LIBERTATEM - capítulo 07

Sentia-me dentro do que assistia, entendia o que era dito, mesmo quando o idioma era alienígena (graças às mãos de Thráf), e vi religiosos atacando visitantes, chamando-os de demônios; militares prendendo e torturando os que se deixaram levar; bandidos aprisionando outros, com ideia de lucro; espiritualistas atraindo etes para rituais absurdos; cientistas, interessados em tecnologia e domínio do metabolismo diferenciado, aliados a outros militares, tratavam de arranjar meios de extorquir informações e dissecar corpos. Muitos outros entraves pude ver, e apenas em raríssimos casos havia algum resultado, minimamente, positivo.

Estava chateado e confuso. Por que me exibiam tais cenas?

- Afinal, o que pretendem fazer entre nós? Salvar o mundo do caos?

O baixinho folgado deu um pulo alto e me tascou um fique-bobo na testa.

- Que é isso, cara? Tá doido? Agressão gratuita, agora?

- Veja se acorda, tonto! Não somos santos, salvadores ou milagreiros.

- Nunca disse que eram, e nem me interessa o que sejam. Vê se me esquece, pirralho!

Thráf interveio em nossa discussão, achando que deveria esclarecer e suavizar.

- Aldeín é impaciente, e por esse motivo não faz parte dos grupos de contato.

- E aprecio muito isso!

- Melhor ainda pra quem não vai agüentar sua grosseria, pouca sombra!

- Deixem de discutir por bobagens! Eu o trouxe aqui, Natan, porque queria lhe mostrar o quanto seus iguais deturparam mensagens que deixamos e distorcem nossas muitas tentativas de contato, com reações extremadas ou segundas intenções.

- Parte da culpa é de vocês, porque mensagens que conheço são truncadas, em sinais esquisitos, indecifráveis, que dão ensejo às mais bizarras interpretações, contatos em locais ermos, envoltos em mistério, suspense. Por que não fazem tudo às claras, no meio de todos, em locais públicos, com boa visibilidade e conversa direta?

- Não podemos provocar pânico ou interferir em seus costumes e evolução própria.

- Mas podem dizer quem são, como são, de onde se originam e o que pretendem.

- Talvez seja o correto. Precisamos de gente como você para não fracassarmos.

- Pessoas como eu? O que é que tenho a oferecer, menina?

- Você é desapegado de bens, não tem interesses escusos, não tem restrições ou tabus, não se sente preso a um dogma, tem visão universalista e é tendente ao bem.

- E, socialmente, não sou ninguém. Sou um zero à esquerda, garota. Falido.

- Os valores sociais da sua humanidade não nos interessam, neste momento.

- Mas que representatividade eu tenho? Nenhuma!

- Façamos um trato! Tentaremos um trabalho conjunto, e se você não se adaptar ou não gostar de participar, não o incomodaremos mais. Que tal?

- Topo! Só quero que me explique melhor qual é a daquele brasão e seus dizeres.

A sala escureceu, novamente, e outra projeção encheu o recinto. Assistia a conversa entre grupo de humanos e alienígenas. Triste! Cada grupo dizia coisa diferente, e o entrave não era o idioma, porque os visitantes dominavam nossa e outras línguas, além de possuírem tradutor simultâneo, mas os objetivos não batiam. Parecia conversa de hospício. E ficaram assim por horas. Vimos tudo acelerado. Humanos queriam equações e respostas científicas, enquanto os de fora se consultavam, mutuamente, sobre como sair do impasse. Os membros do grupo humano, ao fim daquela porcaria, felicitavam-se, achando que tinha sido produtiva a interação, enquanto os visitantes se lamentavam, por mais um insucesso.

- Isso que viu foi uma das muitas reuniões de contato mais amenas, que foram feitas, ao longo das últimas décadas, em várias partes do mundo, com gente de todo tipo, como ateus, crentes, militares, espiritualistas, cientistas, estudiosos diversos, governantes e artistas.

- Nem todas, imagino, foram tão ruins assim, né?

- A maioria é bem pior. Se não há violência, há ameaça ou imposição de todo tipo.

- Barbaridade! E qual é a do nome: LIBERDADE LIBERTATA?

- Foram tentativas de comunicação como a que viu, que deram origem ao termo. Porém, é preciso explicar detalhadamente, porque tudo se alterou, a partir de determinado momento.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 31/10/2019
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