De tanto levar flechada no coração...

Cecília ou Ceci para os íntimos, era uma jovem dos seus 25 anos, vivia numa casa simples, uma moça que trabalhava todos os dias para ajudar a mãe, dona Flor, viúva, a cuidar das netas, filhas de Judith, irmã de Ceci. Ceci vivia sonhando muito e acreditava fielmente nas pessoas, sempre muito disposta, acabava por se machucar. Eram muitos sonhos e pouco dinheiro, os trabalhos eram escassos. Ela tentava de tudo para alcançar seus sonhos mas pareciam distantes demais. Três crianças em casa, a mãe tinha viajado para cuidar de uma proposta de emprego havia 9 meses e a vó e a tia se revezavam para cuidar das meninas.

Em meio as lutas diárias Ceci sonhava com amores, escrevia poesias repletas de romantismos e devaneios, acabavam sendo retratos fiéis do quanto ela machucava-se com as ilusões, eram muitas as histórias e mais ainda as lágrimas que marcavam a memória, não tinha se encontrado e sido feliz como queria, estava sozinha e com problemas sérios de autoestima, olhava ao redor e parecia impossível que ela pudesse ser feliz. Sentia -se triste muitas vezes e não conseguia realizar o que idealizava, era uma pessoa inteligente com certeza, fez Letras, mas não tinha emprego, seu currículo parecia insuficiente, sem permitir que portas fossem abertas, no máximo um bico ali e acolá como professora de português.

Ceci achava que era extrovertida e fácil de fazer amigos, mas a verdade é que por mais que tentasse ela não conseguia aprofundar suas amizades e acabava sozinha, sua saída era escrever, ler, desenhar, sonhar e pintar, ela pintava com o coração, lindas pinturas saiam das mãos de Ceci, mas o mais impressionante é que ela simplesmente não via suas habilidades tão bem assim é consequentemente não conseguia dar voz a elas, então não se expunha, não mostrava sua alma por inteiro, conversava facilmente com as pessoas mas sempre de forma distante, não se sentia compreendida, então seguia escrevendo versos de dor, de amores vazios, de desesperanças, enfim seus queridos devaneios que a faziam viver no mundo da lua.

Uma qualidade irremediavel de Ceci era acreditar no que ela gritava para as outras pessoas, vivia dizendo que não ia apaixonar novamente... coitada! Era ver um jovem com algum resíduo de essência e lá ia Ceci se apaixonar por ele, o mais triste disso é que ela ficava amando na distância, parecia um daqueles poetas da antiguidade, escolhiam uma "musa" e por ela se fragmentavam, morriam de amores, sem nunca experimentar do seu sabor verdadeiramente, nossa Ceci vivia bebendo do cálice da ilusão, se embebedava, perdia a direção, é acabava chorando novamente o drama da solidão que ela dizia querer para sempre. Um dia Ceci encontrou na rua um verdadeiro cavalheiro, um jovem chamado Filipe, ele a ajudou com um problema no seu carro, ele não queria funcionar de maneira alguma, ela desesperadamente já entrava em pânico quando ele apareceu... Sabe aquele Príncipe lindo, de atitudes heroicas e um coração generoso cheio de empatia, pois é era ele, quase montado num cavalo branco e vestido com uma capa de real Salvador. Trocaram números depois do conserto, ela com um brilho irradiando no olhar sem poder disfarçar e ele tão gentil cheio de elogios, um doce rapaz.

No dia seguinte lá estava ela ansiando por uma mensagem dele no telefone, mal se concentrou nos seus afazeres, quase atropelou a mãe na corrida para atender o telefone quando este tocou, quase deixou uma das sobrinhas presa no quarto, porque não a viu entrar, tão atenta as mensagens do seu "Amor", aquele que a salvaria, aquele que a levaria a viver tudo que sonhara. Acontece que Ceci sofria, vivia momentos de angústias e realmente doía, a mãe não a entendia, tinha as três crianças para cuidar, trabalhava como diarista e conversar a fundo com Ceci não era algo que ela conseguisse fazer, Ceci também não tinha aquela amiga para confiar totalmente, então enquanto se apaixonava perdidamente ia escrevendo, ia amando as atenções que ele dispensava-lhe, a fatalidade estava no fato dela achar ele perfeito por a enxergar e a escolher para conversar, Ceci não sabia se impor, então se anulava.

Filipe o Príncipe, conduziu o.sentimento de Ceci com maestria, ele realmente fazia bem seu papel, amoroso, atencioso, romântico, tudo que ela sonhou, mas ele realmente seria tão encantador assim? Lá no fundo Filipe não amou Ceci, ele era um outro alguém tão mais perdido que ela, que viveu aqueles dias como se brincasse, um faz de conta para ele que não sabia lidar com suas dores, filho protegido pela mãe, desprezado pelo pai que apesar de presente nunca o entendera, sua personalidade oscilava entre ser servil ao seu progenitor para agradar, ora para ser o tímido e reservado da faculdade ora para ser o agressor, não demorou muito para ele se apresentar verdadeiramente a Ceci, sua sequidão se mostrou em ações que deixaram a moça desnorteada, ela o amava, então aceitava os deboches, não sabia se defender deles... Ele soube afetar ainda mais sua autoestima, no perfil da sua rede social só havia espaço para ele, ela não cabia lá... De namorado perfeito ele passou a ser o carrasco de Ceci, vivia despretigiando suas conquistas, nem a ouvia mais, quando ia vê-la trazia consigo o celular e vivia mais alheio ao seu mundo, isso quando não trazia suas amigas para as conversa deles, Ceci se incomodava, sentia -se comparada, mas suportava com tanta paciência que esquecia dos discursos de liberdade que tantas vezes fizera, ela queria amor, intensamente queria amor.

Um dia Filipe terminou o namoro por torpedo, nem o watts usou, trocou de número, sumiu, ela ligou, foi atrás, pediu ajuda a mãe dele que vira apenas uma vez num único almoço familiar que ele a levou, mas Antonieta não podia ajudar, o filho não deu ouvidos a mãe e essa por sua vez só pôde dizer que Ceci viveria novas experiências e certamente seria feliz. Ceci chorou, se fechou, quis morrer, seu serviço não era fixo, ela não confiava em si mesma e agora aquele que dizia amar-lhe sumira da sua vida, mesmo ela tendo feito tanto para defender aquele amor. Ela prometeu não mais amar, mas dessa vez prometeu diferente, já tinha sofrido outras vezes, mas essa situação a deixou muito pior, não ia mais sair se quebrando pelo caminho.

Ceci um dia comprou uma tela, jogou tinta, emoções, medos, solidão, tristeza, Fé e Amor, riscou, fez traços aparentemente sem sentido, nem a mãe entendia o que tinha aquela menina... Ceci pintou por três dias uma tela totalmente diferente dos seus tons anteriores, pintou com paixão avassaladora, sentimentos que cresciam, expressos em cada pincelada. Ela pintou, até nas madrugadas, quando concluiu tinha algo ali que ela finalmente enxergou, ela tinha resultado, tinha algo que fluía da sua alma, algo bonito, uma poesia que irradiava dali e ela voou naquela pintura, era ela ali naquela pintura, suas emoções tão bem expressas, as inseguranças começaram a cair, ela vestiu-se das cores que pintara, tomou do quadro, levou-o consigo no coração e na mão, até uma loja na qual sempre desejara entrar, não tinha intenção de vender, apenas sabia que o dono da loja era especialista em Artes, ainda sem saber o que fazer, foi guiada pelo coração.

Ricardo recebeu a Ceci com cortesia, moço educado, recebeu de bom grado o pedido da jovem, ele amava artes e foi tocado por íntima emoção ao contemplar a pintura, impressionado ele garantiu que seria o primeiro a comprar o quadro caso fosse oferecido, a moça ficou lisonjeada, grata por tão boa recepção, sentiu-se acolhida, mas não sabia o que dizer ou responder, o rapaz vendo que ela parecia sem respostas resolveu que poderia ajudar de alguma forma, convidou-a para um almoço, ele não tinha almoçado ainda e a hora era propícia, levou a jovem consigo num lugar que gostava muito de estar, ali ele começou a conversar com Ceci e ao mesmo tempo a ouvia, a jovem contou-lhe um pouco da sua história e ele com cuidado resolveu propor--lhe que pintasse outros quadros, ele a ajudaria, tinha muitos conhecidos no mundo artístico. Ceci nem acreditava, parecia sonho que pudesse fazer algo assim, Ricardo naquele dia disse que ela podia voar, só precisava do seu próprio tempo e não tornar a permitir perder -se por outras pessoas, ela seria verdadeiramente feliz quando reconhecesse sua própria história como algo belo a ser contado e pintado nas telas da vida.

Alguns anos se passariam até ela alcançar seu lugar, mas aconteceu, Ceci voou, ajudou sua pequena família, Judith voltou para cuidar das filhas e Ceci tornou-se uma mulher dona de si mesma. Independente, Linda, capaz e cheia de Amor pela vida e por seus sonhos, não foi simples, mas ela seguiu pintando, colorindo com sua alma artística outras histórias, Ricardo tornou-se um excelente amigo e ela entendeu que na sua história não precisava de um final feliz padrão para ser perfeita, ela não se ocupou mais de buscar amores, tornou-se ela mesma seu amor, viveu plena, feliz e realizada por muitos anos.

... nem todo final feliz precisa de um beijo e um Príncipe ou Princesa encantada para ser completo. Faça sua história valer a pena. É isso que verdadeiramente importa.

.... Fim.....

Rita Flor
Enviado por Rita Flor em 07/06/2021
Código do texto: T7273796
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