HUSSERL, SARTRE E A INTENSIONALIDADE


Surgida no final do século XIX, a fenomenologia transpõe os limites da filosofia enquanto disciplina, ela de certa maneira refunda a tradição   filosófica. O personagem central da fenomenologia é Edmund Husserl (1859-1938). A fenomenologia é uma vertente da filosofia que influenciou muitos filósofos e filosofias fundamentais, como o existencialismo. Dentre tantos tocados pela fenomenologia cito Martin Heidegger, Edith Stein, Merleau-Ponty e Jean-Paul Sartre que a apartir dos pressupostos fenomenologicos de Husserl irá desenvolver uma filosofia original.  Na história da filosofia haviam   duas vertentes antagônicas quanto à espinhosa  relação do sujeito com o objeto, relação, aliás, fundamental para a aquisição do conhecimento. A primeira vertente a realista, que tem seu mais importante representante Aristóteles, o ponto de partida do conhecimento são os objetos ou as coisas mesmas. A segunda vertente idealista que tem Platão seu porta voz, haveria  correspondência entre sujeito e o objeto. Essas duas concepções do conhecimento vão entrar em conflito ao longo da história da filosofia até que Imanuel Kant supera o impasse entre o idealismo e o realismo. Ele vai afirmar que o conhecimento das coisas é fruto da apreensão sensível que é reelaborada pelo intelecto através da síntese. Para Kant a realidade não é como seria em si mesma, mas tal como ela aparece para nós. Os elementos transcendentais do conhecimento são  o sujeito do conhecimento, ou seja, a consciência que apreende o fenômeno e o objeto, que é o fenômeno apreendido pela consciência. Husserl, entretanto, critica o esquematismo kantiano onde o objeto a ser conhecido poderia desaparecer, pois haveria uma contaminação do sujeito sobre o objeto, ocorrendo assim  um reducionismo das coisas  ao sujeito. Husserl prega a necessidade do pensamento se voltar às próprias coisas de modo a poder apreendê-las em sua integridade, buscar a realidade mesma, numa relação mais autêntica e menos impregnadas de impressões valorativas. Ele  afirmará que se faz necessário purificar a relação do sujeito com o objeto. Para Husserl consciência é consciência de alguma coisa e há  uma intencionalidade da consciência, pois ela busca às coisas. Husserl  observa que a  há certa leveza nesse processo. Essa intencionalidade é uma espécie de ego, mas diferente do ego cartesiano que submete o objeto ao eu, capturando-o sem deixá-lo vir à luz em sua integralidade. Sartre um discípulo de Husserl a esse respeito dizia a época da explosão da fenomenologia na França que o país ainda estava submetido ao paradigma cartesiano, na medida em que a teoria do conhecimento estava ainda calcada na primazia do sujeito sobre o objeto do conhecimento. Ele usa uma metáfora muito pertinente para tentar explicar essa relação quando  usa a metáfora do "espírito aranha" como aquele que lança sua teia e absorve o objeto nas malhas da rede.  Sartre, assim cria uma fenomenologia própria. Para ele,  consciência e mundo surgem simultaneamente:  conhecer não é apoderar-se das coisas. Para isto posso recorrer a uma metáfora de Francis Bacon, que faz uma analogia do conhecimento com uma mulher frágil e dominada e a tarefa do conhecimento é dominá-la e possuí-la a fim de arrancar os seus segredos. É esse modelo racionalista e empirista da tradição do conhecimento que tanto Husserl como Sartre quer  romper. No pensamento sartreano a consciência é constituída de uma matéria etérea que se lança livre em direção as coisas. Tudo está fora de si inclusive nós mesmos. O mundo interior é apenas subterfugio pequeno burguês. Para Sartre a consciência, quando “preenchida” por representações, se comportaria  como  uma aranha,  que  atraí as coisas para si, cobrisse-as com sua teia e depois deglutisse tais coisas, tornando-as parte de si mesma3. Em outras palavras, é a partir da noção de intencionalidade da consciência, herdada de Husserl, que Sartre considera a consciência como translúcida, como transparente, vazia de conteúdos: a consciência não atrai as coisas para si, tampouco armazena conteúdos, isso por que ela é movimento intencional, ato pelo qual o conhecimento se dá na relação como o objeto. Para usar o conceito  sartriano, a consciência é nada. Estamos em  um movimento que se dirige a nós próprios.  Ainda que pareça sem nexo essa sentença, a consciência na visão de Sartre é nada. Transcender a si mesmo e se lançar livre no mundo, é a máxima de Sartre “o homem está condenado a ser livre". Para o filósofo existencialista somos todos livres menos para não ter escolhas. Desse modo, a realidade humana é tudo aquilo que não somos, e, por conseguinte a consciência é,  afinal, a  própria liberdade. 
Labareda
Enviado por Labareda em 15/04/2016
Reeditado em 15/10/2019
Código do texto: T5605549
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