AMAI OS VOSSOS INIMIGOS!

“Amai os Vossos Inimigos”

É dos tópicos evangélicos mais repetidos no mundo cristão — e de todos

o menos praticado. E a razão última e mais profunda dessa falta de prática do

amor aos inimigos nasce de uma falsa compreensão dessas palavras do

Mestre. A imensa maioria dos cristãos julga tratar-se aqui de um imperativo

categórico do dever compulsório, quando, de fato, se trata de um ato de querer

espontâneo; não do heroismo de uma virtude ética, e sim da evidência de uma

sabedoria cósmica. naturalmente, para que o dever compulsório da virtude

possa converter-se no querer espontâneo da sabedoria, terá de acontecer algo

de imensamente grande entre esse doloroso dever de ontem e esse glorioso

querer de hoje.

Que é que deve acontecer entre esses dois pólos adversos?

Deve acontecer uma grande compreensão.

É sabido que tudo que é difícil não tem garantia de perpetuidade — mas

tudo que é fácil tem sólida garantia de indefectível continuidade. Enquanto o

“amor aos inimigos” se nos apresentar como um dificultoso dever compulsório,

uma virtude ou virtuosidade, é claro que não temos a menor garantia de que

vamos amar nossos inimigos, amanhã e depois, mesmo que talvez hoje os

amemos. Só quando o dificultoso dever compulsório se transformar num

jubiloso querer espontâneo, e quando a virtude passar a ser sabedoria e

profunda compreensão da realidade, é que o nosso amor aos inimigos deixará

de ser um fenômeno intermitente, passando a ser uma realidade permanente.

Estas palavras de Jesus não têm, pois, em primeiro lugar, caráter ético,

mas sim um sentido metafísico, visando estabelecer a solidariedade cósmica

através da sabedoria da compreensão.

Exemplifiquemos.

Alguém é meu inimigo, e eu sou inimigo dele. Estamos ambos no plano

negativo, nas trevas, ele, e eu.

Alguém é meu inimigo, mas eu não sou inimigo, e sim amigo dele; neste

caso, ele está na zona negativa das trevas, mas eu estou na zona positiva da

luz.

Ora, como a luz sempre atua positivamente, rumo à construção, e as

trevas atuam negativamente, rumo à destruição, é certo que, no caso de um

encontro mútuo entre a luz e as trevas, o positivo eliminará o negativo, e não

vice-versa. “A luz brilha nas trevas, mas as trevas não a prenderam”

(extinguiram).

O preceito de amar nossos inimigos é, pois, antes de tudo, um postulado de

caráter metafísico, único capaz de estabelecer solidariedade cósmica.

Sendo eu de vibração positiva, filho da luz, posso ajudar a quem é

negativo, filho das trevas. Se eu não for positivo, nada poderei fazer em

benefício do meu semelhante negativo, porque ambos estamos no mesmo

plano negativo, fraco, inerte. Mesmo no caso em que eu não tenha ódio real a

meu inimigo, não o posso ajudar eficazmente, porque sou neutro e fraco; só no

caso em que eu seja realmente positivo, pelo amor, é que posso ajudar a quem

está no ódio, contrapondo uma “violência espiritual a uma violência material”,

no dizer de Mahatma Gandhi.

Se odeio a quem me odeia, acrescento negativo a negativo, aumentando

as trevas do mundo.

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Se deixo de odiar a quem me odeia, não aumento os fatores negativos,

mas, também, não destruo o que já existe, deixando as trevas no statuo quo.

Se amo a quem me odeia, neutralizo o negativo do meu inimigo com o

meu positivo, eliminando assim as trevas e dando vitória à luz. E este o único

modo eficiente de tornar o mundo melhor: substituir as trevas negativas do ódio

pela luz positiva do amor.

O Sermão da Montanha, a filosofia da Bhagavad Gita, a sabedoria do

Tao Te Ching, a vida de Gandhi e de todos os grandes iluminados, estão

baseados nesta matemática espiritual.

“Um único homem que tenha chegado à plenitude do amor neutraliza o

ódio de milhões.” (Mahatma Gandhi.)

*

Acresce outro fator importante. Quando odeio a quem me odeia, não

apenas aumento as trevas em que ele está, mas, também, aumento as minhas

próprias trevas, direta e indiretamente.

Diretamente, pelo próprio ódio que produzo em mim, como vimos, e

indiretamente porque todo pensamento, sobretudo quando transformado em

atitude permanente, produz vibrações de certa categoria; e estas vibrações,

segundo uma lei cósmica inexorável, demandam automaticamente aquela zona

onde encontram afinidade vibratória: vibrações negativas associam-se a

vibrações negativas, vibrações positivas vão em busca de vibrações positivas,

no mundo da humanidade, e até dos seres infra-humanos.

Nesse mergulho no mundo das vibrações, os meus pensamentos, em

marcha, são saturados dos elementos, negativos ou positivos, conforme sua

natureza e afinidade, que encontrarem no ambiente, e, carregados dessas

vibrações, os meus pensamentos voltam a mim, porqüanto os meus

pensamentos, por mais transcendentes que pareçam e distantes de mim, estão

sempre imanentes em mim, inseparavelmente unidos à sua causa e fonte, e a

natureza da sua saturação se refletirá necessariamente sobre seu emissor. Se,

por exemplo, é emitido por mim um pensamento de ódio ou malquerença com

10 graus de negatividade e encontrando lá fora um ambiente carregado com 20

graus negativos, este pensamento de ódio volte a mim saturado de 20 graus de

negatividade ou malquerença, duplicando, portanto, o meu próprio estado

negativo, e fazendo-me duas vezes pior do que eu era antes. “Cada um colherá

conforme o que tiver semeado.” “Quem ventos se-meia, tempestades colherá.”

É de todo indiferente que a pessoa por mim odiada ‘‘mereça’’ ou ‘‘não

mereça” o meu ódio; em qualquer hipótese, eu contribuo para tornar o mundo

pior, porque me tornei pior a mim mesmo, parte integrante deste mundo. Eu, o

sujeito e autor do meu ato, sou atingido pelo efeito do mesmo, muito antes que

o objeto seja atingido. Ninguém pode atingir o objeto antes de atingir o sujeito.

O mal que faço, ou procuro fazer a algum outro, me atinge a mim mesmo em

primeiro lugar, e fere o sujeito de um modo muito mais grave do que possa ferir

o objeto. “O que entra no homem não torna o homem impuro, mas o que sai do

homem, isto sim, torna o homem impuro.”

O mal que os outros me fazem não me faz mal, porque não me faz mau.

Antes que o mal faça mal a outros, já fez mal ao malfeitor, porque o fez mau.

Não é certo que o objeto seja atingido por meu mal, mas é absolutamente certo

que o sujeito é atingido por ele.

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Esse impacto do meu pensamento sobre os objetos ou pessoas é, antes

de tudo, sobre o meu próprio sujeito, é tanto mais veemente e destruidor,

quanto maior for a vibração emocional de que o pensamento está saturado.

Amar seus inimigos é, pois, um preceito de sabedoria cósmica, porque

promove a auto-realização do homem a sua verdadeira cristificação.