TRANSVIVÊNCIA DISTINTA - capítulo 07 final

- Aprendi a amar minha mulher e filha, mesmo sabendo terem sido dele.

- Só o fato de conseguir amar alguém, além de seus prazeres, é evolução considerável.

- Elas são maravilhosas! Impossível não amá-las. Isso não tem mérito.

- Quem decide o mérito não é você. Como já decidiu sua sorte, pode voltar para sua família, a família que seu coração adotou, que daqui seguimos sem sua impertinência. Seja feliz!

No tempo de uma piscadela, Jorge, que continuou sendo Décio, já estava em sua cama. Olhou para Marina, que ressonava baixinho, sentiu os olhos úmidos e dormiu sorrindo. Na manhã seguinte, acordou cedo e bem disposto, antes do sol nascer. Deixou que as duas continuassem dormindo pouco mais e foi à cozinha preparar um café especial, com bolinhos de chuva, patê e outros quitutes. Acordou-as com beijos e ficou contente em vê-las comendo, com gosto, tudo que fizera. Não eram ainda oito horas da manhã e, estranhamente, já batiam à porta.

Décio abriu e deu de cara com Jorge (o antigo Décio, lembram?).

- Você aqui?

- Desculpe-me mas acho que não nos conhecemos.

- Você não é Jorge Taoli?

- Ouviu falar de mim? Não esperava por isso, mas sinto-me lisonjeado. O senhor é Décio Lorano, que controla o projeto “mãos de artistas”, certo?

Décio percebeu que, apesar de ainda lembrar de quase tudo, o outro já não tinha noção de nada. Por que então viera procurá-lo?

- Sou eu mesmo! Em que posso ajudá-lo?

- Vim parabenizá-lo pela ótima iniciativa. Acessei seu site, pesquisei seu trabalho e pedi informações a seu respeito. Cheguei à conclusão de que valia a pena conhecê-lo e a seu círculo de atividades, que não são poucas. Parece que estou diante de um idealista em atividade.

Cumprimentaram-se, e, quando as mãos se juntaram, ambos foram envolvidos num transe, que os deixou extáticos durante segundos, após os quais, Décio já não tinha mais consciência de nada, além do que vivia na atualidade, esquecendo-se, por completo, de sua antiga existência como Jorge e os acontecimentos subsequentes. Sorriram, ambos, ao mesmo tempo, sem saber por que o faziam, abraçaram-se, sem motivo aparente. Décio achou Jorge muito simpático e o convidou a tomar café com sua família. Quando os dois apareceram juntos na cozinha, Sara e Marina olharam o convidado com interesse. Sentiam que o conheciam, e devolveram o sorriso com que as cumprimentou. Conversaram amenidades com satisfação.

- Vim aqui, Décio, para lhe propor uma ampliação de seus negócios. Seu site e iniciativas me chamaram a atenção, mas ainda não estava certo de que encontraria pessoa confiável para o que pretendo. No entanto, após conhecê-lo e à sua bela família, estou decidido a investir um bom dinheiro naquilo que decidirmos, em conjunto. Que tal?

- Terei muito prazer em conversarmos a respeito. Tomara que dê certo!

Dá pra imaginar o quanto de bom aconteceu, a partir daquele encontro?

O passado de ambos foi esquecido, o presente enriquecido, de variadas maneiras, e acabaram se tornando, todos, uma só família, acrescida da esposa de Jorge, que surgiu logo em seguida, e mais dois pequerruchos, um de cada casal. Forjaram outros tantos negócios comuns, que prosperaram, ajudaram necessitados e alicerçaram ainda mais a união de toda aquela gente.

A única coisa que ainda incomodava Décio, vez em quando, era a estranha sensação de estar sendo observado. Chegara mesmo a perceber, vagamente, a presença de uma espécie de fantasma, parado, olhando e rindo. Porém, quando tentava fixar o olhar, a imagem sumia. É claro que nunca contou isso a ninguém, porque não queria pousar de pirado.

Botou na cabeça que ainda ia conseguir pegar de jeito esse fantasmão.

Theo, o tal fantasmão, por sua vez, ria de felicidade (e um pouco de sacanagem, também).

É aquela velha história de que Deus escreve certo por linhas tortas.

Não é assim mesmo?

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 29/11/2019
Código do texto: T6806933
Classificação de conteúdo: seguro