O preto dele
O cara esquecido atrapalha a comprar o pão
Atrapalha o prazer do lanche
Pois ele tem mais que os pés no chão
Tem seu corpo e sua alma decadente
Lembra um pedacinho da gente
Apesar da gente não querer não
O cara esquecido já foi alguém
Ainda é
Mas se ninguém o mantém de pé
Como conhecer o que ele tem,
Quem ele é
O que ele sente e pensa
O que lhe causa ofensa
O que lhe trai a fé
Vendo o cara no chão
Dormindo, fora do mundo
Sinto um silêncio profundo
Nos olhos do pessoal embaixo
Que olhando pro lado
Não o vem, vem não
Aumenta a pressa da satisfação
Por um lanche que não seja no chão
Por alguém que não seja esquecido
Por algo que não tenha morrido
De tamanha solidão
Olho o cara no chão e me lembro dele agora
A noite fria lá fora
Me faz pensar que ele,
Outrora
Era como eu
Tinha lugar pra ir embora
E apesar de todo breu
Não esqueço o preto dele
Não esqueço as botas dele
Não sou mais o mesmo eu
O cara esquecido agora é lembrado
Num verso desorganizado