O preto dele

O cara esquecido atrapalha a comprar o pão

Atrapalha o prazer do lanche

Pois ele tem mais que os pés no chão

Tem seu corpo e sua alma decadente

Lembra um pedacinho da gente

Apesar da gente não querer não

O cara esquecido já foi alguém

Ainda é

Mas se ninguém o mantém de pé

Como conhecer o que ele tem,

Quem ele é

O que ele sente e pensa

O que lhe causa ofensa

O que lhe trai a fé

Vendo o cara no chão

Dormindo, fora do mundo

Sinto um silêncio profundo

Nos olhos do pessoal embaixo

Que olhando pro lado

Não o vem, vem não

Aumenta a pressa da satisfação

Por um lanche que não seja no chão

Por alguém que não seja esquecido

Por algo que não tenha morrido

De tamanha solidão

Olho o cara no chão e me lembro dele agora

A noite fria lá fora

Me faz pensar que ele,

Outrora

Era como eu

Tinha lugar pra ir embora

E apesar de todo breu

Não esqueço o preto dele

Não esqueço as botas dele

Não sou mais o mesmo eu

O cara esquecido agora é lembrado

Num verso desorganizado

Lilian de Oliveira
Enviado por Lilian de Oliveira em 20/05/2008
Código do texto: T998227