Giro sem fim

“Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você

- respeite sobretudo o que imagina que é ruim em você –

não copie uma pessoa ideal, copie você mesma

- é esse seu único meio de viver. Juro por Deus que,

se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou

por covardia ia ser punida e iria

para um inferno qualquer.

Pegue para você o que lhe pertence,

e o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige.”

- Clarice Lispector –

Não sei se vou ou se venho, o que sou, o que quero, por quais caminhos marco meus passos, por quantos sonhos me achei e me perdi. Quantos foram os anos de minha vida e por quais paraísos passei.

Sonho meus sonhos tão meus, refaço meus caminhos e marco outros passos que em passados não me mostram a direção ou o sentido que dobra esquinas que nunca enxerguei.

Água e fogo, mel e paixão. Amores de mim na vida breve que um dia desenhei.

Canto meu canto no escuro das dores insanas que na sobriedade dizem da louca que partiu nas asas que o vento abraçou. E voou livre dos medos que acorrentavam os anseios e a busca de uma liberdade que nunca encontrou... Pobres mortais! Mal vistos por cegos enganos nas verdades que nunca contou. Pobres mortais! Gritam em desespero presos à cólera de algum deus severo que nunca os amou... Tristes olhos na face abatida que suas guerras não lutou e desejou por suas vidas outras em despedidas que ficou.

Chegada e partida. Vida e morte. Luto!

Gira a roda que nunca parou. A grande roda que tudo guardou... Gira em sua dança sob o ópio que nada vê, sente ou quer, a não ser girar e girar e girar solta desenhando o mundo que pende num universo qualquer. Dança a mulher à espera do amado que nunca virá, dança na roda que gira marcando o compasso que quer e na dança, a dor desenhada sob os pés que nunca tocaram meu chão. Por onde anda a ilusão? Passado o presente, chega o futuro ansioso pelo que nunca contou e conta as lágrimas perdidas na face que o beijo marcou. E marca o tempo que no relógio parou, marca a história que a vida não finalizou, marca no palco a peça que nunca estreou, marca o sonho do artista que nunca encenou... E gira, gira, gira no palco a vida que sem vida, silenciou...

Morte... O que será a morte senão o início daquilo que não terminou, ou o outro lado de um caminho que algum destino desenhou. Será de alegria o riso que o corpo abafou ou apenas os sentidos no ledo engano de outro amor que se foi?

Grita a roda no giro das horas que não alcançará seu fim! Grita em sons abafados por lufadas de ventos os lábios que a noite beijou. Grita também a boca que um dia a vida profanou à espera da morte que nunca alcançou.

Sete passos entre o céu e o inferno de mim. Sete marcos entre o começo e o fim. Sete vezes sete os anos que trago e entrego ao rufar de algum mandarim. Sete vidas em sete planos de alguma dinastia e assim, chego ao que sou, plena da sabedoria que nunca conheci.

Por vezes chorei e de minhas lágrimas vi brotarem as flores que a outro corpo ofereci e em seu perfume sonhei as lembranças de tempos que um dia contei e cantei meu canto em dó girando a roda que gira e gira e gira sem nunca parar.

E gira a roda que mata a vida e revive a morte no grande ciclo que não pode parar...