Povo de Madeira

Aqui todo mundo é de ferro, ninguém chora não.

A gente se sente estranho na casa do povo de vidro. Um esbarrão quebrou. Choram o tempo todo, parece tão normal pra eles.

A gente é ofendido, apanha, passa fome, passa vergonha. Estamos sempre aí, tudo inteirão.

É doente, tem depressão, tem trauma, tem medo, mas nada que derrube não.

Uma maioria chamada de minoria por quem nos enxerga pequeno, por quem até finge que não vê.

Povo de vidro que acha que a gente é de aço, mas não é bem assim não; a carne é dura, mas também se machuca. Acham que a gente é máquina; máquina fuleira, mas sem direito de fazer errado, afinal, pra fazer isso já tá programado.

Mas não é assim não. A gente erra às vezes. Chora escondidinho, mas é só mais uma camadinha de sal pra carcaça endurecer mais. Mas é só às vezes.

Povo de vidro chora por tudo. Se estivessem aqui iam ser suicidas premeditados.

O ser humano só sabe a força que tem quando é criado na dor. O povo de vidro só percebe a própria fragilidade quando é surpreendido pelo destino sacana.

A carne é podre, a alma é adestrada.

No final, é só um amontoado de corpos depois de uma guerra de egos entre o povo de madeira e o povo de vidro. Entre serrotes e martelos, o final é o mesmo, a mesma caixa de ferramentas os aguarda depois de usados.