Naquelas noites serenas

Aquelas noites serenas em que escrevia ao som da sua estação de rádio preferida não passam de memórias de doces tempos já distantes. No silêncio da noite versos se desdobravam em estrofes, transbordava-se o amor mais sublime que aquele coração haveria de viver, porque de tão puro, manteve-se casto no documento em branco ou naquelas folhas agora guardadas em algum canto qualquer.

Ela não era mais a garota do nome feio, a última a ser escolhida para o time, aquela que nunca ganhou flores, a esquisita, excluída de tudo.

Ela desabrochava enquanto se dedicava ao seu propósito de viver. Os caminhos outrora desordenados levaram a um só destino e não havia questionamentos porque a plenitude a abraçava tão forte que aquele passado horroroso de rejeição e humilhação era miragem.

Da janela ela olhava para o céu e sempre via uma estrela. Gostava de pensar que aonde quer que fosse, quando mirasse a noite esplêndida, lá estaria sua sempre amiga, a lhe acompanhar pelas jornadas desta vida.

O pé de ameixas amarelas foi cortado, ergueram aquele prédio cinzento e horroroso — semelhante à fachada de uma prisão, embora ela nunca tenha visitado uma penitenciária e nem deseje — que simboliza os intermináveis anos de tristeza, daquelas amargas reviravoltas e impossibilidades. Aquela estrela desapareceu. A estação de rádio ainda existe, mas a inocência se perdeu no meio do caminho.

Substitua o AMOR pelo MEDO e sinta a respiração ofegar. O mundo bateu forte nos sonhos dela, até não sobrar nada, e às vezes a saudade daqueles tempos despreocupados invade seu peito com semelhante intensidade de um temporal no fim de tarde.

A poesia se esconde da chuva e dos perigos da noite, sobrevive, improvisa rimas e tabuleiros, até uma jangada, mas na selva de pedra isolamento acústico é privilégio. Porque guardar a dor no bolso não fortalece a alma, às vezes se faz necessário cuidar das feridas e ter por perto alguém que se importe. E não há.

Quais as considerações cabíveis ao medo de amar?

Aprofundando um pouco mais a ideia, encontra-se alguém que já padeceu ao abandono e receia abrir as portas do coração para alguém que almeje apenas diversão e lhe ofereça promessas vazias, sem compaixão de deixá-la só nas noites mais frias e sem estrelas para se contemplar. Até que a escuridão chegue, não se sabe. A angústia de viver um sentimento que não é recíproco aflige sobremaneira.

Naquelas noites serenas de céu límpido, ela conversava com a sua querida estrela, ao longe, quando via aqueles canhões de luz darem um ar mágico para quem passava a se entender por gente, sonhava, sonhava alto essa menina, com aquela dança lenta na qual os corações batem em uníssono e nunca perdem o compasso, em que de olhos fechados se ama.

Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 19/03/2021
Reeditado em 19/03/2021
Código do texto: T7210995
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.