É ASSIM QUE DEVE SER - CAPÍTULO 10

Tenho percebido que meus músculos já não me obedecem como antes. Os tremores nas mãos estão aumentando a cada dia. Dr. Alexandre me disse que isso, de fato, aconteceria, mas ressaltou que eu não me preocupasse, pois o meu caso não é dos mais graves. Não sei o que ele quis dizer com isso, já que procurei encontrar em livros e enciclopédias algo que pudesse me orientar com relação a essa doença e pouco encontrei. Sei que existem estágios, mas não tive coragem de me aprofundar neles.

Como vc diria: "Foda-se".

Filha, sei que vou morrer e, antes disso, vou me esquecer de muitas coisas e, para mim, saber disso é mais do que o suficiente. Não vou sofrer antes da hora. Não vou...não posso te deixar sozinha, sem que, ao menos, entenda como os fatos de sua vida se desenrolaram. Espero que, após a minha partida, vc possa ler o que ora escrevo e, então, perdoe o seu tio por não tê-la protegido. Eu não entendia o que se passava ao meu redor, meu anjo. Eu não entendia os motivos que levaram sua tia a se comportar de maneira estranha nos meses que antecederam sua morte. Eu não sabia, mas, agora, faço uma ideia.

Filha, às vezes, me aborreço por não encontrar as palavras que ficam volitando acima de minha cabeça sem que eu possa passá-las para o papel. Talvez, seja a doença tomando vulto.

Não tenho medo da morte. Tenho medo de vegetar em vida.

Vc seria capaz de realizar o meu último desejo antes de eu me esquecer de quem sou? Seria capaz de não deixar que eu chegue aos últimos estágios? Seria capaz de não me deixar vegetar?

Creio que não. É pedir demais a vc que já sofreu o suficiente nas mãos dele. Eu os ouço daqui, do meu quarto. Vcs têm discutido constantemente e, disso, eu não gosto. Por que vc reage? Por que não o deixa falando sozinho? Por que deixa que ele faça o que eu sei que ele faz?

Não precisa responder, meu anjo. Eu entendo. Para onde vc iria se saísse daqui? Voltar à casa de seus pais? Não. Eu não permitiria. Veja que situação a minha! Não quero que fique ao lado do meu filho e não quero que vc saia do meu lado. Eu sou egoísta, filha. Eu sei que sou. Talvez, eu tenha esperanças de que ele mude.

Sabe, nem sempre ele foi assim. Ele odiava bebida. Ele costumava tirar o copo de cerveja de minha mão, mostrando-se preocupado com a minha saúde. Era um menino fascinante. Fascinante mesmo. Provocava fascínio em quem quer que o visse ou conversasse com ele. Fernando sempre foi bonito, falante, sorridente. Suas conversas, maduras. Suas opiniões sobre diversos assuntos eram extremamente interessantes. Ele sabia persuadir seja através do sorriso ou do olhar incisivo, quase hipnótico. Ele sabia controlar as pessoas e usava de suas habilidades a fim de alcançar seus objetivos. Sua tia quase nunca se opunha a ele. Quase nunca. Eu não entendo. Não entendo. Há fatos que ainda não entendo.

Com vc, ele usou de suavidade, carinho. Vc amava aquele sorriso e o chamava de 'vampiro' por conta dos caninos um pouco desalinhados. "Um charme", sua tia diria.

Mesmo depois de sua chegada à nossa casa, apesar das brigas bobas que vcs tinham, ele se mostrava atencioso com vc. A princípio, um carinho normal entre irmãos criados por pais amorosos, apesar de possuírem temperamentos quase que opostos. Sua tia, pobrezinha, teve muito trabalho em apartar vcs que, volta e meia, se engalfinhavam como dois moleques por qualquer motivo. Lembro-me dos momentos em que vcs dois corriam atrás de pipas avoadas que, quase sempre, voltavam às mãos de Fernando por ter amigos que logo corriam para pegá-las e entregá-las a ele enquanto vc engolia o choro por não ter ninguém que fizesse o mesmo. Vc não se ajustava a grupo algum, meu bem. Vestia-se e comportava-se como um menino porque queria sempre estar ao lado dele e, vestida como um menino, afastava as meninas que a viam como uma espécie de bichinho selvagem. Eu via em seus olhos o sofrimento causado pela rejeição. Eu via tudo e nada fazia. Sua tia, em seus bons momentos, dizia que tudo passaria e que vc cresceria e se transformaria em uma linda mocinha e passaria a usar vestidos e, enfim, encontraria amigas que a acolhessem em seus grupos.

Giulia, isso não aconteceu. Vc cresceu e continuou a ser só. O que sua tia costumava chamar de 'dom' afastava vc daquelas meninas tolas que, por medo, a chamavam de 'bruxa', 'louca' ou, simplesmente, 'esquisita'. Vc custou a entender que deveria se calar no lugar de tentar ajudar a evitar desastres nas vidas dos que cruzavam o seu caminho. Nem todos entendiam suas premonições. Vc, enfim, acatou os conselhos de sua tia e se calou e, quando se calou, vieram os horrores noturnos. Deus. Até hoje eu não sei o que acontecia naquele quarto, durante as madrugadas em que eu despertava, atônito, e via sua tia pular da cama e correr ao seu encontro. Ouvia seus gritos, aguardando, em pé, do lado de fora do quarto, rezando para que vc encontrasse a paz. A paz que somente chegou após a intromissão de Fernando que possuía o estranho dom de acalmar seja lá o que te atormentava.

'Paralisia do Sono' fora o diagnóstico do médico. Ele te ensinou a respirar e a tentar controlar o medo, embora vc, aos gritos, tentasse convencê-lo de que era muito mais do que um medo bobo que tomava conta de seu corpo paralisado. Vc dizia que recebia visitas de seres que te tocavam de 'uma forma nojenta', eram suas palavras. O médico não acreditou, mas eu sim. Sua tia também. Fernando não opinou. Nos braços dele, vc chorava enquanto ele lhe dizia que estaria sempre ao seu lado e que nada de ruim a tocaria novamente. Eu os via pelo espelho retrovisor do nosso carro quando voltávamos do consultório. Aquilo me intrigava porque, de fato, com o tempo e a presença dele que passara a dormir em seu quarto, aqueles a quem vc chamava de 'demônios' desapareceram para nunca mais retornarem. Eu apenas podia te abraçar, filha, e te dar o carinho que seus pais te negaram quando a deixaram aqui, como um saco de roupas sujas. Eu queria te poupar de todo o sofrimento, mas, vc encontrou a paz no amparo de meu filho que já mostrava no olhar um lampejo de algum sentimento que me incomodava, apesar de não conseguir expressar em palavras o que exatamente me incomodava. A proximidade dele, o zelo constante nada comum para um garoto daquela idade.

Guardei para mim estas impressões. Sequer as comentei com sua tia. Ela ficaria magoada. Certa noite, ouvira a voz suave de sua tia, cantarolando baixinho. Olhei para o lado e ela não estava na cama. Então, eu me levantei e caminhei na ponta dos pés até o seu quarto, Giulia. Eu te ouvi choramingando enquanto Fernando, com a voz mais grave do que o normal, falava em outro idioma...dialeto. Sei lá que diabos era aquilo. Havia um ruído em todo o quarto que quase abafava sua voz. Ainda assim, eu continuava a ouvi-lo e posso jurar que jamais ouvira algo como aquilo. Aturdido, abri a porta e vc correu para os meus braços, ofegante, tremendo como uma vara verde. Suas mãozinhas geladas, seus olhos estatelados de pavor. Filha, como eu queria te levar para longe dali naquele momento! O que senti quando ele fixou seus olhos em mim me fez tremer dos pés à cabeça. Aquele não se parecia com o meu filho. Aquele que me olhava não se parecia com o meu filho.

Tentei apagar esse episódio de minha mente, porém, não consegui. Talvez agora com a doença eu, enfim, o apague. Ou será que nunca existiu?

Com a morte de Isabela, sua tia redobrou os cuidados com vcs. Acho que é normal. Um processo de transferência. Uma forma de abrandar o luto. Estava sempre atenta, disposta a cobrir os dois de carinho e atenção. O que ela não via ou fingia não ver era o que me causava extrema preocupação.

Como ela pode achar natural aquele comportamento? Como justificar aquele ato hediondo? Sua tia começava, ali, a adoecer e não era somente do coração.

Tínhamos uma gata. Vc a amava e, me parece que ela a amava também porque vcs ficavam por minutos se encarando, deitadas no chão da sala enquanto eu lia meu jornal. Vc cochichava algo que parecia hipnotizá-la, o que me espantava porque gatos são ariscos. Morgana não. Morgana, um nome bastante peculiar para uma gata, enroscava-se entre suas pernas enquanto vc andava para lá e para cá. Morgana dormia em sua cama e vc me dizia que ela te protegia dos 'perdidos'. Mais tarde, vc me explicou ser o nome dado aos mortos que costumavam frequentar seu quarto à procura de ajuda. Vc não tinha medo. Vc enfrentava o desconhecido com o coração cheio de compaixão. Jamais os vi, mas sempre acreditei em vc. Vc dizia que não precisava de amigas porque Morgana já havia preenchido a falta que elas faziam.

Até que tudo aconteceu.

Morgana não era castrada. Um erro meu e, por isso, eu não me perdoo. Vc vibrou de emoção ao saber que teria mais gatinhos para cuidar quando ela surgiu mais gorda e preguiçosa do que o habitual. Estava prenha. "Mais amigos!", vc celebrava dançando, girando com ela em seu colo. Seus cabelos negros e longos lhe conferiam uma graça especial e sua pele branca contrastava com os pelos negros da gata manhosa que me fitava com aqueles olhos amarelos e intensos, tão intensos quanto os seus. Se eu acreditasse em bruxas, poderia afirmar que vc era uma delas. Uma bruxinha linda dona de um imenso coração. Sua tia relutou, mas, por fim, deixou que os filhotes recém-nascidos permanecessem conosco. Ela dizia ser um pecado separar a mãe dos filhos.

Vc cuidou dos quatro com extrema ternura e fazia questão de não dar trabalho à sua tia que apenas a observava de longe, levando a mão ao peito quando notava o olhar insistente e soturno de Fernando sobre vc que, sentada no chão da cozinha, alimentava Morgana, evitando atritos com ele porque conhecia os sentimentos dele com relação aos gatos. Vc parecia conhecê-lo melhor do que eu ou sua tia e era ainda tão nova. Não havia nada mais encantador para vc do que assistir Morgana amamentando seus filhotes. Vc dizia sonhar com uma casa e filhos que seriam amados como os filhotes de Morgana. E vc mal chegou a dar nomes a eles.

Com sua mesada, vc comprou uma casinha rosa, acolchoada, onde todos dormiam protegidos do frio e de um possível ataque por parte de outros animais. A casinha ficava ao lado de sua cama e vc somente se deitava quando todos já haviam adormecido. Então, julgando-os a salvo, vc finalmente, exausta, adormecia também. Vc possuía o dom, mas o seu dom não fora usado a seu favor. Seu dom afastava o mal de pessoas estranhas a vc, no entanto, ele não a fez supor que haveria um mal maior e mais poderoso à sua espreita.

Sua alegria era contagiante ao cuidar deles. Até eu me envolvi, dando leite na mamadeira a um dos bichanos que repelia o leite materno. Ver vc sorrindo me enchia de alegria, filha. Ver vc feliz por ter encontrado paz na companhia daqueles animaizinhos me comovia e, se eu soubesse o que estava prestes a acontecer, eu os teria levado dali o mais rápido possível...mas, eu não sabia. Como imaginar que ele seria capaz de algo tão medonho? Era meu filho. Eu não poderia imaginar. Eu não acreditei, mesmo após ter acontecido. Eu não quis acreditar. Garotos são travessos, inconsequentes, insensíveis...até brutos. Mas, aquilo...aquilo não foi brutalidade.

Foi maldade.

Explicar a morte para vc não fora difícil. Vc a conhecia de perto, até melhor do que nós, adultos. Vc convivia com ela e não mostrava medo. No entanto, eram mortos estranhos a vc. Lidar com a morte de quem se ama não é tarefa fácil, meu anjo. Lidar com a morte de Morgana e de seus filhotes já seria difícil para vc se ocorresse de forma natural. Mas não houve nada de natural naquelas mortes. Nada.

Vc a pressentiu quando estávamos no mercado. Vc me pediu...implorou para que voltássemos a casa imediatamente. Vc pressentiu que algo estaria acontecendo e vc acertou. Vc me puxou pelo braço e eu mal pude pagar pelas compras. No carro, vc se afligia, ora rezando ora me pedindo para pisar fundo no acelerador. Eu tentava te acalmar dizendo ser impossível que algo estivesse acontecendo aos seus bichinhos porque sua tia estava lá, cuidando deles por vc. Por Deus, vc estava fora de si quando me olhou com seus olhos imensos e tristes e me disse com a voz rouca que sua tia sabia de tudo e nada poderia fazer. Lembro-me de quase ter perdido o controle do carro ao desviar de um caminhão que vinha na direção contrária. Aquilo, de fato, me assustou.

Filha, vc sempre esteve mergulhada em seu próprio mundo, apesar de estarmos sempre ao seu lado. Sua sensibilidade ostensiva a mantivera entre o lado de cá e o de lá desde criança e, talvez, por isso, tenha sofrido tanto. E ainda sofre.

Vc saltou do carro e passou pelo portão sem ouvir os meus apelos. Eu a segui, desorientado e quase deixei o motor do carro ligado. Eu ouvi o seu grito de pavor vindo do porão de nossa casa. Eu ouvi vc chamar por ele, gritar por ele. Amaldiçoar Fernando pelo que ele havia feito. Eu cheguei a tempo de vê-la abraçada à sua tia que me olhava com uma expressão distante, fria. Vc chorava contra seu peito, perguntando-se porque ele havia feito aquilo. Vc deslizou do colo de sua tia e, alucinada, sentada sobre a ardósia, de pernas cruzadas, enlaçava o saco com os braços, balançando o corpo para frente e para trás, como se os estivesse ninando. Pedi a Celeste que fizesse algo. Aumentei o tom de voz e nada que pudesse falar a tirava do estado quase catatônico em que ela se encontrava.

'Eu não pude evitar.'

Celeste repetia recostada à parede. Seus olhos incidiam sobre mim, no entanto, ela não me via. Ela via através de mim. Parecia reviver cada instante do momento nefasto que nós dois perdemos. Cada passo que ele dera sob sua proteção.

Filha, eu não sei o que aconteceu naquela tarde de sábado. E, por Deus, não quero saber. Não quero pensar que a minha Celeste, a mulher com quem me casei, estaria de acordo com o que fora feito em nossa ausência. A minha Celeste não permitiria aquele ato medonho. Mas, a minha Celeste fora se apagando logo após a morte de Isabela e das suspeitas que ela guardava consigo.

Eu tive trabalho, Giulia, em tirar vc dali. Em separar vc dos pobres animaizinhos. Vc não queria se separar deles. Vc amaldiçoou seu melhor amigo. Vc declarou conhecer seu lado obscuro. Vc disse coisas que sua tia e eu jamais poderíamos imaginar. Vc estava em choque, meu bem. Prefiro acreditar que vc estava em choque e se deixou levar pelo desespero a crer que nosso filho escondia dentro de si, uma alma tão distorcida.

O que foi aquilo sobre a noite de seus quinze anos? Diabos. Estou tentando me lembrar. Eu sei que vc nos contou algo sobre a noite de seus quinze anos. Vc chorava enquanto o acusava de algo. Eu vou me lembrar. É preciso tempo, mas eu vou me lembrar.

Enfim, eu a tomei em meus braços e a levei ao seu quarto. Sua tia achou por bem que vc tomasse um de seus calmantes. Eu concordei porque vc estava transtornada, jurando vingança. Levou um tempo para que vc se deixasse vencer pelo sono. Sua tia permaneceu ao seu lado, mas, ainda guardava a expressão dos loucos em seu semblante abatido. Desci ao porão. Havia indícios de uma fogueira logo na descida da escada que liga a cozinha aos fundos da casa. Um círculo manchado de preto e, no centro do círculo, um saco disforme. Inspirei profundamente, apoiando-me no corrimão da escada. Sentia um arrepio percorrer o meu corpo porque algo me dizia que eu estaria prestes a conhecer outra faceta do filho que amava. Sem pressa, reuni coragem para ver o que havia no saco...ou o que havia restado dele, após a combustão. O tecido da ponta rasgou-se com facilidade. Meus dedos sujos de fuligem tremiam ao abrir o laço de corda que se rompeu antes mesmo que o puxasse. Agachado, apoiando-me nos calcanhares, abrira o saco de onde um cheiro nauseabundo escapou, invadindo minhas narinas, embrulhando o meu estômago. Fiquei tonto, largando o saco pesado, jogando-me contra o batente da porta do porão. Eu precisava ver com meus próprios olhos o que a minha mente já imaginava. O forte odor de carne, sangue e pelos derretidos não me deixava dúvida. Num só golpe, abrira o saco e soltei um grito de horror e desgosto, afastando-me do que havia nele. Fiquei, ali, parado por um bom tempo, acostumando-me ao cheiro podre que atraíra moscas que sobrevoavam as carcaças. Fernando não chegara até o fim. Tudo levava a crer que os gatinhos foram queimados vivos, pois um deles ainda se moveu pela última vez quando o saco se chocou contra o piso de ardósia.

Terá sido por descuido ou havia a intenção de fazer os bichinhos sofrerem daquela forma absolutamente cruel? Como ele iniciou aquele ritual macabro? De onde surgira a ideia de queimá-los dentro do saco? Por que não os matou antes de colocá-los lá dentro? Ele sorriu ao ouvir os miados desesperados, os corpinhos se debatendo? Ele os machucou antes de atear fogos aos corpos? Ele contou com a ajuda da mãe ou ela apenas o observou? Apenas??? Não sei como não enlouqueci.

Vomitei sobre os corpos carbonizados. Chorei procurando entender onde havia errado em sua educação. Retirei do saco, Morgana grudada aos filhos através dos pelos endurecidos, os corpos retesados, misturados uns aos outros formando um só corpo deformado, surreal de tão terrível. Coloquei-os em outro saco, limpo, jogando-o no porta-malas do meu carro. Procurei por um local distante, um campo de terra úmida. Cavei uma sepultura digna de seus amigos, filha. Eu os enterrei como vc gostaria de tê-los enterrado. Lavei os indícios da atrocidade. Voltei ao seu quarto, exausto, arrasado, sujo, destroçado. Batera à sua porta, esperando encontrar sua tia, encontrei Fernando que zelava por seu sono. Sem saber o que dizer, eu fiquei parado enquanto ele correu ao meu encontro. Seus braços ao redor de minha cintura, sua boca contra meu peito implorava por perdão.

'Ele é uma criança"

Sua tia, sentada próxima à janela, dissera-me num tom de cumplicidade. A luz da lua incidia assustadoramente sobre sua face lívida. A custo, eu o abracei, afagando seus cabelos. Recostei meu queixo em sua cabeça e fixei meus olhos úmidos em vc, mergulhada em um sono profundo. O que eu poderia fazer, filha? Condená-lo? Acreditar que nele, o Mal prevalecia? Expulsá-lo de casa? Levá-lo a um psiquiatra? Dar a ele mais uma chance?

Foi o que fiz. Desde então, é o que tenho feito. Dado chances para que ele traga à luz o príncipe e mate o monstro que há em si. Mas, vc parece gostar de ambos.

Antes de partir, filha, preciso te contar tudo. Eu não posso me esquecer.

Agora, vou me deitar. Sua tia está cansada e ela não dorme enquanto eu não apagar a luz do abajur.

Morgana Milletto
Enviado por Morgana Milletto em 26/04/2020
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