Perdas

Perdas.

15/08/2018

"Se só me faltassem os outros, vá, um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mais falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo".

Trecho do livro “Dom Casmurro”, de Machado de Assis.

Meu maior medo sempre foi chegar à velhice, e achar-me em tal situação. Pois bem, nem cheguei lá ainda, e cá já estou. Esse trechinho, que tanto diz da solidão de um homem, traduz como me sinto agora. Eu sempre temi a solidão, e nunca me dei conta de que sempre estive sozinha. Não, minto! Na verdade, já há alguns anos que me dei conta disso. Não, Deus, é claro que me refiro às coisas terrenas. Sei que em outros planos tenho quem(ns) me olhe. Posso sentir, e assim não me sinto desamparada. Mas estou aqui, e não sei por quanto tempo aqui estarei. Seria justo que não houvesse esse tipo de sentimento (aqui). Mesmo assim, acho que a gente pode perder as pessoas, mas não podemos perder a nós mesmos. Quando falo em “perder”, por favor, não interprete como perder para a morte. Há várias formas de perdermos alguém, essa é apenas uma delas, a mais triste, talvez. Mas me refiro àquela perda que pode ser por motivos infinitos: perdemos por não darmos valor, por não dar atenção, por picuinhas desnecessárias, por nos sentirmos traídos de alguma forma (traição não só de parceiros, mas de amizade também… é o que mais há) perdemos a confiança e nos afastamos, ou perdemos porque simplesmente não somos mais tão úteis (nesse caso, nem considero perda)… enfim, me refiro a essas perdas, em vida. Todas essas perdas são remediáveis, e necessárias, às vezes. Perder outras pessoas é superável. Perder a si mesmo, não! Mas nos perdemos, sempre que buscamos nossa realização nos outros, sempre que projetamos nossa felicidade em terceiros. Com o tempo, percebi que todas as pessoas que perdi em vida, por mais dolorido que tenha sido, na verdade não foi bem assim uma perda (algumas eu não senti nada, além de alívio!) Bem, o fato é que, analisando com calma, acho que não as perdi, elas permaneceram em minha vida o tempo necessário. Com elas aprendi lições, e acho que ensinei também. Sempre levamos um pouco do outro, e deixamos um pouco de nós. As vezes as lições são de como não devemos ser ou nos portar. Absorvemos o que é bom, e o que não é, usamos como exemplo do que devemos evitar. Bom, ao menos eu faço assim. E por nos apegarmos demais às pessoas, quando chega esse momento de se afastar, sabe... é doloroso! É comum do ser humano se apegar. Sempre digo que o ser humano se acostuma com tudo, até com o que é ruim! Ás vezes o que mais nos faz falta não é o que tínhamos no outro, mas o que nele faltava. Sinto falta da minha ex amiga, porque ela não foi minha amiga como eu fui dela. Sinto falta do meu ex, porque ele não foi pra mim o que eu queria que ele fosse, ou talvez porque ele não me considerou tanto quanto eu o considerei. É isso! Não é a pessoa que faz falta, mas o que não havia nela. É a falta do que se esperava dela. A quebra de expectativa, a consciência de que não haverá reciprocidade na relação (seja de amizade ou conjugal) é o que resulta no afastamento. E então tentamos encontrar em outros (amigos e/ou amores) tudo aquilo que não encontramos nessas pessoas que “perdemos”. E a cada decepção, acumulamos perdas. Sim, há aqueles que insistem numa relação, mesmo depois que percebem essas divergências. Eles têm seus próprios motivos. Repito: nós, seres humanos, nos acostumamos com tudo, tudo mesmo! Somos animais adeptos a rotinas! Temos medo do novo! E assim nos prendemos num relacionamento que já não satisfaz, num emprego que não nos dá prazer e não nos realiza, em amizades que sabemos que não são verdadeiras… Tememos nos arriscar a viver algo diferente daquilo a que estamos acostumados. Tememos a solidão... Da mesma maneira, creio que as pessoas também se agarram na gente, por hábito, por costume, por “medo de perder”, de sair da rotina.

Dessa forma, chego à conclusão de que não só “perdi” pessoas, como também pessoas me perderam, ainda que não interpretem como uma perda, não faz diferença. Eu estive na vida delas o tempo necessário. Se não me sentiram, não há nada que eu possa fazer.

Acho que é isso: eu procuro nas outras pessoas, aquilo que só posso encontrar em mim mesma. E nessa busca incessante do que jamais encontrarei nos outros, me esqueci, me deixei de lado.

Por isso deixo aqui um conselho do qual vou tirar proveito também: viva sua vida de modo que você nunca chegue numa fase dela (independente da idade) e se depare com essa falta, essa ausência de si mesmo, essa sensação de abandono. Seja sua maior prioridade. Olhe para você! Não se deixe de lado. Não se abandone. Cuide com carinho da pessoa mais importante da sua vida: você! Você é imprescindível a você mesmo. Todas as outras pessoas são supérfluas!

Joalice Dias Amorim (Jô)
Enviado por Joalice Dias Amorim (Jô) em 17/08/2018
Reeditado em 19/11/2018
Código do texto: T6422280
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