Versos resignados
As costas das mãos cobrem os olhos úmidos, no silêncio a dor se manifesta sem reprimenda. Em looping seguem-se as memórias de um passado recente, reverberando a intensidade do imprevisto, as palavras pela negação sublimadas, o assombro que causa a verdade quando entendida como tal.
A esperança soa utópica quando refletida. As perspectivas soam tão ridículas. Nunca se pensou que uma noite custaria tanto a passar. A primeira. O choque é mais forte que o cansaço e dormir significa mais do que fechar os olhos e por algumas horas não sentir essa dor, a interpretação excede o óbvio, o baque. Amanhã será outro dia, a confirmação de que o fato não foi apenas um sonho ruim.
O verso resignado segue com as promessas de desvendar os mistérios mais indecifráveis da alma. Fora de órbita. A tristeza evidencia a importância de apreciar cada momento com singularidade, produz a poesia bruta, numa concentração invejável, até sádica, mas não há quem não se leia nessas estrofes tão íntimas e ao mesmo tempo tão universais.
Amanhã. Depois de amanhã. E o tempo caminha. Um mês já se foi. E outro. Seguir em frente ainda é uma força de expressão. O sorriso não passa de uma mentira, para evitar rumores desnecessários, belo e sensato disfarce para uma alma desalentada.
Toda noite o travesseiro acolhe a fragilidade de um sonho desfeito e busca fazer dos escombros um recanto menos hostil para quem tenta sobreviver com o (pouco) que sobrou de si. Porque o tempo passa e o remédio para o coração partido surte o efeito adverso.
Não pensar para não sentir. Fechar os olhos para a verdade. A ferida ainda está aberta, ignorar a existência dela não facilita o processo de cicatrização. Não é de todo inaceitável lavar a alma com franqueza.
Um dia o verão voltará. Algum dia, você verá.