos encontraram-se violentamente. Ele estava tão eletrizado que parecia estar sobre fios desencapados, com os pés descalços, sob uma chuva fina. Seus olhos sorriam, embora sua alma estivesse plena de medo. "O que os olhos não veem, o coração não sente". Esse fora o lema de Enzo naquela noite. Jamais deixaria que ela soubesse que não conseguira se vestir sozinho. Contara com a ajuda inestimável de Eugênio, seu grande amigo e um dos mais antigos funcionários de seus restaurantes. São pequenos lapsos, meu velho! Pequenos lapsos!

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De sua cabine, o DJ aguardava, atento, as ordens de Fernando que, um tanto cambaleante, parecia perdido, pois não a vira entre os pais ou mesmo entre o povo que, aos seus olhos um tanto confusos e avermelhados e embaçados, assemelhavam-se aos nativos das tribos africanas em seus bizarros rituais de acasalamento. Desisto. Ele dissera puxando uma cadeira vazia, onde, antes, os convidados refestelavam-se com a fartura que ele mesmo planejara, detalhe por detalhe. Jogava o tronco sobre a mesa, vencido, atordoado, exausto, embriagado e com saudades dela. E tudo o que eu planejei? A música, a fumaça, o azevinho...- Cruzara os braços sobre a mesa e afundava a cabeça entre eles. - A vida é uma bosta! - Ouvira o eco de sua própria voz. Ali, dentro de seu mundinho onde voltara a ser criança, ele chorou, bem baixinho. Não o notariam. "Para bailar la bamba" era entoado com fervor por todos ali, naquele lugar de onde ele fugiria caso suas narinas, ainda entupidas, não houvessem detectado aquele inconfundível cheirinho de lavanda.

Um suspiro aliviado...

Morgana Milletto
Enviado por Morgana Milletto em 28/09/2019
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