“Pensar um pensamento pensante não é redundância é apenas um pensamento que difere do impensante pela transcendência do saber e pensar”
 
Quando em vigília estou, estou sempre a pensar, e nesse estado, isto penso: em nenhum outro momento, maior espaço encontraria para me tornar senhor dos meus próprios pensamentos, entretanto, para isso pensar, poder absoluto não tenho, pois sobre o que pensar, e quando fazê-lo, nem sempre exerço controle, visto que meus próprios pensamentos quando não modulam a minha vontade, a subjugam... Assim, muita vez, ou quase sempre, alguns pensamentos meus, meus parecem não ser, uma vez que por tenazes que são, estão sempre a impedir-me de escolher e ordenar outros pares seus, que mais me aprazariam; quanto à sua essência — a de cada um dos meus pensamentos — algum êxito alcanço a fundá-la, quando, naturalmente, antes que de tal intento, algum outro pensamento me desvie. Quando disse — quando posso — o fiz porque realmente, e não por poucas vezes, não posso ordenar os meus próprios pensamentos, o que penso não estar a acontecer, neste instante...
Se estou adormecido, creio, meus pensamentos despertos estão, pois, embora, nesse estado, de forma clara, alcançá-los não possa, posso, através de meus sonhos ou de suas consequências que inundam o meu despertar, tomar consciência da existência, ainda que mal definida, dos meus pensamentos oníricos; assim, nem mesmo quando penso em descansar, descanso meus pensamentos não me concedem; logo, penso: só haveria descanso em plenitude à mente, se ao menos, alguns pensamentos lassos, laços mais rígidos impusessem à minha capacidade de pensar para que atada fique...
Tão logo me desperto, enquanto meus pensamentos próprios do meu período de vigília apoderam-se de mim, penso em dar forma e ordem aos disformes e desordenados pensamentos que alentaram os meus últimos sonhos, que agora dicotomizados estão entre a realidade e as quimeras; por ora, partidos ao meio — se é que, bifurcado pode ser um ou outro pensamento — se compõem com outros para desprezar uma de suas próprias metades... Quando tenho êxito, ao agir assim, por vez, tenho dúvida: modulei pensamentos que nasceram enquanto eu dormia, ou ressuscitei das minhas vigílias anteriores, pensamentos, ora finados? Ou ainda, ocupei-me com pensamentos, que de mortos têm um pouco, ou rejeitei alguns outros, que de vivos quase nada têm? Às interrogações semelhantes não consigo responder, mas, se “dubito, ergo cogito, ergo sum” *, assim, posso carregar a dúvida cética ao lado da crédula certeza de que vivo estou; logo, consciente posso dizer: nada afirmo, nada nego, permaneço no nada sei.
Por tanto ininterruptamente pensar, uma contínua dubiedade apoderou-se do meu “estar a ser”, qual seja se para valer pouco, muito penso, logo, logo, ou a cada instante, deveria pensar menos para valer mais? A dar mais segurança à dúvida que tenho, devo assim interrogar: se eu pensasse menos, mais a pena valeria? Antes de dar um sim, ou um não, a essa interrogação, outra devo fazer: para saber se estou a pensar menos, devo saber quantos pensamentos a mais posso ter?
Se inevitavelmente tanto penso, devo mesmo pensar, ou posso me abster de fazê-lo? Ora, para saber se devo pensar, preciso pensar, e para saber se não devo pensar, preciso ainda pensar, logo, devo pensar ad aeternum**.
E neste instante, se eu quisesse, ou antes, se eu pudesse da minha mente, os meus pensamentos eu livraria, ou até extirparia? Este par de verbos — pensar e poder — jamais se submete ao nosso querer...
Que castigo! Para tomar qualquer conduta que altere o curso dos meus pensamentos, teria que pensar em como fazê-lo, mas, antes de dar o primeiro passo nesse sentido, de imediato, concluo: ainda que esteja cansado de pensar, dispensar os meus pensamentos não posso, assim, de uma vez por todas, alcanço esta certeza: estou sempre a pensar... Contudo, a tempo, ainda devo confessar: eles — bem podes pensar de quem estou a falar — continuamente, não só me acompanham, mas, muita vez, me atormentam...
Se de sentido, a ti, minhas palavras parecem nuas, não anuas a elas de imediato, pois isto, antes hás de considerar: há pensamentos impensáveis! Se nessa verdade pensei, pincei entre os demais pensamentos meus, algum que com ela esteja conexo, pois com nexo mais destacado ela ficará, se mais referências que a sustente, encontrar...
Finalmente, penso que muitos pensamentos meus são incongruentes, porquanto, só alguns, ou até menos, se fundam em algum sólido alicerce... Logo, penso que a minha razão os desaprova quase todos, entretanto, há em mim, um discreto número de pensamentos coesos, que de longe, é suficiente para conter ou modular os demais outros...
Neste momento, estás a pensar, assim, pergunto-te:
Que pensamentos tens?
Ainda que não me respondas, se estás a ouvir as minhas palavras que já estão a expirar, inspirar-te a pensar, elas irão...
Depois de tudo — mas não antes de alguns pensamentos meus se atropelarem, pois estes, à mente, não abrem lacuna — tenho um grande alento: cogito ergo Sum***.
Por tudo que acima dissera, sobre as razões que encontrei para fazê-lo, desejo que penses antes de contestá-las, mas, se antes pensas que estou confuso, com fuso adequado, desembaraça bem os teus fios, em seguida, urde a tua trama e tece os teus pensamentos, para só depois transigires a nossa demanda, caso queiras...  
 
*     - Dubito, ergo cogito, ergo sum - Eu duvido, logo penso, logo existo
**   - ad aeternum - para sempre  
*** - Cogito, ergo sum - penso, logo existo. 
 
PS - A liberdade de pensamento em seu sentido estrito é inalienável?
Não, não é! Se desejo pensar em algo, por vez, por imposição do poder que não tenho, não conseguirei fazê-lo, pois “Aliud est velle, aliud posse”, ou seja, “Uma coisa é querer, outra é poder”. Em tal situação, não há liberdade de pensamento. Reivindicar a liberdade de pensar significa ter a liberdade de exprimir o pensamento, ainda que só de forma subjetiva, o que nem sempre conseguimos fazer... 





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Eugene Garrett
Enviado por Eugene Garrett em 10/03/2021
Reeditado em 12/03/2021
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