Você nunca viu isso na concorrência | Primeiro capítulo

Nota da autora: Olá, amigos, amigas, visitantes, pessoas que podem ter parado aqui ao acaso, quero me apresentar: meu nome é Mary, mas o meu username revela como me sinto na maior parte do tempo. Apesar de não parecer, em fevereiro completo uma década aqui no Recanto e tenho gratidão pela experiência maravilhosa de postar aqui porque desde o início eu sabia se tratar de um lugar especial, que eu precisaria ser criteriosa com relação ao que compartilhar, tive e ainda tenho o privilégio de conhecer pessoas e opiniões diferentes e me sentir acolhida mesmo estando muito distante de ser popular.

Desde criança sofro de depressão e eu era apenas uma garotinha tímida de sete anos que não entendia o porquê de tanta tristeza, tanta dor, tantos medos, tantas febres. Somando-se a tudo isso, sofria bullying na escola e não tinha amigos nem quem me protegesse, a professora não possuía qualquer traquejo para trabalhar com crianças e dirigia-se a mim com mais ressentimento do que com os outros. Por sorte, minha família interveio, eu recebi apoio e até os 12 anos e meio voltei a ter uma vida normal, época essa em que descobri também o quanto gostava de criar personagens, histórias para cada um deles, até musiquinhas, além de contar historinhas para a minha irmã dormir.

Quando as bonecas já não eram mais o meu principal objeto de interesse, resolvi encarar a timidez de dialogar com o papel e não apenas esperar as aulas de produção de texto para fazê-lo. Passei por vários percalços ao longo do caminho, mas a história tem um final feliz porque lá atrás uma garotinha prestes a entrar na adolescência decidiu extravasar através da escrita... essa mesma garotinha cresceu e por muito, muito, muito tempo sentiu medo de mostrar o que escrevia a outras pessoas, o que mudou com a chegada dos amigos virtuais e com o auxílio das plataformas de leitura e escrita online, pelas quais sou grata pelas experiências e aprendizados que fizeram de mim parte do que sou hoje.

Entretanto, o bullying (infelizmente) não restringiu-se apenas ao ambiente escolar. Três anos atrás, emocionalmente destruída e sem norte, considerei a ideia de parar de escrever, levei-a tão a sério em partes porque os ataques foram tão baixos e cruéis que hoje sou capaz de reavaliar todas aquelas atitudes e perceber que elas só queriam que eu parasse, que eu desistisse e por quase três longos anos até pensei em voltar, tentei abrir um blog que flopou, até que chegou o tempo mais difícil: quando minha alma clamava por socorro, pelo desenho de escrever e eu não conseguia, me sentia censurada, humilhada, receosa de ser descoberta pela minha bullie, tento me expor o menos possível e embora a história que vou compartilhar com vocês não seja uma obra-prima, é uma iniciativa pessoal.

Em nenhum momento farei qualquer tipo de chantagem em busca de curtidas e comentários, porém peço encarecidamente para que aquelas pessoas que porventura não curtirem o enredo, que se abstenham de insultar, pois pretendo sempre respeitar meus colegas e dar-lhes a liberdade de poderem ser quem são e espero também ter essa mesma liberdade. Desculpem pela nota gigante, gostaria apenas de prestar os devidos esclarecimentos para depois não termos problemas.

 

Dedicatória

 

Capítulo 1

 

     O ano é 1997 e o pagode é febre no país inteiro. Grupos com ou sem o sufixo samba no nome figuram nas mais altas posições das paradas musicais, participam dos programas de auditório de todas as emissoras de televisão, as músicas são temas de novela, do churrasco de domingo, da festa da firma e até de canteiro de obras.

     Eduardo Meirelles é um jornalista em ascensão, principal repórter local, faz entradas ao vivo no noticiário que vai ao ar na hora do almoço e cobre as ausências do principal âncora. Flamenguista de berço, paquerador e cantor de chuveiro, Edu costuma ter ideias mirabolantes durante o banho. Aquela foi, sem dúvida, a mais expressiva.

     O dia começou para Edu Meirelles há bem mais tempo porque ele levantou-se bem cedo e saiu para correr, voltou e encontrou Renata ainda dormindo, linda como sempre, com um semblante tão sereno que o fez sorrir também.      Banho tomado, barba feita, era hora de descer até a padaria para comprar pães e frios para o desjejum, apesar de muito comumente ele tomar o café-da-manhã num balcãozinho perto da porta do estabelecimento e proseando com outros fregueses.

     — Que cheirinho bom de café!

     Edu até assobia enquanto abotoa a camisa azul de algodão por cima da camiseta branca e se olha no espelho da penteadeira. Está pronto. Para o dia. Para a semana. Para o que tiver de ser.

     — Bom dia, querida! — Eles se cumprimentam com um beijinho. — Dormiu bem?

     Eduardo e Renata se conhecem desde a infância, foram vizinhos de porta, colegas de classe e desde aquela época são apaixonados um pelo outro, no entanto, muitos empecilhos impediram que eles pudessem consumar esse sentimento. Somente agora, adultos, financeiramente estáveis — pelo menos até o presente momento —, são livres para viver de acordo com as próprias convicções.

     Edu e Renata vivem um relacionamento estável, porém a ideia de morar juntos de uma vez por todas ainda não é uma prioridade urgente para nenhum dos dois, volta e meia ele dorme na casa dela ou vice-versa. Quando ela passa alguns dias na casa do namorado, ajeita os porta-retratos no rack, organiza os discos dele e abastece a geladeira para preparar comida caseira porque se depender do amado, só haveria pão de forma na pirâmide alimentar.

     — Não tem comida de verdade nessa casa, não? — Reclama Renata, coando o café com um velho coador de pano.

     — Cheiro de café... — Edu fecha os olhos para deleitar-se com o aroma de café sendo coado.

     — Eu fiz uma pergunta... não vai me responder?

     — Minha querida, padaria existe para quê? — Devolve Edu, bem-humorado. — No mundo em que vivemos, praticidade é a palavra-chave para uma vida mais leve. Café-com-leite e um pãozinho quentinho com margarina, não tem como o dia começar melhor.

     — O pão de forma venceu faz uma semana, homem de Deus. Senti um cheiro horrível dentro da geladeira, vi o molho de tomate com fungos, atrevo-me a dizer que a Fungilândia se organizou de tal modo que o reino tem estruturas sociais, políticas e democráticas muito mais desenvolvidas que qualquer uma da atualidade... você não tem costume de abrir essa geladeira e fazer uma limpeza de vez em quando, não?

     — Falou a senhorita natureba... — Edu serve-se de café e Renata abre a geladeira para mostrar-lhe o deserto gelado das prateleiras.

     — Não sou natureba! — Renata, fazendo um bico manhoso, defende-se e mantém a porta da geladeira aberta: — E aí? O que me diz sobre isso?

     Ele engole em seco. Ela fecha a porta da geladeira e organiza os imãs.

     — Querida, posso te contar um segredo?

     Renata dá de ombros.

     — Posso?

     — Vai, fala...

     Edu convida Renata a sentar-se à mesa e lhe confidencia um grande sonho de juventude.

     — É algum tipo de pegadinha? — Renata indaga o namorado.

     — Não. Eu estou falando super sério!

     — Você e seus "sonhos de juventude". No ano passado você cismou que daria uma volta ao mundo de bicicleta...

     — E quase dei...

     — Quase? Você se esqueceu de que pedalou até chegar ao centro, encontrou seus amigos, deixou a bicicleta na entrada do bar, ficou de prosa, perdeu a noção da hora e quando saiu, caindo de tão bêbado, montou na bicicleta de outro cara achando que era a sua, se estrebuchou no primeiro poste que apareceu e me ligaram às quatro da madrugada avisando que você tinha se metido em encrenca. Pior, pior ainda: o cara foi até o hospital me cobrar o conserto da bicicleta e no estado que ela estava, melhor comprar outra. Dei o dinheiro a ele.

     — Isso você não me contou...

     — O rapaz é entregador de água, não podia ficar sem a bicicleta.

     — No caso da bicicleta, eu fui roubado e a bicicleta do cara era quase idêntica à minha, qualquer um poderia confundir...

     — Certo, certo...

     — Com o pagode é totalmente diferente, acredite em mim!

     — Compra um aparelho de karaokê que dá no mesmo!

     — Nananinanão! — Gesticula o bonitão estabanado. — Eu já planejei tudo, já está tudo esquematizado aqui na minha mente, agora só falta colocar em prática.

     — Você é que nem criança pequena, quando está muito quietinha é porque está aprontando alguma coisa... — Renata, confusa com a nova ideia de jerico do namorado, reflete.

     — Imagine só ter o Rubão como padrinho!

     — O Rubão já consentiu com essa ideia descabida?

     — Quer dizer, ainda não, mas, pô, eu sou amigo do cara, ele me apadrinhou no começo da carreira, por que não daria esse empurrãozinho no começo do grupo?

     — Mal vejo a hora que o campeonato comece, quem sabe assim você tire essa ideia absurda da cabeça!

     — Nunca estive tão certo de algo como estou do meu sucesso como pagodeiro.

     — Vou passar no mercado mais tarde. Quer algo para o jantar?

 

     Eduardo Meirelles solicita uma licença de trinta dias sob a argumentação de resolver questões pessoais, o que acontece em uma hora não muito boa porque contando com as duas repórteres grávidas e próximas de entrarem em licença-maternidade, outros cinco jornalistas também estão afastados das funções.

     Embora Edu mantenha a discrição, há sempre um par de olhos que veem e um par de ouvidos sempre no ponto.

 

     Horas mais tarde, Edu Meirelles convida alguns amigos para um churrasco e, claro, a trilha sonora é o pagode.

     O jornalista, segurando um copo de cerveja, solicita a atenção de todos.

     — Rapaziada — ele assobia. — Quero trocar umas ideias com vocês.

     Ele tenta falar várias vezes, mas é sempre interrompido, até que perde a paciência.

     — Ô cambada, faz meia hora que eu estou tentando falar, pô. Qual é?

     Os amigos de Meirelles, já grogues, assentem.

     — Meus camaradas, um dia as fotos que vocês tiraram comigo vão valer milhões...

     — Está brincando... — retruca Kejadin, um rapaz moreno de pele clara, cabelo raspado, cujo estilo está mais próximo do Hip Hop do que de um pagodeiro.

     — Esse aí se acha... — comenta Quibão, um homem negro cuja compleição física exalta o trabalho braçal que ele executa para prover o sustento da família.

     Edu Meirelles, confiante no êxito do projeto, detalha todos os planos para o grupo como se só faltasse escolher os integrantes e partir para o abraço. Os homens aceitam de prontidão o convite.

     — Já pensou, brother? — Quibão sonha alto. — A gente assim tocando no programa do Rubão, cara. No Rubão.

     — Isso vai acontecer, mas vocês precisam colaborar...

     — O Rubão vai ser nosso padrinho?

     — Rubão é um homem de palavra: quando ele promete, ele cumpre. Rubão não é homem de voltar atrás em suas decisões, então, meus caras, chega de corpo mole, vamos trabalhar...

     — Mas já? — Os rapazes perguntam.

     — Amanhã. Amanhã a gente se encontra aqui e mete bronca! — Propõe o líder do grupo.

 

     No dia seguinte, com exceção de Quibão, que chegou atrasado porque o ônibus em que ele estava quebrou, os pagodeiros se reúnem no salão de festas do prédio onde Edu Meirelles reside. O jornalista trouxe o aparelho de som dele porque há duas entradas para microfone e modo karaokê, também as potentes caixas e inicia-se uma cantoria desafinada, as danças estão totalmente fora do compasso, o senso de organização passa longe dali.

     Renata, que desce para saber como está o andamento dos trabalhos, dá uma espiadela e não demonstra muita animação.

     — Vai ser como a ladainha de dar a volta ao mundo, logo passa!

 

     Os vizinhos estão irritadíssimos com a barulheira que os pagodeiros fazem. Seu Chico, o síndico, tem ouvido tantas reclamações que se vê obrigado a bater na porta do apartamento do jornalista. Renata o atende.

     — Boa noite, seu Chico!

     — Desculpe incomodá-la, mas o seu namorado está perturbando a vizinhança. Já pedi mais de uma vez para que ele abaixasse o som, ninguém sequer me ouviu... se em meia hora ele não acatar por bem a ordem, acionarei a polícia.

     — Que não seja por isso, seu Chico! — Renata, envergonhada, desculpa-se. — Eu... eu vou agora mesmo conversar com o Edu...

 

     Dentro do salão de festas os pagodeiros estão ouvindo som alto, bebendo, rindo, jogando cartas, bem alheios à realidade. Renata faz a parte dela.

     — DÁ PARA VOCÊ DESLIGAR ESSA PORCARIA DE SOM E ME OUVIR, EDUARDO MEIRELLES?

     — Mais uma meia horinha... — Edu, grogue, faz um sinal com as mãos e promete com a voz arrastada. — Só mais meia horinha e a gente já termina...

     Renata desliga o som.

     — Nem mais "meia horinha", Edu. Sabe que horas são? Sabe?

     — Ainda é cedo, vai... — Edu tenta ligar o som, mas Renata o impede.

     — São mais de uma da manhã, amor. Já está tarde, os vizinhos estão reclamando da bagunça, o seu Chico já ameaçou até de chamar a polícia. Você não quer terminar a noite num camburão, quer?

     Bem no instante em que Edu, contrariando as ordens de Renata, liga o som de novo, um estrondo se sobressai...

 

Notas finais: Eita, minha gente... será que o aparelho de som explodiu? Um estrondo... no próximo capítulo teremos o desdobramento dos fatos. Obrigada pela leitura e até o próximo capítulo. ♥

 

Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 22/01/2022
Código do texto: T7435207
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