''METAMORFOSES' - Do livro Giulia - Quando a Luz se apaga

Como era de se esperar, o retorno de Enzo fora amplamente comemorado. Tanto pelos que se uniram às buscas incessantes como pela própria família que, enfim, pudera descansar, sabendo-o longe dos perigos pelos quais passara em sua curta jornada por um 'mundo encantado', segundo suas próprias palavras.

Voltara um tanto modificado. Mais abatido fisicamente conquanto seus ânimos estivessem aflorados como se estivesse ora sob o efeito de drogas estimulantes ora em estado de narcose. Adormecera por um dia inteiro, embora Celeste, sempre ao seu lado, soubesse que ele estava ali, presente, consciente de tudo. Ela agora o cercava de cuidados e, em seu íntimo, nutria mórbidos pensamentos. A culpa e o remorso a estavam corroendo. Bastava-lhe um olhar dele para que ela enxergasse seus desejos e refletisse sobre os mesmos durante a noite, olhando para o teto, vendo o luar transformar-se naquela escuridão total que antecede o amanhecer.

- Vc chegou a ler a carta, meu bem?

- Hu-hum...

- E?

- Como vc quiser, meu amor...

***

Os dias se passaram e nele, ainda havia um estado de excitação, de intensa euforia e uma forte sensação de poder quando em companhia de visitas, amigos que se encantavam em vê-lo tão bem disposto.

Despediam-se certos de que o pior havia passado e que, dali por diante, Fernando poderia voltar à sua vida normal, pois seu pai, certamente, estaria curado. As visitas chegavam e saíam e nada viam além do que gostariam de ver. Nada além da superfície, dos olhos risonhos de Enzo e de seu tagarelar constante, sua fala rápida. Não notaram, porém, o aumento de sua pressão arterial ou de sua frequência cardíaca. Não presenciavam as constantes crises de descontrole emocional tampouco a diminuição de um sono reconfortante ou a perda constante de seu apetite.

Jamais estiveram presentes, as visitas que já rareavam, à perda total da noção da realidade quando ele ainda se via diante de seus súditos, no que ele chamava de "seu castelo medieval", ordenando, atormentando, declamando poesias ou lamentando a ausência da mãe, anunciando sua chegada com o irritante som metálico do toque da bengala sobre o piso de cerâmica que o antecedia. Aquele som cadenciado e fúnebre passara a ser temido por todos, pois, denunciavam o estado de degeneração do corpo do homem que outrora saltitava ao invés de andar. Junto ao som, também vinham as palavras desconexas, num tom soturno que ele acalentava e que pareciam ficar grudadas às paredes do corredor quando Giulia elevava os olhos temerosos e logo os desviava para não enxergar os pontos escuros que se alastravam nos cantos do teto da casa como pequeninas infiltrações. Nesses momentos, ao invés de correr para os braços da tia e implorar que rezassem juntas, preferia isolar-se em seu quarto, conversar com seu filho, fechando as persianas das janelas, mergulhando na escuridão. Sentada sobre o colchão, pernas cruzadas, sentia o peso dentro de si e, por um instante incrivelmente nítido, via a vida pulsar em seu útero. Admitia a fadiga exaustiva bem como o incômodo e o desconforto. Desejava ser tão leve quanto sempre o fora. Ser atraente aos olhos do homem que custara a conquistar, mas também sentia a satisfação, a excitação crescente e a simples maravilha de ser capaz de carregar aquela vida. Cerrava os olhos, abrindo um largo sorriso, vendo-o nadar e dormir um sono sem sonhos no ventre quente e escuro. Sabia-o alimentado e seguro até o momento em que o mundo externo tivesse de ser enfrentado por aquele coraçãozinho pulsando saudável e firme.

Do rosto de Giulia, o sorriso sumia. O medo crescia, a respiração lhe faltava. Respira...inspira e expira. Inspira e expira, dissera a si mesma, sentindo-se claustrofóbica, as paredes que a comprimiam, as vozes que sussurravam palavras em outros idiomas, as lufadas de ar quente e o doce cheiro distante e distinto que, por vezes, insistiam em invadir o quarto pela brecha entre o piso e o beiral da porta e que logo desapareciam quando ela se imaginava envolta em um círculo de luz violeta. Recobrava os sentidos a custo, vencendo, bravamente o impulso de se entregar ao desânimo e à desesperança que vinham lá do quarto de seus tios. Pousava a mão sobre a barriga e se encantava ao encontrar os minúsculos dedinhos, flexionando-se, um chute preguiçoso, a vida amadurecendo dentro de si. Dessa forma, passava seus dias naquela casa onde havia luz antes de sua chegada. Sentia-se culpada. Julgava-se, lá no íntimo, amaldiçoada. Por onde passava, deixava rastros de trevas. Ao menos, era o que ouvia as vozes que não mais lhe deixaram em paz desde que aceitara a súplica de sua tia e abrira um portal ao Esquecido.

- Não o invoque. Não se lembre dele. - Repetira, bocejando, antes de mergulhar num sono profundo, acolhendo o filho entre os braços que circundavam a barriga. - Deus...cuida dele por mim.

***

Ela o via caminhar com o tronco curvado, apoiado em sua bengala. Ele fitava o chão e contava e recontava o número de pisos que havia no comprimento entre o batente da porta da sala de estar até a porta da cozinha e, quando lá chegava, encontrando o sorriso plácido de Celeste que o esperava à mesa, esquecia-se de tudo. Lembrava-se apenas de sorrir de volta, com os olhos turvos e uma amargura indescritível nas faces ainda rosadas.

- Vem, meu anjo. - Ela, num sussurro, o convidava com a voz cheia de ternura, estendendo-lhe o braço, oferecendo-lhe o coração enfraquecido. - O café tá pronto. - Ele aspirava o excitante aroma do líquido que fumegava em sua xícara, beijava-lhe a testa e, com dificuldade em manter as pernas firmes, jogava-se na cadeira. - Do jeito que vc gosta. - Ela fingira não reparar nas mãos trêmulas dele ao segurar a alça de porcelana ou nos respingos de cor marrom sobre a toalha branca, de renda francesa. - Amargo, com cinco gotinhas de adoçante.

- Cinco e meia, amor. - Corrigira-a numa piscadela. - Cinco e meia.

- Só vc pra me fazer dividir uma gota em duas! - Ela abanara a cabeça com indulgência. Tocara em seu antebraço, afagando-lhe os pelos.

- Só vc pra me fazer continuar a viver...- Ele falara tão baixo, pousando a xícara sobre a toalha manchada, e tão sentidamente que ela emudecera, levando a mão ao peito. - Precisamos conversar. - Ela assentira com os olhos cerrados, entrelaçando os dedos com os dele. - Juntos para sempre?

- Para sempre. - Abrira os olhos convictos, brilhantes, insanos.

***

- A gente precisava fazer mais exames, mãe.

- Deixa ele quieto!

- O pai é meu!

- É meu também!

- Então somos irmãos??? - Dera uma sonora gargalhada, enquanto Giulia jogava-lhe no rosto o miolo de seu pão tão arredondado, amassado, enrolado e duro quanto um cristal de Malaquita. - Era o que me faltava! - Desviara-se a tempo de levar um tiro no olho esquerdo da pedra que o faria pensar com clareza. - Fica quietinha, amor. Come e fica quietinha. - Fernando repreendia Giulia, com uma das sobrancelhas erguida. - O assunto aqui é sério. - Voltava-se à mãe com um ar zombeteiro.

- Não me diga??? Meu bem! Perdão! - Exclamava ofendida, a voz aguda, braços sobre a mesa e uma fúria em seus olhos dirigidos a ele. - Eu viajei para os países nórdicos e somente retornei agora! Como pude! Uma lástima! Perdi tudo! Tia! - Voltava os olhos sarcásticos à Celeste que somente por ela, conseguia dar risadas. - A senhora poderia, por gentileza, me informar sobre os últimos acontecimentos ocorridos nesta casa??? - Ofegava e falava ao mesmo tempo. - Parece que esse monstro...- Afastava-o dela, num solavanco, com a mão esquerda em seu rosto. - Ele não sabe que eu estava aqui o tempo todo! - Gritara contra o sorriso dele que a fitava com desejo. Fernando parava para apreciar aquela beleza selvagem, louca, cabelos desgrenhados, os seios que saltavam para fora de sua camisa que era dele, com os três primeiros botões fora das casas. Não por querer sensualizar. Eles realmente não mais se encontrariam até que os seus seios voltassem ao formato anterior ao da gravidez. Ele imaginara, por segundos, no que faria a ela, em seu quarto, logo após o almoço. - Tira esse sorrisinho imbecil da cara, seu idiota! Acha que eu não estava aqui quando tudo aconteceu??? Ele é meu pai também! Vcs são a minha família!

- Se acalma, meu bem...- Celeste pousava as mãos sobre as dela. - É assim mesmo nos últimos meses. - Lançava-lhe um olhar de compreensão e solidariedade. Giulia sentira o cansaço, a tristeza a percorrer a alma de sua tia. Sentira a escuridão que a tomava por inteiro. Retirou, de súbito, suas mãos debaixo das de Celeste, assustando-a. - Vai passar. Assim que o nosso bebê nascer, vai passar.

- A culpa é dele!

- Minha??? - Tendo visto o ressentimento nos olhos da mulher a quem amava como mãe, Giulia tomara para si as mãos de Celeste, beijando-lhe os nós dos dedos. - Perdão, tia.

- Vc se intromete na minha conversa com a minha mãe, distorce tudo, grita, me agride e a culpa é minha??? Já tomou seus remédios? - Perguntara já arrastando a cadeira para longe da dela. Dentre todas as perguntas do mundo, aquela era a que ela mais odiava. Principalmente, vindas da boca onde pairava um sorriso irônico grudado naquelas faces perfeitamente mal barbeadas. - "Me arranha, seu imbecil! Me machuca, me arranha, me maltrata, seu canalha!" - Ei...- Ele estalara o dedo em frente aos olhos lascivos dela. - Tá pensando em sacanagem?

- Ora! Vá pro inferno! - Empurrara-o com as duas mãos espalmadas em seu tórax nu, permanecendo com as mãos ali tempo suficiente para sentir suas entranhas estremecerem. - VÁ PRO INFERNO!

- Tá com tesão! - Ele afirmara, sorrindo.

- Bastardo!

- Crianças...- Saudara o tio recém-chegado à cozinha. Braços abertos, sorriso espontâneo e um longínquo lampejo de dor nos olhos compassivos. - Vcs nunca vão crescer?

- Não. Ela é e sempre será um pé no saco! - Fernando, prontamente abraçado ao pai, ajudava-o a se sentar à mesa, enquanto ria da mulher que praguejava, de pé, num canto da pia. Ele a via soluçar e beber água ao mesmo tempo, engasgando-se, tossindo e voltando a praguejar. - Eu te amo. - Pronunciara bem ao lado dela.

- Ah...me deixa.

- Há quanto tempo a gente não namora? - Ele murmurou em seu ouvido, vendo seu rosto se iluminar novamente. Giulia agarrava-se à pia, arquejando, emotiva, descontrolada, desnorteada. - Vem...vou cuidar de vc. - Ele a fez girar de volta à mesa, sentando-se em frente a ela. O dorso de sua mão acariciou as faces afogueadas da mãe de seu filho que pareceu gostar do carinho. - Ele se mexeu! - Fernando avisara com a mão sobre o ventre, olhos extasiados.

- Mexeu...- O bebê sentia, agora, as mãos dos pais unidas sobre ele.

- Em breve, teremos mais um para provar suas delícias, amor. - Celeste afirmara, recostando a cabeça ao pescoço de Enzo que permanecera calado, observando, analisando, abençoando a vida do neto de quem sentiria saudades. - Não pense em bobagens, meu velho. - Celeste cochichara quando ouvira seus pensamentos. - Vc vai ver seu neto sim. E ainda vai brincar muito com ele.

- Certamente. Certamente...- Suas mãos se uniram, entrelaçando-se, com força. - Eu o verei crescer...de onde quer que eu esteja, eu o verei crescer.

***

Naquela mesma tarde, Vincenzo Tomazzini pusera, literalmente, a mão na massa. Exultava de felicidade ao retirar do forno o refratário fumegante, sob o olhar desesperado de Fernando que fora afastado pelo próprio pai que dizia-se ainda capaz de levar um prato à mesa. Tão feliz quanto uma criança às vésperas do Natal, distribuía risadas e piadas como nos bons e velhos tempos, sendo observados pelos olhos embevecidos de seus entes queridos que o viam de volta. Agradecia, em uma reverência teatral, os aplausos de Giulia, Fernando e Celeste que se entreolhavam com a cumplicidade dos que temem, sofrem em silêncio. Ele estava ali. Era o que todos eles pensavam. E somente por ele estar ali, por inteiro, tudo teria valido a pena. Todos os esforços, os medos, as sombras, o horror. Tudo valera a pena. Enzo espanava o aroma delicioso da lasanha com as mãos, como um maestro que rege sua orquestra. Giulia pensara que tudo estava tão perfeito naquele quadro e, ressabiada, procurava algo de obscuro, escondido por entre os móveis ou debaixo da mesa, mas, não. Estava tudo tranquilo. Ela sorria entre lágrimas, afagada por Fernando que contivera as suas. São os hormônios, ela repetia enquanto abria a boca, aceitando as generosas garfadas dos pedacinhos de massa com o queijo derretido, esticado até seus dentes. Fernando a enchia de mimos e beijinhos nos cantos dos lábios borrados pelo molho ao sugo.

- Vc vai ser um péssimo pai, amor. - Reclamava irreverente, semicerrando os olhos úmidos, imaginando-o a alimentar o filho com papinhas. - Mas eu te ensino. - Abria a boca à espera de outra garfada, assustando-se, excitada, com o roçar do nariz dele em seu pescoço. - Eu te ensino...- Suspirou, revirando os olhos, acalmando seus instintos. Estava subindo pelas paredes, morta de saudades daquele corpo sobre o seu, daqueles beijos e da intimidade que dera lugar ao desespero nos dias terríveis pelos quais passaram. Ela soubera esperar e, agora, lançava-lhe olhares ora lascivos ora inocentes, confusa, aflita, insegura com relação à sua forma física nada atraente, segundo suas próprias conclusões.

- Esta receita é muito simples e fácil de fazer! - Anunciara, de súbito, Enzo, lançando a todos um olhar inquietante. Por segundos, todos ficaram parados, coração aos pulos, aguardando uma nova e tormentosa mudança de humor. Ao ver aqueles rostos imobilizados, olhos arregalados, ele dera uma risada escrachada e ainda rindo, continuou. - Leva molho vermelho, carne moída, queijo mozarela - Fizera questão de carregar no sotaque italiano - E presunto por entre as folhas de massas. - Então, todos arquejaram de alívio e um sorriso pálido surgira nas feições absolutamente transformadas de Celeste. Seu brilho se apagara quase que por completo e seus olhos já não eram os mesmos. Aquela doce inquietude que a fazia girar os olhos, balançar a cabeça e os cachos do cabelo, tombando-os levemente para trás, havia sumido. Desaparecido, sem deixar rastros. Estava viva, pois respirava, mas, lá no fundo, bem no fundo, reconhecia que nada, nunca mais, seria como antes. - Ah! - Enzo erguia o garfo como quem empunhasse uma lança flamejante.- Lembrando que a camada superior deve ser de queijo para garantir o visual gratinado ao prato. - Terminara com uma outra reverência, olhos distantes, brilhantes, iluminados por refletores vindos da ribalta. Ele observava as cortinas se fecharem diante de si. - "Meu último ato.", pensara e Giulia o ouvira.

- Deus...- Giulia murmurara, olhos cheios d´água, cabeça baixa, evitando olhar para Fernando que correspondia ao sorriso que o pai lhe enviava. - Ele não vai...

- O quê? - Fernando sussurrara em seu ouvido, ciente de sua preocupação. No entanto, desde que o pai permanecesse a salvo, trancafiado em casa, nada mais lhe importava além de voltar à sua vida de antes e aos braços da mulher que, aos seus olhos, tornava-se, cada dia, mais suculenta. Tão suculenta quanto a massa que saboreavam. - Tá gostosa.

- Hein??? - Giulia voltara o rosto a ele, num gesto de puro contentamento. Estava feliz dentro daquele mundo bizarro em que todos haviam mergulhado. Estava ao lado dos que a amavam e dos que eram amados por ela. Seguiria até o fim, ali, perto deles. - Vc falou comigo?

- Sua boca...tem...- Ele fizera um ligeiro gesto com o dedo indicando um pouquinho do molho em seu queixo. - Vc é hilária. - Dera um risinho descontraído o que a fez perder o equilíbrio.

- O quê??? - Arregalara os olhos de um castanho claríssimo, entreabrindo a boca, num recuo de tronco espetacular. - Alguma mancha? Machucado? Ferida? - Levara a mão ao peito e numa de suas clássicas cenas dramáticas, com a outra mão, amparou a testa. - Eu estou horrível! Um monstro...uma vaca leiteira, fedendo a leite...não suporto...

- A massa, amor...

- Como? - Ela nada entendera quando o vira avançar sobre si. Aqueles olhos...aquele sorriso cafajeste! Ele roçara levemente os lábios sobre os dela antes de virar a cabeça e passá-los sob a linha do seu queixo. - Ahhh...- Um suspiro misturado a um gemido de prazer ecoara pela cozinha, chamando a atenção do tio que batia palmas enquanto deglutia, avidamente, pedacinhos de pão que limpavam o molho de seu prato.

- Isso, filho! - Falara de boca cheia sob o olhar sombrio de Celeste. - Cuida bem dessa menina! Ela vale ouro!

- Eu sei, pai! - Assentira com um sorriso no canto da boca. Giulia enrubescera, ofegante. - Eu tirei a sorte grande. Era um saco no início. Chatinha, feia, magrela, cabelos de cuia...

- Cachorro! - Ele erguera os braços mesmo antes dela começar a estapeá-lo na cabeça. Conhecia seu ponto fraco e, lembrar-se da época em que sua mãe lhe obrigava a manter os cabelos cortados à navalha, era um deles. - Isso não se faz...- Choramingou, recostando a cabeça sobre a mesa, francamente abalada. - Vc sabe o que isso significa...

- Fernando. - Celeste o repreendera com brandura, mas ainda faltava-lhe aquele sorriso que era somente dela. O filho sentira a diferença nos novos hábitos soturnos de sua mãe. - Peça desculpas, meu filho. Ela sofreu muito nessa época...

- Eu não quis...

- Mas magoou...- Giulia afastara a cadeira da mesa e, a custo, erguera-se sozinha, empurrando-o para longe de seu corpo. - Não toca em mim. - Avisara-o, ressentida. - Dá licença. - Estacara quando ele impedira seu caminho, levantando-se de chofre. - Fernando...- Suplicara com lágrimas nos olhos. - Eu tô cansada. Minhas costas estão doendo...deixa eu passar. Quero ir pro...- Mal terminara a frase e já estava nos braços fortes de seu amor. - Eu tô pesada! - Exclamara, inebriada, divertida, agarrando-se ao pescoço dele, temendo cair no chão e parir ali mesmo. - Não anda, Fernando! PARA!

- Não grita.- Ele falara baixinho ao seu ouvido enquanto a levava em direção ao quarto. - Seus gritos me excitam e hoje...

- O quê? - Dissera de um jeito manhoso, sorrindo consigo mesma.

- Vc é minha. Só minha. - Ele a levava às pressas através do corredor e quando vira a porta do quarto fechado, tratou de abri-la com um chute certeiro. Giulia dera um gritinho eufórico quando a porta se encontrara, dramaticamente com a parede, próxima à cama. - Tonight's the night, baby!

- Rod Stewart! Blargh!

- Melhor do que "Dreaming...i must be dreaming..." - Cantarolou numa passável imitação de Anne Murray. Ela ouvira sua gargalhada afrontosa antes de girar em seus braços e, com um grito de pânico, cair sobre ele, no colchão macio, envolto por almofadas fofinhas e cheirosas. - Vc é muito brega com relação à música. - Falara, arquejante, cansado, aliviado, excitado, estirado ao lado dela.

- Nem pense nisso.

- Em quê? - Ele enroscara a ponta do dedo na mecha do cabelo dela e, com delicadeza, aproximava sua boca da dele. - Nem sei do que tá falando...

- Fernando! Eu me nego a ficar nua na sua frente! - Erguera o queixo. - Estou horrenda. Não mesmo! Nem que San Juan Diego volte a Terra.

- De novo esse santo??? - Impaciente, arqueou o corpo e o girou sobre ela, prendendo-a com as duas mãos.

- Sai de cima de mim! - Ameaçara, indefesa. - Eu vou chutar os seus culhões. - Outra gargalhada estridente que a fizera enrubescer de raiva.

- Diz que me quer, diz. - Ela fez que não, mordendo os lábios úmidos. Ele a obrigara a abrir os lábios provocando-a com a ponta da língua. - Diz...- Ela riu, ofegante, sentindo os beijos dele em seu pescoço.

- Para, Fernando! - Ele ouvira seu gemido de aprovação. - É perigoso...

- Perigoso sou eu cheio de tesão!

- Fernando! Palavras chulas na frente do nosso...

- Vc tá gostosa pra caralho! - Exclamara entre risos, observando-a com o corpo erguido sobre o dela. Aquele corpo que se transformava a cada instante e permanecera tão fascinante quanto o era na época em que ele começara a se interessar por ela. - Como eu pude ficar tanto tempo sem vc? - Ele a fitava com tanto carinho que a enternecera. Giulia sentira um súbito ardor na garganta, os olhos ardendo e seu coração parecia dissolver-se no peito. Ela o amava mais do que nunca.

- Eu tô feia...- Resmungara, de olhos cerrados, a cabeça afundada no travesseiro fofo de plumas de ganso. A camisa dele a cobria até acima dos joelhos. Ela amava usar suas camisas e andar pela casa sentindo seu cheiro o dia inteiro. Jamais precisaria se separar dele dessa forma, mesmo quando ele estivesse no trabalho. - Não sei o que vc vê em mim. - Suas pestanas encontravam-se, aflitas. Ele tomara-lhe o braço, os dedos deslizando desde o ombro até o pulso. - Faz cócegas...- Ela sorriu e ele pensou que ela jamais fora tão linda, nem tão sua. - Não me olha desse jeito! Tá me achando gorda! Eu sei! - Ele fez um gesto de indagação com os olhos comprimidos. - Vc me conheceu magra. Depois, eu fiquei um pouco mais bonitinha...

- Muito mais!

- Então...daí, a gente começou a se entender...- Mesmo enquanto falava sua boca movia-se avidamente sobre a dele. - E vc veio e me desviou do bom caminho...

- Eu? - Arqueara a sobrancelha enquanto ela levantara a mão até o peito dele e deixou-a ali, os dedos espalmados, sem resistir nem convidar. - Eu te seduzi?

- Sim, senhor! - Declarara com os olhos cerrados, as pontas dos dedos dos pés numa aflição, o peito arfante, a boca umedecida. - Eu era uma criança. Um tola criança.

- Vc ainda é uma criança que carrega outra criança.

- Vc é muito seguro! Muito macho! Muito adulto! - Ela engrossara a voz, abrira os olhos e então toda sua fúria se dissipara ao encarar aquele sorriso com as covinhas e os dentes caninos à mostra. - Seu crápula! - Ele abaixara-se até que estivessem cara-a-cara. - O quê?

- Te peguei! - Ela fez uma careta e depois mordeu-lhe o lábio.

- Sim...pegou. - Giulia beijou-lhe a ponta do nariz, depois o rosto, o queixo, os lábios. - Sou sua...pra sempre. - Confessara baixinho, emocionada.

- Eu sou seu. Demorei pra perceber isso, mas, sou seu. - Ela quisera falar e falar e ele, temendo perder a sensibilidade que lhe aflorava à pele, pela primeira vez em sua vida, queria dizer a verdade e somente a verdade. - Shhh...- Tapara-lhe a boca com a sua. - Deixa eu falar. Eu preciso. - Ela, com os cabelos espalhados pelo travesseiro, olhos inundados de lágrimas, a boca rubra, o nariz inchado...estava tão bela e plácida. - Sem vc, eu não teria conseguido. Sem vc, meu pai estaria ainda perdido...

- Rimou...- Ela dera um risinho. Ele beijara-lhe a testa demoradamente. - O que vc tem? - Falavam baixinho.

- Amor. Muito amor aqui dentro...- Levara sua mão ao peito. - E é só seu. Vc se mostrou tão forte, tão...tão firme enquanto eu me perdia por aí.

- Não fala mais nada, Fernando. - Dissera enfurnando os dedos nos cabelos macios dele, puxando seu rosto, sua boca contra a dela. Agora o mundo era lento e com um gemido, ela pressionara a boca no pescoço másculo dele. - Quero vc. - As palavras dela provocaram um latejar na cabeça de Fernando. Um latejar rítmico, lento, sedutor.

Ele a procurou e ela o respondera. Seus corpos se mesclaram suavemente como nunca havia sido antes. Ele agora a tocava com doçura, sem a sua voracidade habitual. Fora um momento doce, lindo e intenso. Com um suspiro, ela saboreava sua pele, sentindo-lhe as diferenças. Quente aqui, mais fresca ali. Um intenso pulsar do coração sob os lábios dele. Percebera, entre as nuvens, o quanto adorava aquele corpo, seu formato, a largura de seus ombros, o peito forte e macio. Um rápido estremecimento da barriga dele ao seu toque.

- Não me deixa nunca. - Ele suplicara. Ela não o entendera. Era ela quem necessitava dele para viver. Era ela quem sempre lhe suplicara, implorara por seu amor. E agora, ela o via tão dependente do amor que sempre guardara para ele. Não quero acordar, Giulia pensara, sorrindo. Nunca havia sido mais feliz em sua vida até aquele momento. O Amor dele era todo dela e seria eterno. - Não chora, amor.

- Não me solta. - Ela pedira num sussurro, esfregando o rosto no corpo dele. Enquanto ela o abraçava, ele a penetrou. Moviam-se juntos e ela pensou estar ouvindo música, mas ouvia os batimentos do coração dele em uníssono com o dela. Pensara em encantamentos, magia e no quanto seriam felizes dali por diante.

Elevavam-se juntos até o clímax e quando não conseguiram chegar mais longe, ele esvaziara-se nela e seus corpos estavam fracos e molhados de amor. Ela mergulhara o rosto em seu peito, tremendo quando ele a abraçou e suas mãos se encontraram, agarrando-se com força. Findaram, sonolentos de prazer, seus lábios tremendo a cada respiração, os olhos que se encontravam e, como se ele tivesse visto uma sombra de medo no olhar dela, sussurrara em seu ouvido.

- Acabou, amor. O pior já passou. - Ela fitava o teto, com a mão grudada a dele. apertando-a com muita força. - Ei...não foi bom?

- Sim. - Ela parecia mergulhar em outro mundo, olhos contraídos, boca seca. Voltara exalando um profundo suspiro como um náufrago de volta à superfície. - Nunca foi tão mágico, tão lindo e encantador. Vc é meu. - Ele assentira com a cabeça. - E agora eu sei disso. Agora...eu sei.

- Pronta pra se tornar uma mulher de respeito, Sra. Tomazzini?

- Deus! - Erguera-se de súbito, olhos vívidos, reluzentes, cabelos em desalinho, mãos sobre o peito arfante. Cobria com a barra do lençol, os mamilos marcados, avermelhados, devorados por ele. - Eu tinha me esquecido!

- Já marquei e já paguei. Agora, é só casar. Não dá pra recuar. - Dissera-o, encaixando-se por trás do corpo dela. Abraçava a mulher e o filho ao mesmo tempo e aquilo, para ele, era inexplicavelmente tão simples e complexo e tão tranquilizante. - Aceita ser minha esposa, Giulia? - Ronronara em seu ouvido.

- Aceito. - Balbuciara, apertando os braços dele em torno de si mesma. Ele beijava suas costas e, talvez por isso, não chegara a ver um lampejo de temor nos olhos dela. - Pra sempre?

- Pra sempre.

Morgana Milletto
Enviado por Morgana Milletto em 03/11/2019
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