Ler para Esquecer

Leio para esquecer.

E quando leio esqueço desse calor que me sufoca a ponto de deixar dormente os meus sentidos e anestesiar a minha disposição de viver.

E quando leio esqueço do lugar que vivo, repleto de pessoas simples com mentes simplórias, arraigadas em pensamentos fabricados, passados de geração a geração, e que não permitem dar cor a própria existência.

Quando leio esqueço da monotonia do dia a dia, em acordar sem vontade, pegar a condução espremido como gado com outras pessoas, sem nos notarmos mutuamente como seres humanos, e olharmos um para o outro com desdém por o outro nos roubar centimetros de espaço.

Quando leio esqueço que trabalho apenas para sobreviver, em um oficio que nunca esteve sequer nas minhas menores expectativas de infância, para alguem que nunca me agradeceu, nunca apertou minha mão, mas o qual além de me remunerar de forma escassa, eu supostamente deveria ser grato por me dar um emprego.

Quando eu leio eu esqueço da minha personalidade instrospectiva e anti-social, que me agrilhoa, e não permite que eu deseje um bom dia a todos que passam pelo meu caminho, que me nega a chance de a um dia me unir a uma causa maior que eu, que me segura de ir adiante quando eu poderia ser extremamente necessário, que não me deixa dar carinho e uma palavra amiga a alguém que esteja triste, e que não me permite nunca dizer um "eu te amo".

Quando eu leio esqueço quem sou eu de verdade.

E Quando leio com vontade e com as redeas da mente soltas, me torno tudo que não sou.

Me torno o herói que salva vidas.

Me torno aquele que ajuda, aquele que ensina, aquele que muda.

E quando escrevo me torno ainda mais.

Porque quando escrevo as pessoas leem.

E quando elas leem eu as torno quem eu quero que elas sejam, independente de quem elas sejam de verdade.

Eu as torno pessoas melhores, porque elas leem minha história e querem se tornar um pouco dela.

As pessoas leem o que escrevo e se tornam questionadoras, honradas, compreensivas.

Elas emergem na história e abandonam um pouco a si mesmas.

Deixam toda bagagem volumosa, e o cansaço do peso do dia a dia.

Esquecem quem se tornaram e trocam suas peles por algo que possam admirar.

E os personagens nada mais são que pessoas iguais a nós, mas pessoas que conseguiram mudar e crescer.

Eles são pessoas que salvam e que ajudam.

São pessoas que progridem e fazem seu melhor.

Que independente de não ser suficiente, eles fazem tudo que podem.

E quando fazem não olham para o lado pensando se são para seus semelhantes, eles fazem pensando justamente que quando fazem algo altruista, no momento desse ato, torna todos seus iguais.

Eu os escrevo porque eles não ajuntam nada para si, eles querem o melhor para o mundo.

E quando eu leio ou escrevo, esqueço aquilo que as pessoas de verdade são.

Esqueço da compreensão e da bondade que as falta, esqueço dos gritos de ódio e as ofensas, esqueço da violência que geram, esqueço da ganancia e sede de poder.

Quando leio e escrevo eu mudo as pessoas, eu sou mudado, eu planto a semente de mudança no mundo.

E escrevo para, quem sabe, alguém daqui a alguns anos, leia e inspirado mude o mundo inteiro de verdade.